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A Cidadania

Por:   •  3/4/2017  •  Trabalho acadêmico  •  6.701 Palavras (27 Páginas)  •  342 Visualizações

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C I D A D A N I A [1]*

                                                Pietro Costa [2]**

Introdução

Ainda há poucos anos, a expressão “cidadania” dificilmente teria sido considerada uma “palavra-chave” do léxico filosófico-jurídico e jurídico-político. A diferença mais evidente, no que concerne ao passado, é a difusão da palavra “cidadania” no debate hodierno na juspublicistíca política, assim como na produção “especializada”. Trata-se de um fenômeno que é necessário levar a sério e entender o sentido da sua direção. A difusão de um termo ainda não é, porém, um argumento suficiente para a sua tomada no rol dos “grandes conceitos” da política e do direito. É necessário, portanto, questionar o efetivo expessor semântico do termo “cidadania” e as características do seu emprego nas ciências político-jurídicas e sociais.

Certamente, “cidadania” não é, por si mesmo, um neologismo. É, ao contrário, um termo difuso tanto na língua como no linguajar especializado do jurista, que há séculos indicava no status civitatis um traço juridicamente caracterizador do sujeito. É, porém, em anos recentes que o termo “cidadania” foi substancialmente redefinido, tornando possível um uso do mesmo conceitualmente mais articulado e ambicioso.

Esta antiga palavra ganha nova vida através da contribuição de um célebre ensaio (Citizenship and Social Class) publicado em 1950 pelo sociólogo inglês Thomas Humphrey Marshall. O seu objetivo era analisar as desigualdades de classe e os tipos de welfare state, mas o instrumento conceitual ao qual ele recorria era “cidadania”: se tornar igual (ou “mais” iguais) significava, substancialmente, para Marshall, se tornar completamente cidadãos, a partir do momento que “cidadania” podia ser entendida como o ponto de encontro entre a “igualdade humana fundamental de pertença” e o “formidável aparato de direitos” que tinha se desenvolvido na Europa ao longo dos séculos XIX e XX (Marshall, 2002, p. 11).

 Trata-se de um ponto aparentemente frágil e descolado, se medido com o sucesso do termo “cidadania” nos anos mais recentes. De fato, foi o complexo clima político-cultural que, a partir da década de oitenta, induziu a reler o escrito marshalliano dos anos cinquenta desenvolvendo e dilatando as suas potencialidades: de um lado, de fato, a crise do marxismo (não só a queda do “socialismo real” nos países do bloco soviético, mas também e sobretudo a perda de confiança na capacidade de explicação e nos recursos da teoria marxista) convidada a redescobrir os direitos como trâmite de igualdade e de emancipação humana; de outro lado, o forte incremento de movimentos migratórios do sul e do oriente para os países da Europa ocidental mostrava o caráter, conjuntamente, fundamental e problemático das ligações de pertença dos sujeitos á comunidade política e chamava a atenção sobre a incidência que aquele pertencer acabava por exercitar sobre os direitos e sobre o seu efetivo gozo.

É neste clima que o lema “cidadania” passa por um processo de redefinição que exalta o seu conteúdo, mas contemporaneamente gera o risco de acentuar a sugestividade retórica fazendo com que se perca a sua clareza. É necessário, portanto, questionar sobre os significados atribuídos ao termo “cidadania” e contemporaneamente avaliar a fecundidade teórica e a utilidade operativa.

  1. 2.         Três usos de “cidadania”: crítico-sociológico, ético-político, metodológico-        operacional

        Não é possível uma reconstrução detalhada e exaustiva dos empregos de “cidadania” na literatura hodierna. Limitar-me-ei, portanto, a mencionar três tipos de emprego da expressão “cidadania”, unidos devido ao fato de a esta atribuírem o mesmo núcleo semântico (o nexo entre o indivíduo, os direitos e a ordem política), mas inclinados a propor interpretações e aplicações diferentes desta.

        Uma primeira estratégia (talvez a mais próxima das intenções originárias marshallianas) consiste no assumir “cidadania” como um tipo de indicador do modo em que o poder e os recursos são efetivamente repartidos no âmbito de um determinado ordenamento político-social. Falar de cidadania significa, então, falar substancialmente da fruição das “riquezas coletivas” (de ordem política, econômica, cultural, etc...) assegurada aos sujeitos em um contexto sócio-político determinado. Uma plena cidadania, como sustentava Marshall, implica em plena participação de todos os indivíduos ao patrimônio comum: nesta perspectiva, se torna fundamental o parâmetro da igualdade, que permite analisar e valorar as diferenças existentes entre os membros de uma determinada sociedade. Os sujeitos, que em termos meramente jurídico-formais poderiam parecer igualmente cidadãos no âmbito de uma determinada ordem político-jurídica, devem, ao contrário, ser inscritos em classes diferenciadas devido ao acesso aos recursos e ao poder que a eles venham efetivamente garantidos.

        A referência aos direitos é, portanto, importante como “instrumento de medida” do acesso ao “patrimônio comum” reservado aos sujeitos (a uma ou outra classe de sujeitos). Entram em exame, a este fim, diversos tipos de direitos: tanto os direitos sociais, diretamente ligados às estratégias distributivas e alocativas adotadas, quanto os direitos políticos, dos quais dependem a forma e o grau de envolvimento “cívico” dos sujeitos. É do conjunto dos direitos referíveis aos sujeitos (a uma ou outra classe de sujeitos) que é possível extrair indicações importantes sobre a relação que corre entre os indivíduos e a ordem político-jurídica. Valha, como exemplo de indubitável importância, a referência ao tema da “cidadania feminina” (e aos problemas que emergem da sua dinâmica histórica integral, das primeiras lutas emancipatórias para a conquista de direitos políticos “iguais” até às mais recentes críticas voltadas ao “formalismo” dos direitos e ao mecanismo representativo).

        O parâmetro da cidadania, assim entendido, não serve por outro lado somente a “medir” as diferenças existentes entre sujeitos pertencentes à mesma comunidade política (entre cidadãos em sentido jurídico-formal), mas se presta também a chamar à atenção sobre a relação que se vem criando entre os cidadãos e todos os “outros” sujeitos que, a qualquer título, de qualquer modo vêm a viver na órbita do mesmo ordenamento.

        Jogando, portanto, sobre diferentes “indicadores” (e entre estes, antes de mais nada, sobre direitos atribuídos ou negados) se torna possível uma reconstrução do “grau” de cidadania vez a vez garantida a diferentes classes de sujeitos co-presentes em uma espaço sócio-jurídico determinado.

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