Resenha - O Urbanismo em Questão - Françoise Choay
Por: Filipe Bassan Marinho Maciel • 25/11/2019 • Resenha • 1.500 Palavras (6 Páginas) • 752 Visualizações
O urbanismo em questão
Esta resenha refere-se ao texto O urbanismo em questão, de autoria de Françoise Choay, que aborda o surgimento do urbanismo como ciência e faz uma síntese das principais correntes de pensamento relativo à cidade desde o século XIX até meados do século XX.
A origem da necessidade de se estudar e entender o funcionamento das cidades está no crescimento demográfico sem precedentes pelo qual passaram núcleos urbanos europeus a partir da Revolução Industrial. A drenagem da mão-de-obra do campo ocasionou problemas para os quais as cidades não estavam preparadas. Choay cita como exemplo o caso de Londres, que possuía 864.845 habitantes em 1801, passando a ter 1.873.676 habitantes em 1841 e 4.232118 em 1891. O inchaço das cidades prejudicou o acesso à moradia pelos trabalhadores, as condições de higiene física do ambiente e a circulação viária, entre outros itens. Uma nova ordem foi criada e a cidade precisava adaptar-se à nova sociedade que a habitava, segundo Choay.
Assim, o estudo da cidade durante o século XIX dividiu-se em duas linhas de ação: a descritiva, representada pelos franceses Levasseur e Legoyt, com o objetivo de entender o fenômeno da “urbanificação” e formular leis de crescimento urbano; e a polêmica, com a denúncia das condições morais, físicas e higiênicas do proletariado urbano, o choque da realidade da cidade, encabeçado por nomes como Matthew Arnold, Fourier, Proudhon, Carlyle e Ruskin. Choay diz que, com exceção de Marx e Engels, a maioria dos estudiosos da cidade não admitiam o estabelecimento de uma nova ordem urbana a partir da Revolução Industrial. Imperava o conceito de “desordem”. Para o ordenamento urbano foram feitas propostas de modelos de cidade ideal para serem implantadas do zero, sem “poder dar uma forma prática ao questionamento da sociedade, a reflexão situa-se na dimensão da utopia”. Houve dois modelos: o progressista, orientado para o futuro; e o culturalista, orientado para o passado. O urbanismo ainda não é praticado por especialistas (arquitetos, principalmente) e é bastante politizado, razão pela qual os estudiosos do período são chamados de pré-urbanistas.
Choay conta que os pré-urbanistas progressistas identificam o “indivíduo humano com tipo, independente de todas as contingências e diferenças de lugares e tempo, e suscetível de ser definido em necessidades-tipos cientificamente deduzíveis”. Assim, a partir de uma análise racional, poder-se-ia determinar uma ordem-tipo urbana passível de ser estabelecida a qualquer agrupamento humano em qualquer época e lugar, já que os homens teriam um mesmo modo de vida, as mesmas necessidades, os mesmos anseios e talvez os mesmos gostos. A corrente progressista prioriza os espaços abertos e verdes, indispensáveis para a higiene e defende a setorização da cidade a partir da análise das funções humanas, reservando diferentes locais para o habitat, para o trabalho, para a cultura e o para o lazer. A estética é muito importante, havendo recusa dos padrões artísticos do passado. Na cidade progressista praticamente tudo seria pré-determinado, desde alinhamentos, gabaritos de vias e tipos de muros até os modelos de edifícios, como o modelo de habitação coletiva, o falanstério de Fourier, o modelo de escola de Owen e o modelo de hospital e lavanderia municipal de Richardson. Havia um grande interesse na habitação, com dois modelos diferentes, porém concebidos a partir de um protótipo: o da solução coletiva de Fourier, já mencionado; e também o de Proudhon, solução individual.
