A Transferencia da Culpa Para a Vitima no Delito de Estupro
Por: thais__melo • 11/12/2022 • Monografia • 6.065 Palavras (25 Páginas) • 101 Visualizações
1. INTRODUÇÃO
A proposta da pesquisa é explorar as questões histórias, sociais e jurídicas que por muito
tempo fomentaram a desvalorização da mulher, colocando a figura feminina como mero objeto,
que em um primeiro momento era propriedade de seu pai, e, após um acordo realizado por este,
passava a ser propriedade do seu marido.
Por muitos anos a mulher não tinha direito de escolha. Não escolhia seu papel social. Não
possuía direito a dignidade sexual. Não possuía direitos políticos. Não escolhia com quem iria
casar-se. Enquanto isso, a superioridade dos homens era reforçada, inclusive pelo Direito Pátrio.
Essa degradação da mulher por longos períodos, revela-se causa da problemática da sua
culpabilização quando vítima do delito de estupro.
Quanto a escolha dos métodos para o desenvolvimento do presente trabalho, as opções
foram pelo histórico e comparativo, bem como qualitativo, em razão do objetivo primário
firmado, qual seja, o de evidenciar a relevância jurídica do tema escolhido.
No presente trabalho busca-se demonstrar o quanto as mulheres foram feridas em sua
dignidade ao longo da história, pelo modelo de sociedade patriarcal, que se organiza para
manter o poder na mão dos homens e a mulher na posição de submissa. Essa demonstração
tem a finalidade de pontuar que a violência sexual, tem raízes profundas na sociedade patriarcal,
e está ligada ao papel social que por longos períodos foi imposto para a mulher.
Após, será feita uma análise da prestação da tutela do Estado em relação as vítimas de
estupro, sendo pontuado desde o momento legislativo, policial e jurisdicional.
Por fim, será esclarecido que apesar da evolução do Direito e da sociedade, ainda há que
se lutar pela da proteção da liberdade individual da mulher, da sua dignidade sexual e do seu
direito de escolha.
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2. O PAPEL DE SUBMISSÃO IMPOSTO PARA A MULHER
A autora francesa Simone de Beauvoir, inaugura o segundo capítulo do seu livro O
Segundo Sexo1
, publicado em 1949, com a famosa frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”
A partir dessa frase, constata-se que o gênero feminino é fruto de uma construção social e
política, que por longos anos era pautada apenas no olhar masculino.
Nesse sentido, com o poder na mão do patriarcado, a mulher não fazia parte da vida
pública, estava longe de tomar decisões políticas. Longe de ser livre, e pensar por si mesma,
sobre o seu papel social. O mundo do poder era para os homens, enquanto o lar para elas.
É evidente que com tantas restrições impostas à mulher, ficou fácil se estabelecer uma
relação de dominação e submissão, entre o gênero masculino e feminino. O ato de dominar,
provém do exercício da influência decisiva, do controle, da soberania sobre algo ou alguém.
Por outro lado, a submissão se caracteriza como uma condição em que se é obrigado a obedecer,
concretizando-se uma relação de sujeição e subordinação.
No mais, a dominação é fruto do poder. Não há poder sem exercício de controle. De
acordo com o dicionário de filosofia, a palavra poder, na esfera social, seja pelo indivíduo ou
instituição, se define como "a capacidade de este conseguir algo, quer seja por direito, por
controle ou por influência. O poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais
ou políticas para obter certo resultado (...)" (Blackburn, 1997:301).
No dicionário de política, encontra-se a definição de poder mais flexível. "É poder
social a capacidade que um pai tem para dar ordens a seus filhos ou a capacidade de um governo
de dar ordens aos cidadãos" (Bobbio, 2000:933).
Por fim, no dicionário de língua portuguesa o significado de poder é apreciado em
diversos sinônimos, com destaque para: "ter a faculdade ou o direito, de: poder determinar
algo"; "dispor de força ou autoridade"; "direito de deliberar, agir ou mandar" (Ferreira,
2001:577).
Feitas as considerações sobre diversos significados da palavra poder, é notório que era
o homem que detinha o poder em todas as formas delimitadas pelos dicionários citados. Por
longos anos, nascer mulher era sinônimo de não nascer digna de educação, do direito de escolha,
1 BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960a.
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da possibilidade de obter poder, e ser vista como sujeito de direitos. Segundo cita Pierre
Bourdieou, em sua obra “A Dominação Masculina”:
‘’A onipresença da dominação masculina, que não precisa justificar-se, apenas sendo
e confirmando-se por meio da enunciação. Ela estaria expressa tanto nos discursos e
imagens, quanto
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