Seminário III IBET
Por: danmonte • 31/3/2015 • Artigo • 5.162 Palavras (21 Páginas) • 7.937 Visualizações
INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
MÓDULO – CONTROLE DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
ALUNA: DANIELLE BERTAGNOLLI
SEMINÁRIO III – SISTEMA, COMPETÊNCIA E PRINCÍPIOS
1. Que é sistema? Há diferença entre sistema e ordenamento jurídico? Pode-se dizer que o direito positivo se caracteriza como um sistema?
Sistema jurídico, conforme ensinam Paulo de Barros, é uma expressõa ambígua, que pode siginificar tanto o sistema da Ciencia do Direito quanto o do direito positivo.
Para alguns autores, ordenamento jurídico seria o texto bruto, tal como meditado pelos órgãos competentes, enquanto o sistema seria o resultado dos esforços de interpretação e organização das unidades normativas em escalões hierárquicos
O direito posto não tem o status de sistema, posto que necessita da atividade do jurista que outorga ao conjunto o sentido superior de um todo organizado.
2. Que se entende por Sistema Constitucional Tributário? Qual sua função no direito tributário?
O sistema constitucional tributário é disposição das normas, na Carta Magna, acerca de tributos. Trata-se do conjunto de normas constitucionais regulam as situações relativas ao direito tributário.
São normas que mantêm, entre si, relações de coordenação horizontal, situadas que estão no mesmo plano da escala hierárquica, tecendo, com idêntico status de juridicidade.
Este sistema tem como função dispor sobre os
poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao passo que estabelece medidas que asseguram as garantias
à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes.
3. Que é princípio? Diferenciar princípio como valor e como limite objetivo apontando nos exemplos a seguir de qual se trata: (i) capacidade contributiva; (ii) legalidade; (iii) não-confisco; (iv) anterioridade; (v) segurança jurídica; (vi) isonomia; (vii) irretroatividade das leis tributárias; (viii) tipologia tributária e (ix) indelegabilidade da competência tributária.
Segundo Karl Larenz, os princípios são “normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento”. Assim, os princípios são normas que, positivadas ou não, assumiram grande importância para a ciência do Direito, servindo como diretrizes para a aplicação das demais regras nos casos concretos.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, o termo “princípio” pode ser utilizado para se referir às regras, assim como “também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma”. Portanto, tem-se que dos princípios decorrem sua acepção como valores e como limites objetivos, cabendo diferenciar tais usos.
A utilização do princípio como um valor impõe que o intérprete analise a norma com dado grau de subjetividade, devendo estar presentes na situação os elementos elencados por Miguel Reale, quais sejam: bipolaridade, implicação, referibilidade, preferibilidade, incomensurabilidade, tendência à graduação hierárquica, objetividade, historicidade, inexauribilidade, atributividade, indefinibilidade e vocação para expressar-se em termos normativos.
Com isso quer-se dizer que o valor deve ser auferido com base em duas situações opostas, na forma de uma positiva e outra negativa. O resultado de uma obrigatoriamente irá implicar na solução de outra, estando aí presentes os requisitos da bipolaridade e da implicação recíproca. Pela referibilidade tem-se que o intérprete não pode permanecer inócuo perante a questão suscitada, devendo buscar uma solução, determinando seu posicionamento acerca do tema. Sendo assim, diante do caso concreto o intérprete irá preferir a um valor em detrimento de outro, o que justifica o pressuposto da preferibilidade. Também nesse sentido é o requisito da atributividade, segundo o qual o intérprete não poderá permanecer neutro diante de um dado valor, devendo atribuir-lhe qualidades positivas e negativas.
De outro lado, os valores não são passíveis de medição, tendo apenas a tendência a se mostrar de maneira graduada hierarquicamente e requerendo sempre um objeto, um bem da vida a que se referir, do que decorrem as características da incomensurabilidade, graduação hierárquica e objetividade, respectivamente. Contudo, o valor não se esgota diante do objeto a que se aplica, isto é, não se exaure, resultando no seu elemento de inexauribilidade.
Ainda, os valores decorrem sempre de uma sequencia de fatos ocorridos em sociedade, de maneira que por trás de um valor sempre haverá seu aspecto histórico. Porém seu conceito preciso vem a ser indefinível, eis que não se fundam em qualquer outra ideia, do que decorre seu aspecto de indefinibilidade.
