Corrupção crise política e Direito Penal as lições que o Brasil ainda precisa aprender
Por: Adenir Benites • 15/9/2017 • Artigo • 2.391 Palavras (10 Páginas) • 522 Visualizações
Corrupção, crise política e Direito Penal: as lições que o Brasil ainda precisa aprender
Autora: Ana Elisa Liberatore S. Bechara
Na primeira década do século XXI, assistia-se a um significativo avanço econômico-social do Brasil, que então se revelava no cenário internacional como uma das grandes promessas da economia mundial. A despeito de tal expansão econômica, e de forma paradoxal, chamavam ainda atenção as dificuldades do Estado brasileiro quanto à consolidação da transparência e da boa gestão no âmbito da Administração Pública, prejudicando a concretização de direitos e garantias fundamentais que caracterizam materialmente um Estado Democrático de Direito. Prevalecia, de todo modo, um quadro geral de otimismo, levando a crer que os problemas apontados poderiam ser gradativamente superados no âmbito de uma sociedade cada vez mais desenvolvida.
As esperanças sociais acerca do desenvolvimento democrático do Brasil e, assim, do abandono da condição permanente e intrinsecamente fracassada de “país do futuro” começaram, porém, a ruir ainda naquela primeira década de 2000, a partir da constatação de um quadro de corrupção sistêmica, levado a conhecimento público por meio do caso Mensalão (Ação Penal 470/STF). O denominado “julgamento do século”, que tramitou perante a Suprema Corte, atraiu especial atenção, evidenciando o quão frágil era o sistema brasileiro, por permitir a prática de uma corrupção apta a trazer enormes prejuízos nos âmbitos social, econômico e político.
Naquele caso, de modo até então inédito na história nacional, pôde-se acompanhar de perto as discussões entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, transmitidas e comentadas em tempo real pelos meios de comunicação, o que abriu a possibilidade de uma maior compreensão sobre a forma, o conteúdo e os objetivos da aplicação do Direito Penal. Findo o julgamento e condenados os responsáveis pelos delitos apurados, com a aplicação das respectivas penas, a sociedade brasileira viu-se aliviada. Parecia que o caminho ao desenvolvimento democrático brasileiro havia sido retomado, agora de forma pretensamente mais sólida, em razão da demonstração de uma suposta capacidade do Estado de enfrentamento e controle da corrupção.
Ocorre que, após um curto período de tempo, o Brasil voltou a deparar-se com um escandaloso caso de corrupção institucional, desta vez praticada no âmbito de uma de suas principais empresas estatais e envolvendo, em tese, inúmeras empresas privadas e agentes públicos, dos mais diversos partidos políticos, dentre os quais se destacam altos representante e ex-representantes dos Poderes Legislativo e Executivo. Diante da excepcional gravidade dos fatos e da importância político-social dos supostos envolvidos, tal caso, batizado pela Polícia Federal de Operação Lava Jato, atingiu logo em seu início a esfera política nacional, levando a uma situação de não governabilidade generalizada e, assim, de crise. Paralelamente a tal crise política, ou em boa medida em razão dela, passou-se a enfrentar também uma grave crise econômica, inédita em suas proporções e desastrosa em seus efeitos, vinculando diretamente a imagem do Brasil à instabilidade democrática e à corrupção. No âmbito jurídico, operou-se a passagem da fase do “julgamento do século” à do “século dos grandes julgamentos”, marcada por uma grave crise de legalidade.
Nos mesmos moldes do caso Mensalão, a Operação Lava Jato, que atualmente tramita perante a Justiça Federal, busca punir de forma exemplar os agentes supostamente responsáveis pelas práticas delitivas – alguns dos quais já haviam sido anteriormente condenados no primeiro caso mencionado, evidenciando o fracasso da finalidade preventiva da pena –, não só a fim de atingir a ideia de justiça, como também de transmitir à sociedade a necessidade da construção de uma cultura anticorrupção. Nesse sentido, porém, parece ter-se dado um passo além, recrudescendo-se agora sem rodeios a intervenção estatal punitiva, por meio de um processo que quer se mostrar, por si mesmo, um símbolo de combate à corrupção, ainda que o preço a pagar seja o sacrifício de direitos individuais, da separação de poderes e da própria democracia, vistos como meros obstáculos à eficácia penal. Da mesma forma, a mídia, que à época do Mensalão já tinha tido amplo acesso às informações processuais, agora passa a ser interlocutora direta dos operadores do Direito, que se dedicam a explicar, por meio de apresentações elaboradas, cada um dos passos da persecução penal, como estratégia de comunicação. Nessa linha, alega-se que a utilização da imprensa é socialmente útil e, por isso, justificada não apenas com o objetivo de transparência, para o fim de responder satisfatoriamente à demanda pelo efetivo controle da corrupção, e também como mecanismo de blindagem do processo penal contra eventuais tentativas escusas de seu comprometimento.
Também os órgãos e agentes públicos envolvidos na persecução penal parecem distanciar-se do papel então desempenhado por seus pares no caso Mensalão, assumindo em um contexto atual, mais politizado, um nítido protagonismo na tentativa de controle da corrupção, inclusive na esfera legislativa, por meio da propositura de normas de conteúdo eminentemente penal. Tem-se, assim, a proposta formal pelo Ministério Público Federal das denominadas “Dez medidas contra a corrupção”, que contaram com o apoio manifesto do julgador e de delegados responsáveis pela Operação Lava Jato e a adesão expressa
de mais de 2 milhões de cidadãos brasileiros, embora grande parte destes últimos não tenha chegado a ler ou não esteja apta a compreender o conteúdo técnico do texto proposto.
Diante dos dois procedimentos penais mencionados – Mensalão e Operação Lava Jato –, não há dúvidas de que houve uma importante alteração da percepção social sobre as práticas relacionadas à corrupção, evidenciando-se a necessidade de pôr fim ao “jeitinho brasileiro”, expressão que consolidou a corrupção como fenômeno cultural ínsito à nossa sociedade.(1) Independentemente de tal efeito positivo, cabe indagar, porém, que outras lições podem ser extraídas de ambos os casos e que, aparentemente, ainda não foram apreendidas pelo Brasil.
É possível identificar historicamente uma tolerância social da corrupção no Brasil, devida, em boa parte, à desigualdade e ao individualismo com o qual o Estado educou seus cidadãos e conformou o próprio interesse público. Tais fatores levaram à justificação aparente de uma cultura de burla, no âmbito de uma sociedade em que o direito era visto como favor, resultando em uma atitude de aceitação e impotência
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