As Cooperativas no Direito Angolano: A Desqualificação como Sociedades Comerciais
Por: Joaopires2 • 5/1/2021 • Artigo • 11.945 Palavras (48 Páginas) • 784 Visualizações
As Cooperativas no Direito Angolano: A Desqualificação como Sociedades Comerciais
João Pires[1]*
SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2. – Origem e a razão de ser das cooperativas. 3. – As cooperativas puras e impuras. 4. – A Desqualificação das Cooperativas como Sociedades Comerciais. 5. – A Cooperativa como Empresa. 6.1. – O Escopo mutualístico. 6.1.2. – Ilustração de alguns exemplos sobre o escopo. 6.2. – O lucro e o escopo lucrativo. 6.3. – As cooperativas e as sociedades. 6.3.1. – Cooperativas. 6.4. – Sociedades. 7. – As diferenças funcionais entre as Cooperativas e as Sociedades. 8. – As cooperativas podem ser qualificadas comerciantes. 9. – As Cooperativas e Associações. 10. – Situações anómalas previstas na L.C. 11. – Conclusão. 12. – Referências Bibliográficas.
Resumo: neste artigo queremos tratar de forma sumária a matéria relativa à “desqualificação das cooperativas como sociedades comerciais”, promovida pela Lei n.º 23/15, de 31 de Agosto – Lei das Cooperativas. De modo concreto, interessa-nos falar sobre a natureza jurídica das cooperativas por serem agora pessoas colectivas autónomas e em virtude de o legislador não determinar ou precisar se as cooperativas são sociedades ou associações.
Quanto a isso, demostraremos neste trabalho que as cooperativas não são sociedades nem associações puras e muito menos fundações e, por conseguinte, levantar algumas questões em torno do artigo 157.º, do CC., que consagra as três tradicionais pessoas colectivas, a saber: associação, sociedade e fundação.
Outrossim, demostraremos que as cooperativas não se integram (apesar de algumas reticências) nos sectores público e privado, o que nos leva a questionar sobre a manutenção da summa divisio com o propósito de não integrarmos as cooperativas no âmbito do direito público e privado.
Iremos confrontar os conceitos relativos ao escopo mutualístico e o excedente reservados às cooperativas, o de lucro e o escopo lucrativo reservados às sociedades, bem como confrontar as cooperativas com as associações com vista a estabelecer diferenças substanciais e formais. Iremos demostrar que a criação de uma pessoa colectiva e reconhecimento de uma pessoa colectiva são duas realidades diferentes.
Os dispositivos legais que forem citados sem referência legal expressa da sua procedência, respeitam-se à Lei n.º 23/15, de 31 de Agosto – Lei das Cooperativas.
1 – Introdução
Durante 127 anos, quase um século e meio, as Cooperativas em Angola eram consideradas “sociedades comerciais de direito especial[2]”, cujo regime jurídico estava previsto nos artigos 207.º a 227.º, do Código Comercial (adiante CCom.) até 31 de Agosto de 2015, data em que cessou o ancien regime jurídico das cooperativas no CCom.[3]
Em 1966, aprovou-se o Código Civil (doravante CC), onde o artigo 157.º[4], reconhece apenas três tipos de pessoas colectivas, a saber: - “associações, fundações e sociedades”.
Em 1975, com a aprovação da Lei Constitucional (doravante LC), i.e., após Angola independente, as “cooperativas” surgem no artigo 10.º da LC, “como forma de promover o sector público para garantir as relações sociais justas ou sem classes”.
Já em 1992, de acordo com o artigo 10[5].º, da Lei Constitucional, as cooperativas surgem como um dos sectores da economia.
Sucede que, em 2004 foi aprovada a Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro – Lei das Sociedades Comerciais (adiante LSC) que estatui no artigo 2.º, o princípio da tipicidade das sociedades comerciais[6], ou seja, determina os tipos de sociedades comerciais. Porém, a LSC não faz menção as “cooperativas” como um dos tipos de sociedades comerciais.
Aliás, o mais agravante é que o próprio n.º 2 do artigo 2.º, da LSC., diz claramente que as “cooperativas” continuam a reger-se pelo CCom. Quer dizer que o regime das cooperativas previsto no CCom. não tinha sido revogado com a entrada em vigor da LSC[7].
Em fevereiro de 2010, com a aprovação da Constituição da República de Angola (adiante CRA), as Cooperativas continuaram a ser consideradas como um dos sectores da economia, de acordo com o artigo 92.º desta Magna Carta.
Em 2015, foi aprovada a Lei n.º 23/15, de 31 de Agosto – Lei das Cooperativas (adiante LC) e nos termos da qual, o artigo 117.º, veio revogar, expressamente, todo o regime das cooperativas previsto no CCom., bem como quaisquer disposições que a contrariem.
A respectiva revogação expressa do antigo regime das cooperativas previstas no CCom., gerou a designada “desqualificação” das cooperativas como sociedades comerciais, ou seja, promoveu a autonomia funcional (quiçá, a substantiva) das cooperativas[8] porque tanto na definição da cooperativa, bem como no seu regime jurídico previsto na LC, vislumbra-se o caracter “dessocietário ou a dessocietarização das cooperativas”[9].
2 – Origem e a razão de ser das cooperativas
Laconicamente, as cooperativas surgiram na cidade de Rochdale, Inglaterra, quando “um reduzido número de tecelões de flanela e representantes de outras indústrias menores decidiram unir-se e cooperar para resistirem à crise […]”[10], eliminando o intermediário especulador (o empresário-patrão) através da assunção directa da actividade cooperativa pelos cooperadores.
As cooperativas surgiram “com o fim de resgatar as classes mais pobres, através da assunção e exercício directo, em seu próprio favor, da actividade de empresa no campo de consumo, do crédito, da produção[11]”. Dito de outro modo, o surgimento das cooperativas foi uma “saída para determinados males e problemas das categorias económicas débeis”[12].
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