Resenha Crítica Sobre O Documentário Um Lugar Ao Sol
Por: Caroline Amaral • 14/6/2023 • Resenha • 1.931 Palavras (8 Páginas) • 81 Visualizações
RESENHA CRÍTICA SOBRE O DOCUMENTÁRIO UM LUGAR AO SOL
Caroline Pinheiro do Amaral[1]
Um lugar ao sol (Gabriel Mascaro, 2009) é um exemplo cinematográfico que se destaca no cenário das obras de documentários que lidam com o tem do processo coletivo no contexto do cinema e que discute de forma direta as distintas acepções da sociedade brasileira, formadas por seus habitantes, envolvidas em litígios que não derivam de relações jurídicas individualizadas, mas coletivas.
A proposição analítica realizada nesse trabalho considera e identifica Um Lugar ao Sol como um filme que, desde o seu lançamento, abriu possibilidades para que outros cineastas discutissem sobre as relações de poder entre as classes sociais no Brasil.
Como objeto de análise, Um lugar ao sol cumpre o papel de permitir aos leitores e espectadores possibilidades de leituras e discussões críticas sobre os desafios apresentados e representados no discurso fílmico dos entrevistados que são os protagonistas dos filmes: nem todo litígio coletivo é ou pode ser resolvido por um processo coletivo.
O discurso fílmico construído em Um lugar ao sol preconiza uma análise de como a elite brasileira que vive em coberturas têm uma imagem de si. É por isso que destacamos, num certo ponto do trabalho, a fala dessas pessoas. A relação entre as categorias de “alto” e “baixo”, “dentro” e “fora”, “convidado” e “intruso”, “sujeito” e “indivíduo”, “eu” e “Outro”, são dimensões características da construção dos novos tipos de laços de solidariedade social que identificam os “modelos” de conviver com as outras pessoas na sociedade contemporânea.
A produção do espaço, e conseguintemente, a transformação das paisagens urbanas e sociais das cidades brasileiras, no filme são representadas pela construção de uma narrativa singular quando potencializa a contraposição daqueles que estão “no alto” (“Alto”, “Dentro”, “Convidado”, “Sujeito”, “Eu”, com Identidade), frente aqueles que estão “na rua” (“Baixo”, “Fora”, “Intruso”, “Indivíduo”, “Outro”, sem Identidade).
É a partir dessas relações dicotômicas que o filme apresenta situações em que as lesões são relevantes para a sociedade envolvida, mas atinge, de modo diverso e variado, diferentes subgrupos que estão envolvidos no litígio, sendo que entre eles não há uma perspectiva social comum, qualquer vínculo de solidariedade.
A sociedade que titulariza esses direitos é fluida, mutável e de difícil delimitação, motivo pelo qual se identifica com a sociedade como criação.
DOCUMENTÁRIO, NARRATIVAS E CLASSES SOCIAIS
Recentemente, o documentário brasileiro contemporâneo se vale de temas que envolvem a identidade de perspectivas sociais, dada pelo pertencimento à mesma comunidade, fornecendo um elemento de desunião, que facilitam as divergências entre essas pessoas, embora existentes – nenhum grupo social é uniforme – elevando o bastante para ofuscar o objetivo comum.
Nesse sentido, a construção fílmica do espaço urbano recifense é comumente percebida como um dispositivo.
Desta feita, resta caracterizado que: os conflitos de interesse são inevitáveis em ações coletivas.
O problema abordado no item anterior pode ser sintetizado na seguinte formulação: em alguns casos, uma classe participa de um litígio no qual é interessante ou essencial que se obtenha uma resolução coletiva e abrangente. Contudo, os integrantes da classe têm posições divergentes entre si sobre qual seria a solução desejável, o que acarreta conflitos que dificultam a atuação do legitimado coletivo.
David Ross entende que esses conflitos são sérios e têm potencial para comprometer a adequação da representação e a tipicidade das queixas. Ele é cético em relação à possibilidade de que esse problema possa ser resolvido pela criação de subclasses, baseadas na data em que ocorreu a transação, porque seriam tantas as possíveis combinações que o processo tornar-se-ia inviável.
Além disso, o autor entende que as subclasses “são apenas um método para reconhecer o conflito, mas não para resolvê-lo, já que ele continua subsistindo entre as diferentes subclasses”. Isso se confirmaria pelo fato de que, embora muitos tribunais tenham sugerido a adoção de subclasses para remediação de conflitos em ações relacionadas a valores mobiliários, nenhum efetivamente o determinou. Em conclusão, Ross afirma que “o conflito é insolúvel e esses casos devem deixar de ser tratados como class actions.”
Assume-se, de modo geral, que existe uma solidariedade entre os membros da classe maior do que a existente entre pessoas que simplesmente querem ser compensadas financeiramente. Isso faz com que posições minoritárias ou divergentes sejam descartadas sem maior escrutínio, conforme podem ser percebidas no reflexo dos desafios e conflitos trazidos pelo processo vigente do intenso desenvolvimento econômico ocorrido nas regiões do país, como apresentado em Um lugar ao sol.
Não soa estranha aos ouvidos brasileiros a afirmação de que o interesse “da sociedade” na aplicação da lei é mais importante do que os interesses dos indivíduos, ou de que o processo coletivo é apenas a atuação do direito objetivo, que exige que os ilícitos sejam coibidos, sendo irrelevantes as vontades das pessoas e inexistentes quaisquer direitos subjetivos.
A linguagem do documentário constrói seu discurso, portanto, por meio da enunciação de códigos e símbolos originários nos discursos envolvidos nas relações de poder entre as classes sociais.
Se não há sujeitos envolvidos, não haveria como se cogitar conflitos de interesses. O problema é definir o que daria aos legitimados coletivos a prerrogativa de ser “a voz da sociedade”.
Resolver esse dilema pela afirmação de que o processo coletivo trata de direito objetivo dependeria, no mínimo, da crença de que o conteúdo do direito é tão evidente que, dado um contexto fático, só uma pretensão seria possível e, assim, o legitimado coletivo não exerceria verdadeira margem de apreciação do litígio, não sendo efetivo representante das pessoas atingidas pela decisão, mas apenas um instrumento de transporte do problema à via jurisdicional, tal como o carteiro está para a correspondência.
Nesse contexto, é possível perceber o paradoxo da interpretação de que o legitimado coletivo e o Judiciário agem para concretizar o direito objetivo: quanto mais complexo e conflituoso o litígio se torna, menores são as possibilidades de identificar-se, com clareza, os limites das posições divergentes, quais são os subgrupos em posições adversas, ou quais as variáveis que poderão impactar sobre a eficácia futura da decisão.
O aumento da complexidade e da conflituosidade demanda que mais informação seja agregada ao processo, o que implica mais custos financeiros e de tempo para a sua obtenção. Com isso, o entendimento de que o processo concretiza valores objetivos e, portanto, dispensa essas discussões, torna-se mais sedutor, porque as partes e o juiz temem que ele se torne ingovernável.
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