A Violência De Gênero Na Vida E Na Morte: A Transfobia Institucional No Caso Chiara Duarte
Por: Carla Renata • 31/5/2023 • Artigo • 5.985 Palavras (24 Páginas) • 79 Visualizações
VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA VIDA E NA MORTE: A TRANSFOBIA INSTITUCIONAL NO CASO CHIARA DUARTE
Carla Renata Milhomem de Oliveira[1]
Letícia Sant’Ana Bezerra[2]
RESUMO
O presente trabalho é uma análise crítica de como o judiciário, responsável por executar as leis e fomentar a justiça, ainda viola direitos sociais e civis básicos no que diz respeito ao julgamento de demandas que envolvam identidade de gênero. Assim, a pesquisa terá como enfoque o caso de Chiara Duarte Pereira, que aos 28 anos, no dia 2 de setembro de 2020, foi morta a facadas e jogada do 7º andar de um prédio na região da Sé, em São Paulo. O crime ocorreu após Jefersson Pereira ter tido relações sexuais com ela e ter se sentido enganado ao descobrir que Chiara era “travesti”, como ele mesmo relata em audiência. A pesquisa ancora-se em estudo de caso acerca do processo que tramitou perante ao Tribunal da Justiça de São Paulo, o qual não tratou o caso de Chiara como transfobia, tampouco utilizou o nome social da vítima nos autos. Nesse cenário de violência de gênero, inclusive após a morte, o estudo tem como objetivo demonstrar que o Judiciário pode ser, ainda, um poder que inviabiliza a garantia de direitos a mulheres transsexuais, em virtude de propagar preconceito, como fez ao não respeitar o nome social da vítima. Trata-se um pesquisa hipotético-dedutivo, realizada a partir de uma revisão bibliográfica, documental e jurisprudencial e de uma análise de dados secundários, via abordagem qualitativa. Ocorreu também análise jurisprudencial relativa ao grupo minoritário acima mencionado, em que foi possível vislumbrar as vulnerabilidades legais que pessoas transexuais ainda enfrentam. Chegou-se à conclusão de que, por mais que confira ao Poder Judiciário dar efetividade aos direitos garantidos na Constituição brasileira, muitas vezes as demandas acolhidas relacionadas à essa minoria social não são devidamente observadas, necessitando, assim, de mecanismos eficazes à mitigação de práticas discriminatórias replicadas por instituições que participam do processo de persecução penal.
Palavras-chave: Transsexualidade; Revitimização; Identidade de Gênero.
ABSTRACT
The present work is a critical analysis of how the judiciary, responsible for executing the laws and promoting justice, still violates basic social and civil rights with regard to the judgment of demands involving gender identity. Thus, the research will focus on the case of Chiara Duarte Pereira, who at age 28, on September 2, 2020, was stabbed to death and thrown from the 7th floor of a building in the Sé region, in São Paulo. The crime took place after Jefersson Pereira had sex with her and felt cheated when he discovered that Chiara was a “transvestite”, as he himself reports in court. The research is anchored in a case study about the process that was processed before the Court of Justice of São Paulo, which did not treat Chiara's case as transphobia, nor did it use the victim's social name in the records. In this scenario of gender violence, including after death, the study aims to demonstrate that the Judiciary can still be a power that makes it impossible to guarantee the rights of transsexual women, due to propagating prejudice, as it did by not respecting the victim's social name. This is a hypothetical-deductive research, carried out from a literature review, documents and jurisprudence and an analysis of secondary data, via a qualitative approach. There was also a jurisprudential analysis related to the aforementioned minority group, in which it was possible to glimpse the legal vulnerabilities that transgender people still face. It came to the conclusion that, as much as it grants the Judiciary Power to give effect to the rights guaranteed in the Brazilian Constitution, many times the accepted demands related to this social minority are not properly observed, thus requiring effective mechanisms to mitigate practices. discriminatory actions replicated by institutions that participate in the criminal prosecution process.
Keywords: Transsexuality; Revictimization; Gender Identity.
SUMÁRIO: Introdução; 1. Teor do processo; 2. Revitimização de Chiara Duarte e as transgressões sofridas pelas mulher transsexual no Judiciário; 2.1. O direito ao nome social; 3. Mecanismos de mitigação de práticas discriminatórias em ambientes institucionais; 4. Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O ponto de partida para a presente pesquisa foi a indignação acerca do caso de Chiara Duarte, mulher transsexual, assassinada aos 27 anos em setembro de 2020. O caso aconteceu no centro de São Paulo, após Jeferson Pereira dos Santos ter relações sexuais com Chiara e se dizer inconformado por ela ser uma mulher trans, assassinando-a e jogando o seu corpo dela janela do sétimo andar do prédio.
Apesar de bárbaro, não só os moldes por meio dos quais o crime se desenrolou causam aversão, mas também a maneira pela qual as instituições responsáveis por punir o infrator se portaram no decorrer da fase de investigação e da ação penal. Chiara foi, por todo processo, chamada de vítima ou, no máximo, por seu nome de batismo. Não teve, pois, seu direito ao nome social respeitado.
Além disso, o réu foi pronunciado e condenado apenas pela prática de homicídio simples, sem levar em consideração o feminicídio intrínseco ao caso. Nesse viés, percebe-se, então, que, além da violência de gênero contida no crime que vitimizou Chiara e tirou sua vida, há, ainda, uma revitimização durante o processo penal, o qual replicou práticas de violência de gênero.
Nesse cenário, o objetivo geral do presente trabalho é analisar como a violência de gênero pode se estender até mesmo após a morte da vítima, o que ocorreu no caso de Chiara Duarte. Para isso, de forma mais específica, observou-se o teor do processo penal que julgou o assassino de Chiara, de forma a perceber que a Polícia Civil, o órgão ministerial e até mesmo o Judiciário deixaram de se atentar à maneira correta de tratamento da vítima e de aplicação da norma penal. Ademais, também tem-se como objetivo específico apresentar uma solução plausível para dirimir casos de revitimização da mulher transexual em sede policial ou durante a persecução penal.
Como metodologia, adotou-se a pesquisa hipotética-dedutiva realizada a partir de uma revisão bibliográfica, documental e jurisprudencial e de uma análise de dados secundários, via abordagem qualitativa. Nesse sentido, a partir de reportagens acerca do caso de Chiara, foi construído um resumo processual, incluindo a fase de investigação. A opção por utilizar reportagens se deu diante da impossibilidade de acesso ao inteiro teor do processo, uma vez que é recente e ainda não está disponibilizado em portais de jurisprudências. Entretanto, tal empecilho não prejudicou no desenvolvimento da pesquisa, já que o enfoque principal não é uma análise das normas processuais penais gerais, mas sim da possível omissão do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça em relação a mulheres transsexuais, como Chiara.
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