Por fim, o último pressuposto diz com a vocação para se expressar em termos normativos, ou seja, não há como especificar os valores em uma regra única que contenha uma permissão, uma proibição ou uma obrigatoriedade. Vale dizer, os valores se constituem em um conceito genérico que se mistura com normas consuetudinárias do bem viver em sociedade.
Sendo assim, estando presentes todos esses requisitos, estaremos diante de um valor. De outro lado, o princípio será visto como limite objetivo sempre a comprovação puder ser feita mediante análise de simples fatos, não entrando no campo da subjetividade do intérprete. Toma-se por exemplo o princípio da anterioridade, podendo-se demonstrar estar uma norma de acordo com ele ou não mediante a simples análise de seus dispositivos legais, em comento com a data de sua publicação.
Com relação aos exemplos questionados, tem-se que a capacidade contributiva é um valor, eis que sua aferição não pode se dar objetivamente, necessitando de uma análise mais aprofundada em contraposição a outras normas e averiguando-se cada caso concreto em específico. Diferente situação ocorre com o princípio da legalidade, que se apresenta como um limite objeto ao poder de tributar. Com efeito, a verificação acerca de um tributo atender ou não ao princípio da legalidade pode ser feita mediante a simples análise do texto que o instituiu, prescindindo de qualquer juízo subjetivo por parte do intérprete.
Já o princípio do não confisco segue a linha da capacidade contributiva, dependendo de uma análise mais subjetiva acerca dos montantes que configurem ou não o caráter confiscatório de determinado tributo. Por outro lado, o princípio da anterioridade configura um limite objetivo à tributação, podendo ser depreendido dos simples dispositivos que componham a norma tributária.
Quanto à segurança jurídica, a análise demanda subjetividade, bem como não pode tal instituto ser conceituado precisamente, o que revela se tratar de um valor. Também a isonomia precisa de uma análise mais detalhada, eis que requer a definição de uma classe de sujeitos que se enquadrem em determinada hipótese para sofrer as consequências da norma tributária. Contudo, a definição da qualidade dos sujeitos nem sempre é tarefa simples, pois por vezes as diferenças são tênues e a linha divisória entre uma classe e outra não pode ser precisamente definida.
A irretroatividade das leis tributárias, por sua vez, é limite objetivo de fácil visualização, eis que basta ver a data da publicação da lei em cotejo com a data da ocorrência do fato gerador do tributo para saber se a norma é aplicável ou não. O mesmo ocorre com a tipologia tributária, que prescinde da análise do caso concreto, bastando que se interprete a lei tributária. Nesse sentido, em que pese as leis tratarem os tributos pelos nomes de suas espécies, tem-se que nem sempre os dispositivos legais correspondem ao tributo que se quer nominar. Por exemplo, determinada lei pode dizer que está instituindo uma taxa de serviço mas, diante da situação que se afigura, vislumbrar-se que se trata de uma contribuição de melhoria. Contudo, mesmo com tal peculiaridade, não se encontram presentes os requisitos para se estar diante de um valor, em razão do que a tipologia tributária é um limite objetivo.
Por fim, a indelegabilidade da competência tributária é inegavelmente um limite objetivo, eis que as competências são instituídas pela Constituição Federal e não podem, de forma alguma, ser transferidas para outros entes federativos ou exercidas por um sujeito que não o previsto em lei. Assim, havendo exercício da competência por pessoa que não a constitucionalmente prevista, o tributo estará eivado de inconstitucionalidade, a qual poderá ser aferida sem o exercício de qualquer subjetividade.
4. Há diferença entre regras e princípios? No caso de conflito qual deve prevalecer? E no caso de conflito entre princípios, qual critério deve informar a solução?
Consoante explica Ruy Samuel Espíndola, “norma é o gênero do qual os princípios, as regras e os valores são espécies”. O principal fator que diferencia os princípios das regras é o fato de que os primeiros são aplicáveis a um sem-número de situações, ao passo que as regras são específicas, isto é, aplicam-se “a uma situação jurídica determinada”. Assim, enquanto os princípios podem ser ampliados e mitigados na medida dos interesses da sociedade, as regras são imutáveis, cabendo somente a possibilidade de interpretação mais branda ou severa.
