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Dano Reflexo Extrapatrimonial

Por:   •  9/12/2015  •  Artigo  •  12.634 Palavras (51 Páginas)  •  414 Visualizações

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DANO REFLEXO OU POR RICOCHETE: PONTO DE PARTIDA PARA A DIFERENCIAÇÃO DOS SISTEMAS BRASILEIRO E PORTUGUÊS DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

Rafael Peteffi da Silva

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP. Membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo.
rpeteffi@terra.com.br

Otavio Luiz Rodrigues Junior

Professor Doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) – Brasil. Membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo.

otavio.luiz@uol.com.br

SUMÁRIO. Introdução. 1. O Caso clássico:  o homicídio e o dano reflexo. 1.1 Danos patrimoniais. 1.2 Danos extrapatrimoniais. 2. Amplitude sistemática do direito brasileiro e as modalidades “atípicas” do dano reflexo extrapatrimonial: importante contraponto com o direito português.   2.1 Dano reflexo extrapatrimonial.          2.1.1. Indenização dos danos extrapatrimoniais reflexos em caso de lesões corporais graves.  2.1.2 Caso limítrofe.  2.1.3 Os danos à vida de relação e suas conexões com os danos extrapatrimoniais reflexos ou por ricochete. 2.1.4. Casos esparsos.  2.2. Dano patrimonial.  2.2.1. Inadimplemento contratual de fornecedor de serviço.   2.2.2. O art. 495, alínea 2, do Código Civil português. Conclusão. Referências.

Introdução

 Na doutrina portuguesa contemporânea, especialmente na obra de autores influenciados pelo Direito Civil alemão, há quem defenda que todo o ordenamento jurídico estabelece filtros para a identificação de danos indenizáveis, pois “os bens jurídicos gerais pessoa e patrimônio são demasiado extensos para que toda e qualquer ingerência ou ataque (Eingriff) possa dar lugar a uma obrigação de indemnização.”[1] 

 Essa posição evidencia um dos problemas mais complexos da moderna Responsabilidade Civil, o que faz merecer a atenção, principalmente, dos comparatistas, a saber: os limites entre os diferentes “modelos” ou “sistemas” de responsabilidade civil extracontratual, o que se torna ainda mais relevante nos países da tradição de civil law ante o que se tem denominado de uma verdadeira “explosão” da responsabilidade civil contemporânea.[2]

Respeitando-se as particularidades de cada país, é possível identificar, nos ordenamentos seguidores da tradição romano-germânica, um modelo mais restritivo (ou tipificado), relacionado com o sistema prevalecente no BGB, resultante de uma herança que advém de uma difícil escolha teórica ao tempo da elaboração do Código Civil de 1900, e um sistema mais amplo, colmatado por grandes cláusulas gerais, tendo como núcleo a famosa norma positivada no art. 1382 do Código de Napoleão[3].

 Uma das principais características do primeiro modelo é a limitação de bens jurídicos tutelados, partindo-se do pressuposto de o “patrimônio em si mesmo nunca ter sido reconhecido como um bem jurídico tutelado pelo parágrafo 823 I, do BGB.”[4] 

Essa característica é ilustrada pela categoria dos “danos puramente patrimoniais”, que corresponde a um grupo de prejuízos que não encontra reparação em determinados ordenamentos jurídicos, principalmente por não violarem um bem jurídico tutelado. Francesco Parisi, Vernon Palmer e Mauro Bussani indicam, propondo uma sistematização não exaustiva, que há quatro grandes grupos de casos relacionados com os danos puramente patrimoniais[5]: i). danos por ricochete;  ii). danos transferidos[6] (o chamado transferred  loss assemelha-se ao dano por ricochete e, particularmente, à hipótese positivada no art. 786 do  Código  Civil brasileiro) iii). danos provocados por falhas da infraestrutura pública e iv). danos por informações e prestação de consultorias equivocadas.

Não se pode afirmar que todos os danos puramente patrimoniais, se forem observados em um sistema jurídico baseado em cláusulas gerais amplas de responsabilidade civil extracontratual, seriam indenizados[7], mas se pode verificar, na maioria dos casos, que a Alemanha, ao contrário da França, mostra-se refratária à indenização desse tipo de prejuízo. Ademais, se é verdade que os sistemas ditos abertos não possuem um rol de bens juridicamente protegidos, é possível que outros requisitos da responsabilidade civil façam a filtragem necessária, como acontece, de maneira destacada, com o nexo de causalidade[8], o qual se apresenta como o grande responsável por  obstar a indenização de algumas das hipóteses mencionadas.

Em  relação aos cable cases, caso clássico de dano por ricochete, parece haver, no entanto, uma evidente barreira entre os dois modelos de responsabilidade civil extracontratual referidos. Tanto assim o é que Francesco Parisi, Vernon Palmer e Mauro Bussani identificam em França, Bélgica, Grécia, Itália, Espanha e Holanda exemplos de países que indenizam os cable cases, enquanto Alemanha, Portugal, Inglaterra, Finlândia, Suécia, Áustria e Escócia encontrariam dificuldades dogmáticas para a aceitação da ressarcibilidade desse prejuízo[9].

Os cable cases, como já referidos, tornaram-se exemplos clássicos da solução delitual no Direito Civil alemão, que goza de enorme prestígio na doutrina daquele país. Exemplo disso está na utilização por Jan Peter  Schmidt de dois precedentes do Bundesgerichtshof (BGH) a esse respeito.[10]  O primeiro deles é uma decisão do  BGH, de 1959, com os seguintes elementos descritivos: a) uma empresa de engenharia, ao realizar trabalhos de escavação em via pública, danificou um cabo subterrâneo de alta tensão, pertencente a uma companhia de eletricidade; b) com isso, houve o corte no fornecimento de energia elétrica no local e uma gráfica teve de interromper suas atividades por várias horas; c) os donos da gráfica acionaram a empresa de engenharia. O Tribunal Federal rejeitou a pretensão da gráfica, por considerar que se deu a violação de um dano puramente patrimonial, advindo da interrupção temporária da atividade produtiva da empresa-autora.  Inexistiu violação a quaisquer dos direitos previstos no §823 I, BGB. [11] 

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