Direito dos embrioes excedentes
Por: Grazi Moreira • 4/8/2015 • Monografia • 83.083 Palavras (333 Páginas) • 347 Visualizações
Entretanto as consequências jurídicas decorrentes da aplicação da reprodução assistida devem pautar-se, na falta de norma jurídica específica, pelos direitos fundamentais alçados à categoria de princípios consagrados na Constituição brasileira3 , portanto de observância obrigatória. Essas normas jurídicas e deontológicas por vezes conflituam entre si e por vezes não são suficientes para a necessária proteção e segurança jurídica dos envolvidos, especialmente o filho que nascerá da aplicação de uma das técnicas de reprodução medicamente assistida. Por esta razão, pretende-se analisar as questões bioéticas e jurídicas relacionadas à reprodução humana medicamente assistida na forma heteróloga. Constituem, ainda, objetivos da pesquisa, que ora se relata, estudar os problemas relacionados à fertilidade humana, diferenciando o significado dos termos infertilidade e esterilidade; demonstrar quais as principais técnicas de reprodução humana assistida, dando ênfase à modalidade heteróloga das técnicas, seus aspectos bioéticos e jurídicos; e, por fim, analisar o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de gametas.
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA 2.1 INFERTILIDADE E ESTERILIDADE HUMANA Apesar de, em alguns casos, a infertilidade ser tratada como sinônimo da esterilidade, as palavras diferem na semântica. Neste sentido, Queiroz4 esclarece: Infertilidade deve ser utilizada para quem nasce estéril ou teve uma doença que levou a tal condição, ainda que temporária. Esterilidade por sua vez, deve ser usada para quem se submeteu a processos cirúrgicos ou químicos, tendo perdido a capacidade de procriar. Vale ressaltar que tanto a infertilidade como a esterilidade constituem obstáculos ao processo de procriação de filhos. Contudo, o que difere um termo do outro é a causa da perda da capacidade de procriar e, ainda, o procedimento a ser aplicado no campo da reprodução humana assistida5 . Para Stedman citado por Fernandes6 , “[...] enquanto a esterilidade é a incapacidade de fertilização ou reprodução, a infertilidade é uma esterilidade relativa, esclarecendo referido autor que a primeira é irreversível, o que não ocorre com a segunda [...].” Existem diversas causas de infertilidade e esterilidade humana. Queiroz7 observa que “A esterilidade pode ter causas naturais e adquiridas. As causas naturais referem-se, em geral, a malformações congênitas, enquanto as adquiridas são aquelas decorrentes de doenças ou da esterilização química ou cirúrgica.” Em contrapartida, é possível verificar diversos fatores envolvidos na infertilidade: A infertilidade feminina pode ser oriunda de diversas causas, destacando-se, dentre elas: problemas ovulatórios, tubáreos, uterinos e imunológicos. Já sob o aspecto masculino, a infertilidade pode advir de produção inadequada do esperma, de anticorpos antiespermatozóides, obstrução do trato seminal, criptorquidia, distúrbios do canal de ejaculação, varicocele, alterações hormonais, infecções e fatores genéticos8 .
Gerar uma vida é um anseio de praticamente todos os seres humanos. Todavia, quando o desejo de ter filhos não pode ser realizado, o desenvolvimento tecnológico, através de técnicas específicas, passa a auxiliar na concepção da vida9 . Por conta disso, tratando-se da infertilidade conjugal, a biotecnologia da reprodução alcançou um rápido desenvolvimento nas últimas décadas. A biotecnologia da reprodução é “[...] um ramo da biotecnologia, especializada na utilização de técnicas e procedimentos específicos que interferem no processo de fertilidade ou infertilidade na espécie humana.”10 Portanto, pode-se dizer que os problemas da infertilidade e, em alguns casos, os da esterilidade, ao causar dificuldades ou impedimento à procriação por vias naturais, induzem os casais a procurarem alternativas seguras e eficazes, para exercer assim, de maneira artificial e assistida, a concepção da vida. Importante destacar que todo tratamento médico com a finalidade de vencer as dificuldades ou impossibilidades de gerar deve ser antecedido do procedimento de consentimento esclarecido, no qual o médico detalhadamente apresenta aos pacientes os tratamentos mais propícios, outras alternativas de tratamento, os riscos, as possibilidades de sucesso e, por fim, solicita o consentimento daqueles. O capítulo I, item 3, da Resolução número 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina esclarece sobre o consentimento informado pelos pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida: O consentimento informado será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas a serem submetidas às técnicas de reprodução assistida11 As principais técnicas de procriação humana medicamente assistida, quais sejam: inseminação artificial, fertilização in vitro e injeção citroplasmática de espermatozoide, serão aprofundadas nos próximos tópicos, cada qual, com suas particularidades.
INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL – IA
A inseminação artificial configura a mais antiga das tecnologias de reprodução humana medicamente assistida, podendo ser conceituada como uma “[...] técnica artificial para a obtenção da fecundação através da introdução do esperma no interior do canal genital feminino, sem ocorrência do ato sexual.”12 Uma das principais classificações no âmbito da inseminação artificial envolve a identidade da pessoa que fornece o material genético masculino. Assim, a técnica será classificada como homóloga quando realizada com sêmen do cônjuge ou companheiro da paciente, e heteróloga, quando há a utilização de sêmen de terceiro, em mulher casada, que vive em união estável, separada, divorciada, solteira ou viúva. 13 Verifica-se, nesta perspectiva, que a técnica em sua modalidade homóloga utiliza gametas exclusivos do casal, enquanto a heteróloga utiliza material genético doado por terceiro anônimo, estranho ao casal. É necessário compreender que a inseminação artificial heteróloga envolve questionamentos éticos mais complexos14. Denota-se que tais problemas éticos surgem a partir do momento em que a família depende de um terceiro para consumar a inseminação artificial, ventilando assim questionamentos acerca da multiparentalidade, do possível incesto quando o filho que desconhece a identidade do doador, e demais direitos decorrentes da paternidade, como o direito hereditário. Os aspectos bioéticos e jurídicos da procriação artificial heteróloga, entre outras questões relevantes, serão tratadas com profundidade mais adiante.
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