O HABEAS CORPUS: ASPECTOS HISTÓRICOS
Por: Mariana Vasconcelos • 13/4/2016 • Seminário • 4.461 Palavras (18 Páginas) • 274 Visualizações
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1 INTRODUÇÃO. Este trabalho analisa como o Supremo Tribunal Federal (STF) julga os processos referentes ao dispositivo constitucional do habeas corpus. O principal objetivo é responder à questão: como o Supremo Tribunal Federal (STF) julga os pedidos de habeas corpus? Do ponto de vista metodológico, examinaremos a origem histórica do habeas corpus, o tratamento doutrinário e jurisprudencial a ele dispensado, numa análise comparativa do Direito. A técnica de análise será a estatística descritiva para estudar como o STF julgou diferentes pedidos de habeas corpus.
2 O HABEAS CORPUS: ASPECTOS HISTÓRICOS. É noção intuitiva que, depois da vida, a liberdade é o bem mais importante do indivíduo. A liberdade do corpo, templo da alma, desde há muito ocupa lugar de destaque na escala de valores tutelados pelo Direito, razão pela qual, de uma forma ou de outra, sempre mereceu especial tratamento nos ordenamentos jurídicos das sociedades ditas civilizadas. Nesse contexto, o Habeas Corpus — expressão latina que significa “tome seu corpo”, braquilogia extraída de uma antiga fórmula processual inglesa utilizada pelo magistrado para ordenar ao carcereiro que se lhe apresentasse o preso — surge como importante meio processual para defender o direito de ir e vir do cidadão. Sua origem justifica os apelidos que hoje lhe foram dados: “mandamus” (ordenamos), “ordem”, “writ” (ordem, do inglês). A doutrina de escol aponta os seguintes antecedentes históricos doHabeas Corpus: No período clássico romano (27 a.C. a 284 d.C.), qualquer cidadão podia se valer de uma ação chamada interdictum de libero homine exhibendo para exigir a exibição pública do homem livre que estivesse ilegalmente preso, assim considerado quando o sequestrador agia com dolus malus. A medida impunha ao detentor a obrigação de exibir materialmente a pessoa detida diante do pretor, “de maneira que pudesse ser visto e tocado”. O interdicto romano, contudo, só era efetivo contra ações de particulares, não contra o poder de império do Estado. Sem embargo, essa ação, conquanto limitada, já expressava a preocupação de garantir o direito de liberdade do cidadão romano. Na Inglaterra, a Magna Charta Libertatum vel concordia inter regem Johannem et barones — ano de 1215, no reinado de John Lackland — veio a apaziguar, pelo menos momentaneamente, tensões crescentes entre o rei e os barões, que se insurgiam contra prisões arbitrárias, excesso de impostos e outros desmandos da coroa. Os poderes do rei foram limitados e obrigações feudais reequilibradas, consignando medidas protetivas para nobreza e clero em face do monarca. Entre outras garantias, foi estabelecido o devido processo legal para a efetivação de prisões. Embora de conteúdo histórico significativo, naquele momento, as promessas erigidas na Magna Carta não foram cumpridas pelo monarca, o que fez recrudescer o descontentamento dos barões, ensejando mais rebeliões. Com a morte do rei John Lackland em 1216, subiu ao trono Henrique III, “que aos nove anos, quando se entronizava, a confirmou [a Magna Carta] com algumas modificações secundárias”, reafirmando a importância do documento como instrumento garantidor de direitos e liberdades em face do poder e arbítrio do rei. Não se pode olvidar que, antes mesmo da Magna Charta, a common Lawinglesa conhecia várias formas de “ordem” (writ), dentre elas, o habeas corpus ad subjiciendum, que ordenava ao detentor a apresentação do preso, com o esclarecimento das razões da prisão, a fim de submetê-lo às determinações da Corte, conforme a fórmula processual acima referida. Todavia, na prática, o instrumento processual não se revestia de grande efetividade, tampouco era invocado contra o poder do rei. Da mesma forma, as promessas da Magna Charta foram sendo progressivamente desrespeitadas, esquecidas. Na mesma Inglaterra, no reinado de Carlos II, firmou-se o Habeas Corpus Act, de 1679, importante instrumento contra prisões arbitrárias de pessoas acusadas de cometer crime, criando o chamado “direito ao mandado” (right to the writ). Suas imperfeições foram sanadas com o Habeas Corpus Act, de 1816, mormente para estender sua abrangência para proteger pessoas presas por outros motivos diversos da acusação criminal. Nos Estados Unidos da América, a Constituição de 1789 instituiu o Writ of Habeas Corpus, reafirmando a herança inglesa no que se refere à importância da liberdade do corpo e do devido processo legal no rol de garantias do cidadão. No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 não previa, de forma expressa, o Habeas Corpus, mas instituía certos direitos e garantias, visando à tutela do direito à liberdade. Com o Código de Processo Criminal de 1832, de forma expressa, o habeas corpus foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, como instrumento de proteção do cidadão contra prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade. A tutela do direito à liberdade foi ampliada com a Lei 2.033, de 1871, que instituiu o Habeas Corpus preventivo, ou seja, como forma de evitar a agressão ao direito de locomoção do cidadão, além de estender seu alcance também a estrangeiros. A Constituição da República de 1891 incorporou o Habeas Corpus em seu texto, no artigo72, parágrafo 22, elevando o writ à categoria de garantia constitucional. Contudo, a redação da norma deixou de fazer alusão expressa ao direito de liberdade de locomoção, para garantir ao indivíduo a proteção contra “iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”. Partir daí os juristas brasileiros iniciaram um embate entre os que defendiam, de um lado, a estreiteza do Habeas Corpus, apegando-se às origens históricas do instituto, para defender seu uso apenas como garantidor do direito de locomoção do indivíduo; e, de outro lado, os que, valendo-se da redação irrestrita da norma constitucional, pugnavam pela aplicação mais abrangente do remédio heroico, para garantia de outros direitos além do de locomoção. Esta última posição foi a que prevaleceu no Supremo Tribunal Federal.
A reforma constitucional de 1926 pôs fim às discussões, ao restabelecer a construção histórica do writ, diretamente relacionado à liberdade, ao dispor no seu artigo 113, inciso 23: “Dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões, disciplinares não cabe o habeas corpus. ” Outrossim, para não deixar desprotegidos direitos outros, inovou o Legislador constituinte ao instituir no artigo 113, inciso 33, nova ação: “Dar-se-á Mandado de Segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do Habeas Corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes. ” De lá para cá, as Constituições de 1946, 1967 e 1988 mantiveram o Habeas Corpus em seus textos, esta última no inciso LXVIII do artigo 5º: “Conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. ”
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