Além disso, as regras vêm expressas no texto constitucional e nas leis infraconstitucionais, ao passo que os princípios poderão ser tanto positivados quanto consuetudinários.
A diferença entre as espécies normativas manifesta-se, ainda, no campo dos conflitos. Se duas regras não se coadunam entre si, uma delas deverá perder sua validade a fim de que a outra possa ser plenamente aplicável. Quanto aos princípios, o que ocorre é somente uma maior valoração de um em detrimento do outro, sem que qualquer dos dois perca sua vigência. Vale dizer, o conflito entre regras se resolve de maneira muito mais abrupta do que o conflito entre princípios.
Humberto Ávila estabelece a diferenciação entre regras e princípios de maneira bastante pontual, afirmando que “enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos”. Portanto, as regras preveem a conduta, positiva ou negativa, que deve ser adotada pelos cidadãos, ao passo que os princípios delineiam a maneira como os membros da sociedade devem se portar para alcançar determinado fim.
Quando se encontram em conflito um princípio e uma regra de mesmo nível hierárquico, deve prevalecer esta segunda, a qual “consiste numa espécie de decisão parlamentar preliminar acerca de um conflito de interesses”. Os princípios se aplicam a situações genéricas, servindo mais como uma linha interpretativa a guiar o jurista na aplicação das regras aos casos concretos. As regras, por sua vez, apresentam-se como soluções pré-determinadas aos possíveis conflitos que decorram das situações cotidianas. Diante de tal situação, devem as regras prevalecer, eis que específicas para o tema questionado, em contraposição aos princípios, que são genéricos. Tratando-se de um princípio e uma regra de níveis hierárquicos diversos, deverá prevalecer sempre aquele que estiver no nível superior.
5. Identificar, nas situações a seguir, se algum princípio foi desrespeitado e, em caso afirmativo, indicar qual:
a) Aplicação da Selic, a partir de abril de 1995, como juros de mora de créditos tributários relativos a fatos jurídicos ocorridos em 1990, considerando que a instituição da Selic, como índice de juros moratórios, somente veio a ocorrer quando da veiculação da Lei n. 9.065/95;
A aplicação da Selic a fatos ocorridos antes da sua instituição fere o princípio da anterioridade. Fere também o princípio da legalidade, na medida em que, quando da ocorrência do fato tributado, não existia lei prevendo a aplicação da Selic como fator de correção do crédito.
Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreenda do seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TAXA SELIC. TERMO INICIAL DE SUA APLICAÇÃO: TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA OU EDIÇÃO DA LEI 9.250/95. 1. A orientação prevalente no âmbito da 1ª Seção firmou-se no sentido do paradigma, podendo ser sintetizada da seguinte forma: (a) antes do advento da Lei 9.250/95, incidia a correção monetária desde o pagamento indevido até a restituição ou compensação (Súmula 162/STJ), acrescida de juros de mora a partir do trânsito em julgado (Súmula 188/STJ), nos termos do art. 167, § único, do CTN; (b) após a edição da Lei 9.250/95, aplica-se a taxa SELIC desde o recolhimento indevido, ou, se for o caso, a partir de 1º.01.1996, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque a SELIC inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real. 2. Embargos de divergência providos. (Superior Tribunal de Justiça, Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 267.080/SC, Primeira Seção, Relator: Min. Teori Albino Zavascki, julgado em: 22 out. 2003).
Por fim, cabe ressaltar que a aplicação nos moldes do exemplo em testilha fere a própria lei que estabeleceu a Selic como índice de correção dos créditos da Fazenda Pública, na medida em que seu artigo 13 prevê a data de 1º de abril de 1995 como termo inicial para a aplicabilidade da norma.
b) Estipulação de graus de risco da atividade laborativa (para o SAT) por meio de decreto; (anexo II)
Não há ofensa a qualquer princípio. A isonomia resta preservada na medida em que a graduação dos riscos da atividade laborativa tem como fundamento (des)igualar os (des)iguais, na medida de suas (des)igualdades. Por outro lado, o STF já reconheceu a possibilidade de até mesmo um regulamento prever os conceitos de “grau de risco leve, médio e grave”, razão pela qual não se vislumbra ofensa ao princípio da legalidade.
