O Poder-dever do Estado no Exercício do Direito de Regresso por Força do Seu Fundamento Ético e Jurídico
Por: Bruno Militao • 26/11/2019 • Artigo • 2.935 Palavras (12 Páginas) • 600 Visualizações
Até a metade do século XX, o ordenamento jurídico pátrio não previa a existência do direito de regresso do Estado. Isso decorria do fato que, em determinados momentos históricos, os representantes estatais não eram passíveis de qualquer responsabilização ou, em outros, era o agente público o único a ser demandado na ação de indenização. Somente com a Constituição de 1946, ao proclamar a responsabilidade objetiva estatal, o direito de regresso passou a ser mencionado de maneira expressa em dispositivos constitucionais, tal qual também ocorreu nas Cartas de 1967 e de 1988.
A atual Constituição da República, em seu artigo 37, § 6°, ao consagrar a responsabilidade objetiva estatal, prevê nitidamente duas relações jurídicas existentes. A primeira delas diz respeito à relação entre Estado e lesado, baseada na responsabilidade objetiva, e a uma segunda relação, dessa vez entre o Estado e o seu agente, partes únicas integrantes do vinculum juris, de caráter subjetivo, na qual se consubstancia o direito de regresso, pelo qual o Poder Público busca reaver do seu agente, que agiu de forma culposa ou dolosa, o montante que pagou sob forma de indenização ao terceiro lesado.
Muito embora consagrada em textos constitucionais anteriores, a relação de regresso existente entre Estado e o seu agente, ainda não foi precisamente conceituada pelo legislador, ao passo que Sanches (1984, p.104) afirma que "o legislador brasileiro não definiu, nem simplesmente conceituou o direito regressivo ou a ação regressiva. Mas não deixou de empregar a expressão em vários artigos de lei". Assim, o fez, na Constituição Federal de 1988, ao mencionar o termo "direito de regresso", e no Código de Processo Civil ao utilizar-se da expressão "ação regressiva".
Em face dessa omissão legislativa em definir o que seja direito de regresso ou ação regressiva, não há uma concordância doutrinária e jurisprudencial sobre sua conceituação, considerando, ainda, Sanches (1984, p.116) que "não chegaram a um consenso a respeito do que seja regresso, direito regressivo ou ação regressiva."
Efetivamente, o direito de regresso, em sede de responsabilidade estatal, configura-se na pretensão do Estado em buscar do seu agente, responsável pelo dano, a recomposição do erário, uma vez desfalcado do montante destinado ao pagamento da indenização à vítima. Nesse aspecto, Carvalho Filho (2006, p.477) define o direito de regresso como "o assegurado ao Estado no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente responsável pelo dano, quando tenha este agido com culpa ou dolo."
Também, nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Especial n.°. 327409, relatado pelo Ministro Carlos Britto fazendo menção à ação regressiva do Estado, define-a como:
a ação de "volta" ou de "retorno" contra aquele agente que praticou ato juridicamente imputável ao Estado, mas causador de dano a terceiro. Logo, trata-se de ação de ressarcimento, a pressupor, lógico, a recuperação de um desembolso. Donde a clara ilação de que não pode fazer uso de uma ação de regresso aquele que não fez a "viagem financeira de ida"; ou seja, em prol de quem não pagou a ninguém, mas, ao contrário, quer receber de alguém pela primeira vez. (STF, RE 327409/SP, REL. CARLOS AYRES BRITTO, DJU 08.09.2006, P.28) [01]
Todavia, não obstante essa diversidade de definições sobre direito regresso ou ação regressiva, Andrade (2005, p.57) aponta que:
Sem embargo da controvérsia, tem-se que pelo direito regressivo ou direito de regresso, vai o seu titular buscar nas mãos de outrem o desfalque patrimonial sofrido, para reintegrá-lo na posição anterior, com a satisfação do pagamento ou da indenização devida.
Através do direito de regresso, busca o Estado proteger o patrimônio público exigindo o valor, deste subtraído, para pagamento de indenização referente a dano causado por comportamento doloso ou culposo do seu agente. Diante das relações jurídicas configuradas no artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal, o Estado no primeiro momento, em face da sua responsabilidade objetiva, indeniza o particular e depois, no segundo momento, busca do agente público, responsável direto pelo dano, a devida restituição do erário.
Realmente, o exercício do direito regressivo pelo Estado configura-se como uma sanção de natureza patrimonial, posto que incide sobre o patrimônio do agente causador do dano, passando a incorporar ao erário, subtraído pela obrigação legal do Estado de reparar o dano sofrido por particular, em face da sua responsabilidade objetiva. Ademais, conforme considera a Ministra, do STF, Carmén Lúcia Rocha (1999) esta sanção patrimonial não depende, nem tampouco exclui a possibilidade de incidência conjunta da sanção administrativa e penal.
Uma vez que causou danos a terceiro ao atuar com culpa ou dolo, o agente público deverá ressarcir o Estado, recompondo o patrimônio público da quantia que este dispendeu para o adimplemento do montante indenizatório a vítima. Reside o fundamento desse, necessário e devido ressarcimento do erário, na idêntica razão ética e jurídica que justifica a recomposição patrimonial da vítima em decorrência de ato estatal.
Outrora, se se configura bastante justo que o lesado não deva arcar com o custo de uma possível lesão proveniente de atos imputáveis ao ente estatal, mais justo ainda é entender que não poderá toda a coletividade suportar as despesas advindas de condutas equivocadas e irresponsáveis dos respectivos agentes públicos.
Nesse rumo, a Min. Carmén Lucia Rocha (1991, p.118) sustenta que:
O princípio do regresso contra o autor do dano, quando este se origine de culpa ou dolo, atenta para o direito da sociedade ao Estado moral, à ética no exercício das funções públicas. Assim, se de um lado não se pode deixar ao desabrigo os direitos maculados dos particulares por um comportamento imputável ao Estado, também é exato que a sociedade não deve arcar com os ônus decorrentes de condutas equivocadas dos agentes públicos.
E esse direito material de regresso, pelo qual o Estado exige do seu agente a devolução do valor pago ao particular a titulo de indenização, concretiza-se pelo procedimento administrativo ou pela respectiva ação judicial, denominada de ação regressiva. Todavia, para esse direito materializar-se, é imprescindível que o Estado demonstre que o seu agente tenha tido um comportamento doloso ou culposo face ao dano causado, apurada sua conduta pelos
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