Código Criminal de 1830
Por: prfidailson • 4/7/2018 • Artigo • 2.567 Palavras (11 Páginas) • 266 Visualizações
Código Criminal do Império
Na Corte, os escravos condenados a galés, ou trabalhos públicos forçados, eram utilizados, entre outros serviços, no transporte de água e alimentos para os demais prisioneiros.
O Código Criminal do Império do Brasil foi sancionado pela lei de 16 de dezembro de 1830, substituindo o livro V das Ordenações Filipinas (1603), codificação penal portuguesa que continuou em vigor depois da Independência (1822), seguindo determinação da Assembleia Nacional Constituinte de 1823.
A Constituição do Império do Brasil, de 1824, determinou que “organizar-se-á o quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade” (BRASIL. Constituição (1824), art. 179, parágrafo 18). No entanto, se a monarquia brasileira não conseguiu elaborar seu Código Civil, que foi sancionado apenas no período republicano, em 1916, o mesmo não ocorreu com a codificação penal (LARA, 1999, p. 38-9).
Em 1829, a comissão mista do Senado e da Câmara encarregada de examinar os dois projetos de código criminal apresentados em 1827 pelos deputados José Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos, recomendou o deste último, justificando a adoção de uma obra não perfeita, mas necessária e útil se comparada à legislação em vigor. No parecer da comissão, o livro V das Ordenações Filipinas foi descrito como uma legislação incompleta e bárbara, um conjunto de leis desconexas influenciadas pela superstição e grosseiros juízos draconianos (Sessão de 31 de agosto de 1829 apud MALERBA, 1994, p. 145).
O Código Criminal possuía quatro partes – dos crimes e das penas; dos crimes públicos, dos crimes particulares e dos crimes policiais – sendo composta cada uma por títulos, capítulos e seções. O documento determinava que nenhum crime fosse punido com penas que não estivessem estabelecidas nas leis conforme a gradação de máximo, médio e mínimo, em razão das possíveis atenuantes ou agravantes (Código Criminal, art. 33). Foram definidos como criminosos (autores) aqueles que cometiam, constrangiam ou mandavam alguém cometer crimes. Não haveria crime ou delito, palavras sinônimas neste código, sem uma lei anterior que o qualificasse (Código Criminal, art. 1º). Os menores de quatorze anos foram isentos de responsabilidade penal (Código Criminal, art. 10), mas se ficasse provado que haviam cometido crime ou delito, agindo com discernimento, seriam encerrados nas casas de correção, sendo que o período de reclusão não poderia ser estendido após o réu completar dezessete anos (Código Criminal, art. 13).
A legislação criminal adotada no Império significou uma ruptura em relação às penalidades supliciantes da codificação portuguesa (esquartejamento, amputação, açoites etc.), por privilegiar a aplicação da pena de privação da liberdade (o encarceramento) praticamente inexistente no livro V, mas que foi aplicada predominantemente no Código de 1830 (MORAES, 1923, p. 15), (SALLA, 2006, p. 46). As punições do Antigo Regime eram exemplares e recaíam sobre o corpo do condenado. Nos casos da aplicação da pena de morte podia ocorrer uma combinação de suplícios (açoites e tenazes quentes), além do esquartejamento antes ou depois da morte, de acordo com a condição do criminoso e o tipo de crime (LARA, 1999, p. 22).
A aplicação generalizada da pena de prisão, a partir do século XIX, foi fruto do ideário iluminista, dado o caráter igualitário da penalidade de confiscar um direito comum, a liberdade, de todos os que haviam sido elevados à categoria de cidadãos (SALLA, 2006, p. 46). Sua aplicação é prevista nos quatro títulos da parte segunda do Código de 1830, que tratou dos crimes públicos contra a existência política do Império, o exercício dos poderes políticos, o livre gozo dos direitos políticos dos cidadãos e a segurança interna (MALERBA, 1994, p. 119). Nesses casos, a pena de prisão simples impunha aos réus “a reclusão nas prisões públicas pelo tempo marcado nas sentenças” (art. 47), mas podia ser acrescida da obrigação do trabalho, quando os condenados eram obrigados a se ocuparem diariamente do “que lhes for destinado dentro do recinto das prisões na conformidade das sentenças e dos regulamentos policiais das mesmas prisões” (art. 46).
No entanto, o texto do Código de 1830 não indicou a forma como o trabalho prisional devia ser organizado. Essa tarefa ficou a cargo das assembleias legislativas provinciais que deveriam construir, conforme o artigo 10 do Ato Adicional de 1834, as instituições destinadas para esse fim, isto é, as “casas de prisão, trabalho e correção”, bem como legislar sobre seu regime. No município neutro, a capital do Império, a partir de 1850 passou a existir a Casa de Correção, diretamente subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça.
Enquanto a pena de prisão com trabalho não pudesse ser cumprida, o próprio texto do código prescreveu sua comutação pela de prisão simples. Nos casos em que esse recurso foi aplicado, o período da pena de prisão devia ser acrescido do tempo correspondente à sexta parte do estipulado para o cumprimento da pena de prisão com trabalho (art. 49). Para o cumprimento dessas penalidades, as prisões do Império deveriam ser “seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme as circunstâncias e natureza dos seus crimes” (Constituição do Império do Brasil (1824) art. 179, parágrafo 21)
Seguindo uma filosofia jurídica liberal que não estava consolidada nem nos países europeus (CAULFIELD apud GRINBERG, 2008, p. 147), o Código de 1830 adotou o conceito de culpabilidade, que passava a ser centrado no ato criminoso e não na pessoa do infrator (justiça retributiva), com a punição proporcional ao delito cometido. Esse princípio foi o tema central da obra Dos delitos e das penas (1764) de Cesare Beccaria, considerado um dos precursores da escola clássica de direito penal, em oposição às práticas punitivas do Antigo Regime, como as penas cruéis e de morte, e a utilização da tortura nas investigações (PAIXÃO, 1991, p. 17). Nesse sentido, o Código Criminal brasileiro exerceu grande influência na elaboração do código espanhol (1848) e dos países latino-americanos (PEIRANGELLI, 1980, p. 8).
De acordo com a orientação do direito clássico, a Constituição de 1824 aboliu “os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis” (BRASIL. Constituição (1824), art. 179, parágrafo 19). O Código de 1830 também eliminou as mutilações e os castigos corporais, mas manteve as penas de açoites, aplicada exclusivamente aos escravos, as de morte e de galés. O artigo 60 estipulou que “se o réu for escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites, e depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro, pelo tempo, e maneira que o Juiz designar” (MORAES, 1923, p. 4). Na sentença vinha fixado o número de açoites a serem aplicados não podendo exceder a cinquenta por dia. Segundo a historiografia, a permanência destas penalidades de caráter suplicante legitimou a violência privada dos senhores de escravos, gerando questionamentos quanto ao caráter pretensamente liberal do Código de 1830 (MALERBA, 1994, p. 9-11). Esse artigo, no entanto, foi revogado pela lei n. 3.310 de 15 de outubro de 1886.
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