A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRANSEXUALISMO: A DESNECESSIDADE DE CIRURGIA PARA MUDANÇA DE SEXO
Por: Renata Evangelista • 12/12/2017 • Artigo • 8.205 Palavras (33 Páginas) • 552 Visualizações
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRANSEXUALISMO: A DESNECESSIDADE DE CIRURGIA PARA MUDANÇA DE SEXO[1]
Renata Evangelista
RESUMO
A cirurgia de transgenitalização já é uma realidade no Brasil, constante, inclusive, como procedimento cirúrgico oferecido pelo Sistema Único de Saúde. Ocorre que tal tratamento não é único meio a solucionar os transtornos do transexual, a fim de garantir-lhe bem-estar com o próprio corpo e sexo psíquico. Este artigo trata dos conceitos de transexualidade e critérios para realização de cirurgia para redesignação sexual e os reflexos advindos com a adequação do sexo na vida civil quanto à Retificação do nome do transexual. Pontou-se a possibilidade do transexual alterar seu prenome e gênero no documento de identificação civil, embora ausente regulamentação da matéria, à vista da aplicação dos princípios constitucionais da isonomia e dignidade humana. Ao final, buscou elucidar alguns entendimentos jurisprudências acerca do tema.
Palavras-chave: Transexualismo. Redesignação Sexual. Identidade Civil. Dignidade da pessoa humana.
1 INTRODUÇÃO
Entre as questões mais discutidas no ordenamento jurídico brasileiro, em se tratando de direito privado, são as que dizem respeito a possibilidade de mudança de registro do nome do transexual.
O desejo do transexual de se parecer com o sexo oposto ao seu físico, aliado à evolução de técnicas cirúrgicas, tem possibilitado que vários transexuais consigam a redesignação do corpo, propiciando maior sensação de bem-estar psicológico e aceitação pessoal.
Não há lei regularizando os direitos inerentes ao transexual desde o ato cirúrgico à retificação do prenome no registro civil. Há, contudo, a Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 1.652, publicada em 6 novembro de 2002, que disciplinou a realização da cirurgia, fixando requisitos indispensáveis para o cumprimento da intervenção cirúrgica.
Cumpridos os requisitos estabelecidos na citada Resolução, realizada a cirurgia de alteração de sexo do transexual, nasce à expectativa de mudança no seu registro civil.
Inexistindo a regulamentação, a jurisprudência pátria, que será objeto de análises no desenvolver do trabalho, tem reconhecido e determinado o direito à alteração de prenome e sexo dos transexuais no registro civil de pessoas naturais, em respeito aos princípios constitucionais da dignidade humana, isonomia e liberdade.
Trata-se, assim, de tema não pacificado nos tribunais, mostrando-se relevante a pesquisa a fim de elucidar os aspectos sobre a retificação do registro civil do transexual e a fundamentação exigida para alcançar tal objetivo.
Este estudo, portanto, possui como objetivos abordar a dignidade da pessoa humana frente ao reconhecimento da transexualidade e discutir a mudança no Registro Civil do transexual independente da realização da cirurgia de transgenitalização, mencionando a respeito da realidade psicológica do transexual, analisando o direito personalíssimo ao nome e a identidade em observância a Lei de Registros Público (Lei nº 6.015/1973), Código Civil e Princípios Constitucionais da Dignidade Humana, Isonomia e Liberdade, além de abordar como os Tribunais de Justiça Brasileiros tem enfrentado o tema.
Os objetivos apontados neste projeto foram alcançados por meio de pesquisas de textos legais, artigos científicos e doutrinas sobre a alteração do registro civil do transexual sem intervenção cirúrgica para mudança de sexo.
2 NOÇÕES GERAIS SOBRE A TRANSEXUALIDADE
Transexualidade e Direito instituem um dos temas de maior relevância jurídica dos dias de hoje por sua notável evolução e disseminação nas relações humanas e sociais, por isso, sua repercussão em vários ramos da ciência jurídica. A questão vem suscitando relevante interesse, seja por sua atualidade, seja por integrar debates nos tribunais brasileiros.
Importa definir a figura do transexual e a advogada especialista no assunto, Tereza Rodrigues Vieira (1997, p.47) aduz que o Transexual é um indivíduo que sente pertencer ao sexo oposto aos seus órgãos sexuais externos e constante no registrado em sua certidão de nascimento. Sendo assim, é notório o fato de que o transexual é insatisfeito com seu corpo, pois acredita ter nascido no corpo errado, existindo assim, o sexo psicológico e o físico. Tais descontentamentos podem implicar, até mesmo, no desejo de reversão sexual por meio de cirurgia de mudança de sexo.
De início, importante esclarecer algumas concepções sobre a figura do transexual. Valemo-nos de algumas definições apresentadas por estudiosos do direito.
Para Tereza Rodrigues Vieira (VIEIRA, 1999, p.47):
Transexual é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por meio de cirurgia. Segundo uma concepção moderna o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, portadores de neurodis-cordância de gênero. Suas reações são, em geral, aquelas próprias do sexo com o qual se identifica psíquica e socialmente. Culpar este indivíduo é o mesmo que culpar a bússola por apontar para o norte.
Nas palavras de Maria Berenice Dias (DIAS, 2010, p.05), o transexual se caracteriza pela:
[...] eventual incoincidência entre o sexo aparente e o psicológico que gera problemas de diversas ordens. Além de um profundo conflito individual,repercussões acabam ocorrendo nas áreas médica e jurídica, pois o transexual tem a sensação de que a biologia se equivocou com ele. Ainda que reúna em seu corpo todos os caracteres orgânicos de um dos sexos, seu psiquismo pende, irresistivelmente, ao sexo oposto. Mesmo sendo biologicamente normal, nutre um profundo inconformismo com o sexo biológico e intenso desejo de modificá-lo, o que leva à busca de adequar a externalidade à alma.
O professor Flavio Tartuce (TARTUCE, 2003) faz a distinção entre Transexualismo, Homossexualismo e Bissexualismo, como sendo:
O transexualismo constitui, assim, uma doença ou patologia,segundo apontam vários autores especializados no assunto e algumas entidades médicas internacionais e de outra nacionalidade. Não se confunde, portanto com o Homossexualismo (atração por pessoa do mesmo sexo) ou com o bissexualismo (atração por pessoa do mesmo sexo e do sexo oposto, concomitantemente). Trata-se de uma situação diferenciada, que merece tratamento diferenciado,consagração da especialidade, de acordo com a segunda parte do princípio constitucional da isonomia (“a lei deve tratar de maneira desigual os desiguais).
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