PONTES DE MIRANDA E O DIREITO À EDUCAÇÃO: EXPOSIÇÃO CRÍTICA
Por: hnmeyer1 • 13/7/2015 • Projeto de pesquisa • 6.797 Palavras (28 Páginas) • 531 Visualizações
PONTES DE MIRANDA
E O DIREITO À EDUCAÇÃO: EXPOSIÇÃO CRÍTICA[1]*
Joaquim Carlos Salgado, Cadeira n. 22**
Sumário: Introdução. O Direito à Educação em Pontes de Miranda – Exposição Crítica. 1. A Base Filosófica. 2. A Noção de Liberdade. 3. O Direito à Educação.
INTRODUÇÃO
A educação, desde o momento em que foi descoberta pelos gregos, é um processo de exacerbação, de sacrifícios; é o calvário da formação pessoal. A alegoria da caverna de Platão mostra esse parto doloroso daquele que sempre viveu no escuro de uma caverna, na ignorância e nos falsos conhecimentos ou conhecimentos precários, e ousa sair e ver a luz, as coisas mesmas iluminadas e não apenas sombras projetadas no fundo da caverna. E isso, a saída para ver a luz, ainda que com sacrifícios, dá-se por decisão própria, por construção da própria liberdade, ao decidir-se desprender-se dos grilhões da ignorância, mas também por solidariedade, pelas mãos de outro a ajudá-lo a subir as paredes íngremes e escorregadias da caverna ao topo da luz. Neste sentido, já não é mais apenas formação (paideia), mas educação (e+ducěre), pois exige a ajuda de outro que já tenha caminhado até às cumeadas e que o conduz da escuridão e engano à luz e verdade. A alegoria da caverna é, então, uma alegoria do processo da educação. A República de Platão é, além de um tratado sobre a Justiça, o que a justifica como um tratado do poder político, um tratado sobre a educação. É preponderantemente Paideia, formação do cidadão, como procura mostrar o significado da alegoria, em sentido para a luz, para as cumeadas do abismo da caverna. Vê-se, assim, que a paideia quer realizar o ideal de formação do homem grego, cujo elemento principal e preponderante dessa formação é a liberdade. Não basta transformar-se. É preciso formar-se. E isso implica decidir. Por isso, não é o homem determinado a ser, mas dever ser.
A paideia é o elemento essencial da cultura grega, como a educação é elemento essencial da civilização romana. Neste caso, como elemento de civilização, além de formação, contém a educação toda um plexo de transformações a tornar possível a complexa comunidade romana, com seu direito altamente evoluído, as construções de pontes, aquedutos, estradas, palácios, o aprendizado da língua e seu refinado uso, a celebração de tratados, a organização do exército e da própria fundação do Estado ocidental, que dilargou essas conquistas universalmente.
A invenção da educação está, pois ligada à inconformidade do homem de ser como é, e à necessidade de ser como entende que deve ser, através de um projeto de formação, vale dizer, à estrutura eleutérica do seu ser, cuja epifania se dá no drama da história, e se efetiva no sujeito universal de direitos pela experiência da consciência jurídica[2].
A sociedade contemporânea, resultado da cultura e da civilização clássicas, estrutura-se, essencialmente, a partir da educação e, particularmente, da educação escolar. Dela depende sua subsistência e seu desenvolvimento enquanto sociedade civilizada.
Uma vez que é vital para a sociedade, a educação é essencial, da mesma forma que é essencial para os indivíduos que a compõem, que são os destinatários concretos de todas as suas instituições. Sem a educação institucionalizada, não pode o indivíduo participar condignamente da sociedade e fruir as vantagens que as suas instituições possam oferecer. A educação escolar é tarefa prioritária da própria sociedade, já que a sua finalidade deve ser a formação do indivíduo, como ser útil para a comunidade, realizando o valor trabalho e, ao mesmo tempo, como ser que realiza um valor intrínseco que o difere da máquina ou ferramenta, a liberdade, tornando-se fim em si mesmo ou ser livre.
Como se vê, a vida material e espiritual do homem contemporâneo está a depender, como nunca antes na História, da educação. Por isso o dever de constituí-la em um dos seus direitos fundamentais a ser consagrado na Constituição, tendo como correlato o dever de o Estado provê-la. Ao Estado cabe a tarefa de promover a educação como primeira necessidade da sociedade como um todo e do indivíduo em particular, como direito subjetivo. Esse o sentido do Estado Social contemporâneo, que realiza a justiça social, e organiza a prevenção das necessidades atinentes à sobrevivência e desenvolvimento da sociedade.
Por força dessas proposições correlatas, segundo as quais os indivíduos têm o direito à educação e o Estado o dever de promovê-la, não se pode relegar a educação ao jogo da oferta e da procura, à guisa de mercadoria, ao sabor da iniciativa privada, cujo fim é o lucro, próprio ao campo econômico, de uma determinada economia, não do campo da educação.
Pontes de Miranda foi um dos primeiros juristas a tratar seriamente do direito à educação na sociedade contemporânea, como direito humano concreto. Ele desenvolveu a sua tese propondo uma solução política (para ele, socialista): a escola única, obrigatória e gratuita, com previsão constitucional dos meios para realizá-la.
É útil, portanto, trazer uma contribuição para o conceito de direito à educação e indagar da possibilidade da sua eficácia jurídica, independentemente da solução política, por meio de uma exposição crítica da concepção de Pontes de Miranda, entendida como conseqüência do seu pensamento filosófico de base. As considerações críticas diante das posições intelectuais de Pontes de Miranda, que se relacionam com a sua concepção de direito à educação, têm como decorrência a necessidade de pensar esse direito e seu objeto num outro plano, o filosófico.
O DIREITO À EDUCAÇÃO EM PONTES DE MIRANDA – EXPOSIÇÃO CRÍTICA
01 – A BASE FILOSÓFICA
Pontes de Miranda está dentre os juristas que mais contribuíram para a criação de um patrimônio intelectual jurídico autônomo no nosso País.
Os juristas de todas as gerações que trabalharam nesse sentido têm na sua formação intelectual um dado de importância capital para entender-se a fecundidade e o rigor da sua produção jurídica: todos eles se preocuparam, em primeiro lugar, com as questões de fundo, organizando uma base e uma estrutura sólidas para a sua construção jurídica. Essa preparação de raiz pode ser dada pela Filosofia ou pela Filosofia do Direito, que torna possível construir no Direito obra de profundidade quanto ao conteúdo, e de rigor quanto à forma; a matéria e o hábito da reflexão filosófica possibilitam essas qualidades.
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