O PAPEL DO DIREITO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Por: Franklin Lima • 22/6/2021 • Artigo • 1.519 Palavras (7 Páginas) • 148 Visualizações
O PAPEL DO DIREITO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
Franklin de Lima Silva[1]
GT I – DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA DIMENSÃO
Palavra-Chave: família; direito; violência doméstica; violência sexual
Este trabalho busca discutir o papel do Direito no contexto da violência sexual doméstica contra crianças e adolescentes e seu objetivo consiste pensar no local em que o Direito ocupa no debate do combate à violência e na construção do saber que é aplicado a realidade concreta na vida dos indivíduos em conflito. Para isso, busca-se aqui interpretar a lógica paradigmática em que a ciência moderna submeteu o Direito e a positivação das normas, separados das demais áreas do conhecimento, como parte importante para a compreensão do quanto essa separação entre as ciências, torna inexequíveis a Constituição Federal e os tratados de direitos humanos de que o Brasil é signatário.
O fenômeno jurídico isolou-se dos fenômenos econômicos, psicológicos, educacionais, entre outros. Como Consequência, a produção do conhecimento jurídico-científico buscou - essencialmente - ordenar e controlar a realidade social. Dessa forma, todos os princípios de explicação do fenômeno jurídico passaram por um pensamento de simplificação, no qual a aparente complexidade das coisas pudesse ser explicada por meio de procedimentos de separação e redução dos fenômenos (COSTA; GRANJEIRO, 2008 apud MORIN, 1990).
A Justiça, que exerce a sua função de proteger a sociedade a partir de um consenso social, cumpre esta função normativa, penal e reguladora, por meio da lei, e no que diz respeito a proteção da família, vem se movimento paulatinamente para resguardar os direitos inerentes às pessoas vinculadas a esta instituição. Contudo, ao se tratar especificamente do fenômeno da violência sexual doméstica, como ressalta Vasconcelos (2002), há a necessidade de criação integrada entre a ação e o conhecimento, fazendo com que as pessoas desenvolvam e assumam “a competência da autoria das suas próprias vidas” (p.29) e dessa maneira diminua a lacuna existente entre a realidade social e a ineficácia das leis.
Pensar o Direito e a atuação dos seus operadores, a partir dessa perspectiva acima citada, é pensar em um agir comprometido com uma justiça emancipatória, contudo, para isso, é necessário reinventar a sua práxis, dialogando, através de um pensamento integrador, com as demais áreas que compreendem o campo da violência.
Se compreendemos que o fenômeno da violência doméstica se instaura na sociedade como um elemento multifacetado e complexo, não há que se ater, apenas e exclusivamente, em um agir positivado, embora o operador do Direito esteja por ele subordinado; é preciso deixar de enxergar o fenômeno apenas como um fato jurídico, objetivado e isolado dos outros fatos sociais. A interação entre os saberes permite com que o conhecimento jurídico sobre a violência doméstica, aplicada a um caso concreto, seja reexaminado “não havendo nenhum conhecimento definitivo, incontestável, pois o conhecimento, na perspectiva sistêmica, tem caráter inconstante, transformador e relacional” (COSTA; GRANJEIRO, 2008, p. 162).
A crítica ao lugar em que o Direito ocupa na construção das normas, no que concerne a temática da violência doméstica, se faz extremamente necessária nessa análise, uma vez que a matéria da referida violência, enquanto um problema social e jurídico é recepcionado pelo campo acadêmico brasileiro e especialmente o campo acadêmico jurídico, como um fenômeno recente e encarado como uma particularidade da vida privada, distante e alheia ao fenômeno social.
O silêncio que permeou o espaço acadêmico e que invisibilizava e inviabiliza as causas da mulher, da criança e do adolescente no espaço doméstico, foram e ainda são reflexos de uma sociedade conservadora, patriarcal, androcêntrica e machista, que privilegia o homem e suas necessidades e sacraliza a família como um universo imaculado, intocável e resguardada pelo segredo.
A realidade dos lares brasileiros tende a desmistificar a família como um lugar de segurança e de acolhimento, revelando a sua natureza conflituosa e, também, violenta e rompe com um paradigma da cultura legalista, como afirma Boaventura de Sousa Santos (2000), em que as instituições judiciárias e a magistratura são incapazes de lidar com os conflitos dessa natureza.
É necessário afastar-se das noções ideológicas preestabelecidas que estruturam o campo jurídico, e que estimulam o imaginário social de que a Lei e as punições decorrentes da Lei são capaz de resolver todos os conflitos, alienando juristas e moldando a concepção jurídica de mundo, pois como ressalta Santos, esta visão não permite responder à “complexidade e [às] mutações das realidades sociais, políticas e morais numa conjuntura de transição paradigmática” (2000, p. 146).
Desse modo, acredita-se que, para enfrentar a violência doméstica, tal como ela se apresenta, como produto das relações culturais e sociais violentas, são necessárias medidas que vão além das punições, é necessária uma atuação do Estado, em toas as suas esferas articuladas, voltadas à prevenção, proteção e apoio às vítimas e suas famílias, assim como, também, de orientação e reabilitação dos agressores.
Assim, a transformação da violência doméstica em crime não é suficiente para lidar com o problema. É apenas um primeiro passo, que deverá ser acompanhado pela demarcação de um novo perfil para as instituições judiciárias, um perfil voltado para impulsionar a transformação do imaginário dos juízes, torná-los sujeitos criativos e agentes preocupados com a função social da magistratura (COSTA; GRANJEIRO, 2008, p. 163).
Esta ótica em que as instituições judiciárias estão impregnadas, não vem se mostrando efetiva no combate à violência doméstica, pelo contrário, a transferência da pena, se mostra como uma medida comum, em que a vítima e sua família, são obrigadas em muitos casos, a saírem de seus lares para serem protegidas, ou ainda pior, quando não é possível a retirada do agressor, as colocam em instituições por período indeterminado.
Se a ótica é a da proteção à família, não parece lógico que ainda se sustentem e se legitimem posturas tão conservadoras, que não estão abertas ao diálogo, a abordagens interdisciplinares que apontem para diferentes formas de resolução do conflito.
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