c) Multas sancionatórias na percentagem de 75%;
A multa tributária no percentual de 75% não encontra óbice em nenhum princípio constitucional tributário, eis que as sanções diferem dos tributos e, portanto, não seguem os princípios da capacidade contributiva e da vedação de confisco. A multa em valor elevado, portanto, se justifica como maneira de coibir a prática dos ilícitos tributários. Contudo, a sanção em comento, em cotejo com o caso concreto em que apurada, poderá ofender a razoabilidade, mostrando-se deveras alta para um ilícito de cunho simples.
d) Imposto de importação com alíquota de 150%;
O Imposto de Importação é um tributo eminentemente extrafiscal, na medida em que se propõe mais a auxiliar no equilíbrio da balança comercial do que propriamente na arrecadação monetária. Sendo assim, tendo em vista que as alíquotas do imposto tendem a variar conforme a essencialidade do bem tributado, as altas alíquotas acabam por ser um reflexo da capacidade contributiva, razão pela qual não ofende os limites constitucionais ao poder de tributar.
e) Presunções para criação de obrigações tributárias.
A utilização de presunções para a criação de obrigações tributárias fere os “princípios da legalidade, da tipicidade, da rígida discriminação constitucional das competências impositivas e da capacidade contributiva, exigindo que a adoção de presunções seja realizada de forma compatível com mencionados direitos constitucionais”, consoante destacou Fabiana Tomé. Assim, para que a presunção possa ser utilizada na criação de uma obrigação tributária é necessário que o Fisco comprove a efetiva ocorrência do fato que originou a presunção, conforme decisão já proferida pelo 1º Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais):
“PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PROVA INDIRETA. A presunção legal inverte o ônus da prova em favor do Fisco. Não fica, todavia, o Fisco dispensado de provar a ocorrência do fato base que autoriza a presunção. IRPJ. OMISSÃO DE RECEITAS. PASSIVO FICTÍCIO. Não comprovado que o passivo era fictício, afasta-se a presunção de omissão de receitas. LANÇAMENTOS DECORRENTES. Aplicam-se aos lançamentos decorrentes as razões de decidir e conclusão adotadas no lançamento matriz. Recurso provido”.
Por outro lado, consoante destacou a autora mencionada, “é imprescindível a existência de conexão entre o indício e o fato relevante para a aplicação da lei tributária”. Sendo assim, feitas tais considerações, tem-se que a utilização de presunções para a criação de tributos ofende os princípios anteriormente mencionados, exceto se forem resguardadas as garantias mencionadas pela jurista citada.
6. O art. 6º da LC n. 116/2003 permitiu aos Municípios e ao Distrito Federal, por meio de lei, instituir, expressamente, responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa. A lei municipal ou distrital que instituir essa responsabilidade deverá submeter-se ao princípio da anterioridade tributária?
O princípio da anterioridade tributária prevê que a cobrança de um tributo somente poderá ocorrer no ano seguinte e depois de decorridos 90 dias da publicação da lei que o instituiu. No caso do artigo 6º da Lei Complementar n. 116/2003, o Município tem liberdade para atribuir responsabilidade tributária quanto ao recolhimento do ISS. Assim agindo, o Município estará criando uma nova obrigação tributária para aqueles que forem incluídos na relação jurídica na qualidade de responsáveis, razão pela qual a exigência do tributo quanto a essas pessoas deverá respeitar o princípio da anterioridade.
7. Que é competência tributária? Propor a definição pessoal de competência tributária diferenciando-a de capacidade tributária ativa.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, “a competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”. Em outras palavras, a competência tributária é o poder atribuído aos entes federativos para instituir tributos, nos limites fixados pela Constituição Federal.
Difere da capacidade tributária ativa, que diz com a cobrança dos tributos já instituídos. Assim, tem capacidade tributária ativa a pessoa jurídica que pode cobrar os tributos, a qual geralmente corresponde a quem os instituiu. Contudo, é possível que outra pessoa efetue a cobrança, na forma do instituto jurídico da parafiscalidade. Isso ocorre, por exemplo, com o ITR, o qual, em que pese ser instituído pela União, poderá ser cobrado pelos municípios, nos termos do artigo 153, §4º, inciso III, da Constituição Federal.
