Moralidade Administrativa na CF 88
Por: Josias Nonato • 29/5/2019 • Artigo • 8.618 Palavras (35 Páginas) • 198 Visualizações
O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988*
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JOSÉ AUGUSTO DELGADO**
Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e
Professor Adjunto UFRN
Sumário:
1. Conceituação Jurídica do Princípio da Moralidade Administrativa. 2. O Avanço da Doutrina na Análise da Moralidade Administrativa. 3. A Eficácia e a Efetividade do Princípio da Moralidade Administrativa.
4. O Controle da Moralidade Administrativa em seus Múltiplos Aspectos. 5. A Expressividade da Moralidade Administrativa na Constituição Federal.
- A Moralidade Administrativa e a Jurisprudência (Alguns Pronunciamentos).
- Considerações Finais.
- Conceituação jurídica do princípio da Moralidade Administrativa
A expressividade do art. 37 da Carta Magna de 1988 ("A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também ao seguinte...") incentiva a se extrair do campo da ciência jurídica os postulados fixados para a consecução de um conceito a respeito de moralidade administrativa.
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* Trabalho em homenagem ao Mestre Seabra Fagundes, atendendo convite do Exmo. Sr. Min. Carlos Mário Velloso.
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** Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a partir de 15/12/1995.
De início, é salutar se registrar a acentuada diferenciação existente entre legalidade e moralidade.
O princípio da legalidade concentra toda a sua força na parêmia "suporta a lei que fizeste", enunciada por Léon Duguit e desenvolvida por José Cretella Júnior, em seu Curso de Direito Administrativo, v. X, p. 17, Forense, com as seguintes proposições:
- Num Estado de Direito, ou seja, que se admite ser governado pelo direito, nenhuma autoridade pode tomar decisão individual que não se contenha nos limites fixados por uma disposição material, isto é, por uma lei no sentido material;
- Para que um país possua um Estado de Direito, é preciso que nele exista uma alta jurisdição, que reúna todas as qualidades de independência, imparcialidade e competência, diante da qual possa ser apresentado recurso de anulação contra toda decisão que tenha violado ou pareça ter violado o direito. (Trabalho em homenagem ao Mestre Seabra Fagundes, atendendo convite do Exmo. Sr. Min. Carlos Mário Velloso).
Em suma, a validade do atuar administrativo depende da obediência total às leis editadas pelo Estado. É a imposição de um sistema que não permite a qualquer autoridade, mesmo que se encontre no mais alto grau hierárquico, tomar decisões que não se apresentem de acordo com as normas eficazes do ordenamento jurídico atuante no círculo onde as atribuições de suas funções estão sendo exercidas.
O seguimento do referido princípio pelo administrador não admite exceções. Ele atua de modo absoluto, de forma a exigir a efetiva vinculação da prática do ato administrativo de qualquer espécie com a legalidade material e formal. A sua força é de tal modo abrangente que nem os outros princípios dispostos no art. 37 da Carta Maior, o da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, afastam as suas conseqüências. Do mesmo modo, não há autorização constitucional para que ele deixe de ser seguido nem quando condições excepcionais se apresentam na vida da Nação e que exigem remédios constitucionais de
salvaguarda, como o estado de sítio ou estado de defesa, ou a presença de guerra ou perturbação interna. Configuradas essas situações, o ordenamento jurídico, a partir da própria Constituição, contém previsão de como devem atuar os agentes públicos, especialmente, os membros do Poder.
Enquanto o princípio da legalidade exige ação administrativa de acordo com a lei, o da moralidade prega um comportamento do administrador que demonstre haver assumido como móbil da sua ação a própria idéia do dever de exercer uma boa administração.
No cumprimento do princípio da legalidade, o administrador não tem necessidade de dedicar a sua atenção com o motivo da própria ação, pois, suficiente que se encontre autorizada por lei. O contrário, porém, acontece com o princípio da moralidade, que exige do administrador uma postura que faça com que os seus atos exteriorizem a própria idéia do dever de haver atuado com base em "regras finais e disciplinas suscitadas, não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa". (Hely Lopes Meirelles, Curso de Direito Administrativo, 1979, p. 72).
A afirmação supra não tem o condão de ir de encontro com a certeza científica de que toda regra jurídica tem em seu substrato o conteúdo da moralidade. Não há condições de se analisar qualquer norma jurídica fora dos pressupostos de moralidade. Essa verdade é intocável.
O que ocorre é que, quando se desenvolve o fenômeno da aplicação da lei pelo administrador, uma realidade diversa se apresenta. De um lado, atos são praticados com integral obediência ao princípio da liberdade e da moralidade; de outro, aparecem atos que, não "obstante se apresentarem como bons e legais, embutem um desvio, uma vontade particular do administrador, em suma, uma violação do dever de exercício de uma boa administração e um atentado ao bem comum.
A elevação da dignidade do princípio da moralidade administrativa, a nível constitucional, embora desnecessária, porque no fundo o Estado possui uma só personalidade, que é a moral, consubstancia uma conquista da Nação que, incessantemente, por todos os seus segmentos, estava a exigir uma providência mais eficaz contra a prática de atos administrativos violadores do princípio da moralidade. Insurge-se, assim, o administrado, com base em princípio constitucional, contra o erro, o dolo, a violência, a arbitrariedade e o interesse pessoal quando presentes na prática da ação administrativa pública.
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