CONTRATOS DE FINANCIAMENTO EM ABERTO DE VEÍCULOS NÃO QUITADOS: má-fé contratual do consumidor ou vulnerabilidade frente ao fornecedor?
Por: ortizvip • 11/5/2020 • Artigo • 2.445 Palavras (10 Páginas) • 189 Visualizações
CONTRATOS DE FINANCIAMENTO EM ABERTO DE VEÍCULOS NÃO QUITADOS: má-fé contratual do consumidor ou vulnerabilidade frente ao fornecedor?
RESUMO
Os financiamentos para a aquisição de veículos têm aumentado, principalmente em virtude da queda do poder aquisitivo dos indivíduos que para poderem adquirir um veículo, não vislumbram outra saída que não seja a compra através de um financiamento, mesmo com as taxas de juros cada vez mais elevadas. Tal situação acaba elevando também o número de inadimplentes, e dentre estes, uma considerável parcela que, através de métodos ilícitos, consegue a aprovação de um financiamento de veículo já com o intuito de não pagar o mesmo, simplesmente para repassá-lo por um valor ínfimo de modo que o comprador utilize o bem, sem pagar as parcelas, até que ocorra a busca e apreensão, o que pode demorar a ocorrer. Além dos inadimplentes que sabidamente adquirem um veículo com um valor muito abaixo do mercado cientes da “vantagem” de não mais ter que pagar pelas parcelas, há também aqueles que, de boa-fé, acabam por atrasar os pagamentos em virtude de desemprego, doença ou outro motivo justificável, situação esta que acaba por dificultar a identificação de má-fé contratual ou da vulnerabilidade do consumidor nos contratos de financiamento de veículos não pagos.
Palavras-chave: Contrato financiamento veículos. Boa-fé contratual. Apreensão.
INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa é fruto da constatação do autor de um número crescente de casos em que, de um lado, pessoas têm seus dados utilizados sem autorização em contratos originados da má-fé de terceiros para fins inescrupulosos e de outro, estão as pessoas que num momento inicial, talvez acreditem tratar-se de uma operação que baseia-se em lacunas legais e são ludibriadas por quem fraudou o contrato de financiamento, cujo veículo que não será pago, é o objeto.
A importância do tema toma proporção ainda maior, não só devido ao aumento exponencial do acesso dos consumidores à Internet e suas mídias sociais, como também ao número já considerável de sítios especializados em servirem de plataforma para que estes anúncios alcancem um número cada vez maior de pessoas interessadas em adquirir veículos provenientes de contratos de financiamento cuja má-fé é o alicerce maior.
Utilizando alguns argumentos tais como as elevadas taxas de juros de financiamentos de veículos, a rápida depreciação destes, assim como a dificuldade em quitar dívidas de longo prazo, muitos consumidores acabam por buscar atalhos para a aquisição de veículos que numa primeira abordagem, aparecem como sendo fórmulas mágicas e que não objetivam lesar terceiros.
Neste panorama, não é difícil encontrar anúncios na internet de veículos com preços em torno de 10% a 20% de seu valor tabelado, afirmando com letras garrafais não se tratar de qualquer golpe ou crime algum. Entra aqui a figura do veículo não pago ou simplesmente o “carro NP”, fruto de um contrato de financiamento em nome de terceiros e que se encontra em aberto e segundo propagam alguns vendedores, sem a necessidade de ser quitado.
O presente artigo tem por objetivo analisar a ausência do princípio da boa-fé contratual entre as partes nos contratos de compra e venda de veículos financiados, levando em consideração a vulnerabilidade econômica do consumidor frente as elevadas taxas de juros praticadas.
Outra questão que será analisada é sobre a diferença na postura comportamental de um comprador que sabidamente adquiriu um veículo para rodar sem pagar parcelas até ser apreendido e a de outro comprador, que por dificuldade financeira real, deixou de pagar o veículo, mas não quer perder seu bem.
Objetivando promover o embasamento necessário à metodologia dedutiva selecionada, as seguintes técnicas de pesquisa serão utilizadas: pesquisa documental, pesquisa bibliográfica e análise de casos.
1 – O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL
A boa-fé contratual é, não só presumida, como também prevista no código civil em seu art. 422 que destaca: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, além do artigo 113 do mesmo código onde consta que: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, o que de forma notória mostra que, sem distinção das partes que celebrarão um contrato, a boa-fé deve imperar como um norteador soberano, sem o qual, a insegurança jurídica poderá prevalecer.
A boa-fé contratual pode ser objetiva ou subjetiva, sendo que Fábio Ulhoa Coelho conceitua a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva como:
“A boa-fé subjetiva corresponde à virtude de dizer o que acredita e acreditar no que diz. Tem relevância para o direito das coisas, na qualificação da posse, mas não operacionalizável no direito dos contratos. Já a boa-fé-objetiva é representada por condutas do contratante que demonstram seu respeito aos direitos da outra parte.”
O interessante é que no caso de um financiamento que surge de forma fraudulenta, utilizando-se documentos muitas vezes roubados e/ou falsificados, o vendedor que está vendendo o veículo financiado, na maior parte dos casos com nenhuma parcela paga, já alerta de antemão o proeminente comprador de que se trata de um veículo que não precisa ser quitado e que o comprador poderá rodar até que o bem seja apreendido.
Desta forma, este vendedor, mesmo tendo agido de má-fé contra o banco e/ou a concessionária, está agindo de boa-fé com o comprador no contrato de compra e venda ora celebrado com o mesmo, pois deixa clara a real situação do veículo, já que na visão criminosa, esta pode ser uma boa maneira de justificar o preço baixo do bem em relação ao mercado.
Vale destacar aqui que o Código Penal Brasileiro versa o seguinte sobre o crime de estelionato em seu artigo 171: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.”
Há que se considerar que o contrato provavelmente está em nome de uma pessoa que geralmente nem sabe de sua existência, pois teve seus dados roubados e/ou documentos clonados e que foram utilizados
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