Prisões cautelares: direitos e garantias vs. ilegalidades
Por: IedaDoehler • 2/11/2016 • Trabalho acadêmico • 1.566 Palavras (7 Páginas) • 291 Visualizações
Prisões cautelares: direitos e garantias vs. ilegalidades
Quando se fala em prisão, e especialmente em prisão cautelar, deve-se estabelecer como premissa a ideia de uma exceção. Em um Estado de Direito Democrático, no qual os direitos e garantias individuais representam parâmetros para a atuação do Estado perante os cidadãos, a prisão do indivíduo nunca pode ser pensada como regra. Tratá-la como exceção implica admitir o seu cabimento apenas nos casos em que a regra não puder prevalecer. E a regra, sem dúvida alguma, é a liberdade.
Esse raciocínio decorre, principalmente, da consagração do princípio do estado de inocência, mais conhecido como presunção da inocência, com assento constitucional. Sua aplicação como verdadeira regra de tratamento impõe o dever de se considerar inocente o acusado em processo penal, até que o contrário seja reconhecido em sentença condenatória definitiva, isto é, com trânsito em julgado.
Especialmente em razão do aludido princípio, é imperioso analisar qualquer prisão antes do trânsito em julgado da condenação como medida da mais absoluta excepcionalidade. Caso contrário, estar-se-ia admitindo a aplicação de pena por antecipação, sem processo em contraditório e em ampla defesa, sem sentença condenatória irrecorrível.
Ademais, conforme entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, deve-se aplicar neste contexto de prévia privação da liberdade o princípio pro homine, segundo o qual toda limitação aos direitos humanos deve ser interpretada da forma mais restrita possível, em contrapartida ao reconhecimento de direitos, cuja interpretação deve ser sempre a mais benéfica.[1]
No Brasil, sobretudo após a edição da Lei 12.403/11, referido posicionamento fortaleceu-se ainda mais, com o advento das medidas cautelares diversas da prisão. A nova redação do artigo 319 do Código de Processo Penal reforça o caráter eminentemente subsidiário, de ultima ratio, da prisão determinada antes do definitivo trânsito em julgado. Nessa hipótese, ela só será imposta quando indispensável à investigação criminal ou à efetividade do próprio processo.
Assim, nesse primeiro plano, reconhecemos a natureza excepcional da prisão cautelar, a ser decretada somente quando não se puder aplicar em seu lugar qualquer outra medida de cautela, capaz de cumprir, com o mesmo nível de eficácia, o desiderato da própria prisão.
Com base nessas premissas, é possível debruçar-se de modo mais pontual sobre as espécies de prisão cautelar, com ênfase nas regras segundo as quais a prisão deverá ser realizada, em uma perspectiva na qual se vislumbram direitos e garantias inafastáveis do réu ou investigado em face de possíveis ilegalidades envolvendo o ato prisional.
No tocante à prisão em flagrante delito, é de se notar a grave, mas efetiva possibilidade, de o indivíduo ser preso sem a observância das devidas formalidades legais, as quais, em última análise, consubstanciam-se em direitos jamais passíveis de supressão, considerando-se seu status de norma constitucional irrevogável (cláusula pétrea).
Assim, verifica-se que a prisão de qualquer pessoa e o local onde ela se encontre deverão ser comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
Do mesmo modo, é fundamental observar-se o direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo interrogatório policial. É muito frequente a ocorrência de ilegalidades, eminentemente o abuso de autoridade ou o uso excessivo e indiscriminado da força, durante o momento em que a pessoa é conduzida presa ou interrogada perante a autoridade policial.
Todas essas questões estão muito atreladas umas às outras. Eventuais arbitrariedades cometidas durante o interrogatório policial relacionam-se, muitas vezes, ao fato de não se ter cumprido o dever de comunicação imediata da detenção do indivíduo. Assim, como ocorre de forma recorrente, a pessoa é presa em flagrante, conduzida para lugares inapropriados, por vezes colocada em contato com indivíduos que já não se encontram mais presos provisoriamente, e acabam sendo vítimas de todo tipo de violência.
Outro exemplo de gravíssima ilegalidade é a violação do direito de permanecer calado, como decorrência do princípio da não autoincriminação. Nesses casos, o indivíduo é preso, não tem qualquer assistência jurídica (visto que sua prisão nem foi comunicada à família) e acaba sendo compelido a falar, produzindo provas contra si mesmo. Ou pior: é forçado a confessar a prática de crime que não cometeu.
O Código de Processo Penal determina que, em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado à autoridade judicial competente. Caso a pessoa presa (autuado) não informe o nome de seu advogado, cópia integral deve ser remetida à Defensoria Pública.
Além disso, no mesmo prazo deve ser entregue ao preso uma nota de culpa, que nada mais é do que um documento no qual se especificam todos os direitos e garantias do indivíduo, dando conta ainda do motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.
A inobservância de qualquer dessas regras procedimentais torna ilegal a prisão em flagrante, impondo-se como medida necessária o seu relaxamento. Ademais, constatada a violência ou coação ilegal ao direito ambulatorial do indivíduo, ou mesmo a ameaça de violação desse direito, o ato é plenamente impugnável por meio de habeas corpus, o qual se caracteriza como ação autônoma e mandamental, passível de ser manejada por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio preso, com dispensa de formalidades.
Caso o ato tenha ocorrido de forma legal, a autoridade judicial poderá, ao receber o auto de prisão em flagrante, realizar duas providências, a depender do caso concreto: conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança, ou determinar a prisão preventiva, caso não sejam suficientes ou adequadas as medidas cautelares diversas da prisão.
Nesse ponto, cabe destacar as inovações trazidas pela Lei 12.403/2011, a qual reformou, em grande medida, o título que trata das prisões e medidas cautelares no Código de Processo Penal.
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