8. Quais as características da competência tributária? Analisar a facultatividade do seu exercício relativamente à Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), que veda a transferência voluntária de receitas a entes que tenham deixado de instituir algum tributo de sua competência.
A competência tributária tem como características a privatividade, indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e a facultatividade do seu exercício. Significa dizer que a competência é privativa do ente federativo a quem foi conferida, não podendo ser exercida por qualquer outro. Nesse ponto, a doutrina defende que somente a competência da União é privativa, na medida em que ela poderá criar impostos semelhantes aos dos estados e dos municípios sempre que se estiver na iminência ou em caso de guerra externa, na forma dos impostos extraordinários (artigo 154, inciso II, da Constituição Federal).
Por outro lado, pela característica da indelegabilidade tem-se que a competência atribuída a um ente federativo não pode ser transferida a outro ente, ou seja, não pode ser delegada. Somente a pessoa jurídica que recebeu a competência tem atribuição para exercê-la. Da mesma forma, não existe prazo para o exercício da competência tributária, isto é, a norma que atribuiu a competência não perde sua validade pelo decurso do tempo.
A inalterabilidade, por sua vez, decorre do fato de a Constituição Federal ser rígida, exigindo um processo legislativo mais elaborado para sua transformação. Além disso, a competência tributária é irrenunciável, de maneira que o ente público não poderá desistir da possibilidade que lhe foi atribuída. Poderá, contudo, não exercê-la, na forma da última característica mencionada: a facultatividade do exercício. Assim, o ente público não está obrigado a criar o tributo que lhe foi conferido. Contudo, resta analisar a facultatividade do exercício das competências tributárias perante a Lei de Responsabilidade Fiscal, que prevê sanções aos entes federativos que não criarem todos os tributos.
O artigo 11 e seu parágrafo único da mencionada lei vedam a transferência de recursos voluntários para os entes federativos que não efetuarem a previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. Assim, pode-se, a priori, considerar que tal dispositivo inibiu a existência da característica da facultatividade do exercício das competências tributárias, eis que, não efetuando a criação e a arrecadação de todos os tributos a que estiver legitimado, o ente federativo não estará apto a receber receitas voluntárias.
Contudo, tenho que entendendo assim estaríamos assumindo uma possibilidade de quebra com o pacto federativo e com a hierarquia das normas, na medida em que uma lei federal teria o condão de retirar uma possibilidade garantida aos municípios e estados-membros pela Constituição Federal (artigo 145). Nesse mesmo sentido é o posicionamento de Helly Lopes Meirelles, que afirma: “em resguardo da autonomia municipal, deve-se considerar que uma norma infraconstitucional não pode impor que o Município institua todos os tributos que lhe são cabíveis no âmbito de sua competência tributária, quando a própria Constituição, garantindo aquela autonomia, outorga-lhe a faculdade para a criação dos tributos, deixando-a à discrição do legislador municipal – como definido pelo art. 145 da CF”.
O Supremo Tribunal federal ainda não teve oportunidade de se pronunciar sobre o tema, limitando-se a afirmar que a previsão legal em testilha não ofende o artigo 160 da Constituição Federal (ADI n. 2.238-MC/DF). Sendo assim, tem-se como correto o posicionamento apresentado por Hely Lopes Meirelles, no sentido de que a limitação às receitas voluntárias ofende a autonomia municipal e a presunção constitucional da facultatividade do exercício das competências tributárias.
9. O sistema constitucional tributário brasileiro admite alterações na faixa de competência tributária das pessoas políticas e na conformação dos princípios constitucionais tributários por via de exercício do poder constituinte derivado? E lei complementar pode restringir a competência tributária? Considerar as disposições contidas na letra “e” do inciso XII do §2º do art. 155 da CF/88.
Sim, a alteração das competências tributárias é plenamente possível através de emenda constitucional, eis que não é matéria arrolada no §4º do artigo 60 da Constituição Federal. Ainda que o fosse, as cláusulas pétreas não podem ser abolidas, ou seja, extintas do texto constitucional, não havendo qualquer óbice a sua alteração. Portanto, não subsiste possibilidade de betar a alteração das competências tributárias por emenda constitucional.
A restrição à competência tributária, contudo, não poderá ocorrer por via de lei complementar, haja vista que, diante da hierarquia das normas, não é possível que uma lei complementar venha a suprimir parte do texto constitucional, como é o caso das competências tributárias nele fixadas.