Os pré-urbanistas culturalistas, segundo Choay, consideram que “o indivíduo não é uma unidade intermutável (...) por suas particularidades e sua originalidade própria”, sendo insubstituível na sua comunidade. Afirmam que a cidade perdeu sua “antiga unidade orgânica” frente à industrialização. São feitas análises, comparações e paralelos entre a civilização industrial e as do passado, possibilitado pelos estudos históricos e a arqueologia. É defendida um retorno às formas do passado, a colocação das necessidades espirituais acima das materiais, refletindo em um planejamento do espaço urbano feito com “modalidades menos rigorosamente determinadas”. O modelo culturalista prevê a cidade circunscrita em limites precisos, para contraste entre meio cultural e meio natural, sendo o último preservado. Não se admitem cidades gigantescas e sim, modestas, nos moldes medievais. Como marca da ordem orgânica, o traçado não-geométrico, a irregularidade e a assimetria. Cidades ortogonais são para Ruskin “sepulturas para a alma”. A estética é igualmente importante, com retorno a uma concepção de arte inspirada na Idade Média. A arte é um meio de afirmar uma cultura. Na construção, “nada de protótipos ou padrões”, umas diferentes das outras, exprimindo sua individualidade.
Choay apresenta também no pré-urbanismo o pensamento de Marx e Engels, que fazem a crítica da cidade industrial “sem recorrer ao mito da desordem nem propor sua contra-partida, o modelo da cidade futura”. Para eles, não adianta propor modelos exatos frente à um futuro indeterminado, “cujos contornos só aparecerão progressivamente, na medida em se desenvolver a ação coletiva” de derrubar a ordem vigente. A visão de futuro é uma cidade-campo, mas no sentido de não existir diferenças sócio-econômicas, culturais e demográficas entre as zonas urbana e rural. Ainda é incluso o “antiurbanismo americano”, crítica à cidade e defesa da restauração de uma espécie de estado rural nos Estados Unidos, na época muito mais caracterizado pela natureza virgem.
Como obra de especialistas e despolitizado, o urbanismo propriamente dito não permanece somente na utopia, dando uma “tarefa prática” a seus técnicos. Os dois modelos do pré-urbanismo encontram-se modernizados. O pioneiro do novo modelo progressista é Tony Garnier e sua obra La cité industrielle, influenciando a primeira geração dos arquitetos racionalistas.
Há a idéia de modernidade através da arte de vanguarda e da era industrial, concebida como momento de ruptura histórica radical. O foco dos urbanistas propriamente ditos é a técnica e a estética, e, não mais, a estrutura sócio-econômica. A cidade do século XX é vista como fora do contexto e necessita realizar a revolução industrial: utilizando materiais novos e métodos de estandartização e de mecanização para alcançar eficácia. O ideal universal reafirma o conceito do homem-tipo do pré-urbanismo progressista: “idêntico em todas as latitudes e no seio de todas as culturas”. Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (C.I.A.M.s) são os principais veículos de difusão da corrente, formulando em 1933 a Carta de Atenas, que “analisa as necessidades humanas universais no quadro de quatro grandes funções: habitar, trabalhar, locomover-se cultivar o corpo e o espírito”. Novamente, a proposta de setorização da cidade. A topografia não é mais limitante, pois há novas máquinas, a arquitetura do “Bull-dozer (retro-escavadeira)”, podendo a cidade idealizada ser implantada em qualquer lugar do mundo, a exemplo dos planos de Le Corbusier para cidades na França, no Japão, nos Estados Unidos, na África do Norte e até mesmo no Rio de Janeiro. A preocupação com a eficácia é diretamente relacionada à higiene. A idéia é desdensificar a cidade, eliminar as ligações entre edifícios, torná-los autônomos e abolir a rua, estigma da barbárie e símbolo da desordem circulatória. A estética rejeita os padrões do passado e retoma a ortogonalidade. Retorno aos poucos modelos de edifícios, concebidos para o homem-tipo: a unidade de habitação de Le Corbusier, como exemplo de imóvel coletivo gigante ou as casas baixas, defendidas por alguns membros da Bauhaus.
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