No caso do art. 155, §2º, inciso II, alínea “e”, o que ocorre não é uma restrição à competência para instituição do tributo, mas sim uma limitação à hipótese de incidência do imposto. Além disso, tais regramentos são plenamente válidos para o ICMS para evitar a guerra fiscal entre os estados.
10. A Emenda Constitucional n. 39/2002 acrescentou à Constituição o art. 149-A e parágrafo único, dispondo:
“Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de energia elétrica”.
Com fundamento nesse dispositivo, a Prefeitura de Itumambé instituiu o seguinte tributo:
Prefeitura Municipal de Itumambé, Decreto Municipal 3.708 de 10/10/2003 (DOM 13/10/2003)
Art. 1º Fica instituída contribuição para o custeio do serviço municipal de energia elétrica que tem como fato gerador a prestação do serviço de energia elétrica pelo Município.
Art. 2º A base de cálculo é o valor da fatura de consumo de energia elétrica.
§1º A alíquota é de 0,5%.
§2º Os contribuintes que morarem na região central pagarão 50% a mais do valor devido.
Art. 3º Contribuinte é o consumidor de energia elétrica.
Art. 4º Compete à Secretaria de Finanças fiscalizar o abatimento realizado pela concessionária.
Art. 5º A importância devida a título dessa contribuição deve ser paga até o último dia do mês subsequente e recolhida pela concessionária de energia elétrica juntamente com a fatura mensal de consumo, ficando a concessionária responsável pelo abatimento do montante recolhido da fatura municipal.
Parágrafo único. O não-pagamento da contribuição, ou o não repasse, implica multa de 150 UFIRs.
Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, devendo produzir todos os seus efeitos a partir do dia 01/11/03.
Pergunta-se:
a) Há vedação constitucional à ampliação da competência tributária municipal por meio de emenda constitucional? Em caso afirmativo, qual(is)?
Sim, existe tal vedação. De acordo com o artigo 60, §4º, da Constituição Federal, “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. Dentre tais direitos encontra-se o de o contribuinte não ser tributado além dos limites constitucionalmente impostos. Assim, não é dado ao constituinte derivado criar novas possibilidades de tributação, além daquelas previstas no texto originário.
Nesse mesmo sentido é a doutrina de Ayres Ferdinando Barreto, que dispõe: “a Emenda n. 39/2002, por ter afrontado cláusulas pétreas, está insanavelmente viciada por inconstitucionalidade: primeiro porque implica a abolição dos limites do poder de reforma; derruba as balizas dessa diretriz para atribuir ao Município tributo cuja espécie a Constituição reservou à União; segundo, porque a emenda aniquila o direito individual de os contribuintes não serem tributados, à luz da imodificável discriminação de rendas, plasmada na Constituição”.
Sendo assim, a emenda constitucional que visa a ampliação da competência tributária municipal é inconstitucional, eis que não preserva as cláusulas pétreas.
b) Os Municípios podem, na criação de tal contribuição, com fundamento no art. 149-A da CF, utilizarem-se de uma das materialidades que lhe foram atribuídas constitucionalmente para a instituição de impostos? E das materialidades atribuídas aos Estados, Distrito Federal e União por ocasião da repartição constitucional das competências para instituição de impostos? Há vedação constitucional quanto à materialidade eleita: “consumir energia”? Justifique. (anexo III)
Os municípios não podem utilizar de hipóteses de incidência previstas para a instituição de impostos, bem como não poderão invadir a esfera de competência prevista para os demais entes federativos, sob pena de quebra com o sistema de competências tributárias estabelecido pela Constituição Federal. Somente a União pode instituir imposto extraordinário sobre hipóteses que sejam da competência de outro ente federativo, na forma do artigo 154, inciso II, da Constituição Federal. Assim, consoante já mencionado nas questões anteriores, a competência da União é privativa e somente ela pode ingressar no âmbito de competência dos estados e dos municípios, sendo plenamente vedado a estes utilizarem das competências outorgadas a outros entes.
No caso da energia elétrica, em específico, o §3º do artigo 155 da Constituição Federal prevê a impossibilidade de qualquer outro imposto, além do ICMS, incidir sobre as operações relativas a energia elétrica. Contudo, em que pese a exação em comento ter nuances de imposto, para o sê-lo seria preciso que a receita não fosse vinculada à prestação que a origina, o que não ocorre. Portanto, por certo que a COSIP não se trata de um imposto, razão pela qual pode, em tese, incidir sobre as operações relativas à energia elétrica.
Contudo, no caso da lei fictícia tratada na questão, a materialidade escolhida não corresponde ao artigo 149-A da Constituição Federal, razão pela qual a lei vem a ser inconstitucional. Vale dizer, o texto constitucional prevê a contribuição para o custeio da iluminação pública, que não se confunde com a prestação do serviço de energia elétrica tributado na lei do município de Itumambé.
c) Quais princípios tributários não foram observados pela Prefeitura de Itumambé ao instituir esse tributo?
No caso do tributo instituído pela Prefeitura de Itumambé, diversos princípios tributários foram infringidos. Inicialmente, não foi observado o princípio da legalidade, na medida em que o tributo foi instituído por um Decreto Municipal, quando deveria ter sido instituído por lei. Além disso, consoante mencionado na questão anterior, a prestação de energia elétrica não é passível de ser tributada com contribuição, na medida em que não se enquadra na hipótese do artigo 149-A bem como infringe o pacto federativo, pois somente a União pode instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, na forma do artigo 149 da Constituição Federal.
Os parágrafos do artigo 2º, por sua vez, infringem o princípio da isonomia, na medida em que o endereço não é capaz de demonstrar a igualdade entre determinado grupo de contribuintes que residem na região mencionada.
Por fim, a lei ofendeu o princípio da anterioridade, pois os tributos somente podem ser cobrados no exercício anual posterior e depois de decorridos 90 dias da data em que foi publicada a lei que os instituiu. Assim, ao publicar uma lei na data de 13/10/2003 e prever a cobrança do tributo a partir de 1º/11/2003 restou contrariado o princípio da anterioridade, de maneira que a contribuição somente poderia ser cobrada a partir de 14/01/2004.
d) A alteração do prazo de pagamento deve respeitar o princípio da anterioridade?
O princípio da anterioridade decorre do artigo 150, inciso III, e do §6º do artigo 195, ambos da Constituição Federal. No primeiro caso, aplica-se aos tributos em geral, determinando-se que é vedado cobrar tributos no mesmo exercício financeiro e antes de decorridos 90 dias da lei que os instituiu ou aumentou. Já o segundo dispositivo refere-se apenas às contribuições sociais, determinando que elas somente poderão ser exigidas após o decurso do prazo de 90 dias da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não sendo necessário o respeito à anterioridade do exercício.
Quanto à situação dos tributos em geral, o texto constitucional é claro ao mencionar as duas hipóteses em que se aplica o princípio da anterioridade: instituição ou majoração de tributos.
Já quanto às contribuições sociais, impende verificar se a alteração do prazo para pagamento se enquadra entre as modificações que estão sujeitas à anterioridade nonagesimal. Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que “somente nos casos em que a lei cria ou modifica tributos a anterioridade é absoluta. O princípio da anterioridade diz respeito à criação e ao aumento do tributo, não à mudança de prazo de recolhimento. [...] nada existe que indique que a simples mudança de prazo de recolhimento constitua situação que faça depender a exigência do decurso da vacatio legis”.
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[ 1 ]. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 170.
[ 2 ]. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 175.
[ 3 ]. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 179.
[ 4 ]. LARENZ apud ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 35-36.
[ 5 ]. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 192.
[ 6 ]. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 62.
[ 7 ]. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 64.
[ 8 ]. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 71.
[ 9 ]. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 83.
[ 10 ]. Conforme RE n. 343.446/SC.
[ 11 ]. Artigo disponível em: http://www.barroscarvalho.com.br/art_membros/Fabiana%20Tom%C3%A9%20-%20ESTRITA%20LEGALIDADE%20E%20A%20IMPORT%C3%82NCIA%20DAS%20PROVAS.pdf, acesso em: 19 abr. 2012.
[ 12 ]. 1ª Câmara, AC. 101-93730, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, sessão de 24/01/2002
[ 13 ]. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, 16.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 152.
[ 14 ]. (RE 181832, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 28/06/1996, DJ 27-09-1996 PP-36166 EMENT VOL-01843-05 PP-01007)
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