Teoria Pura do Direito: Breve estudo
Por: JessicaTeles • 30/6/2015 • Artigo • 17.859 Palavras (72 Páginas) • 302 Visualizações
Teoria Pura do Direito: breve estudo
I. Hans Kelsen: uma introdução
1. Nascido em 1881, em Praga, então integrante do Império Austro-Húngaro, Hans Kelsen é considerado um dos mais importantes juristas de todos os tempos. Sua obra tem início em 1911, com a publicação de Problemas Fundamentais de Teoria Jurídica do Estado e só vai terminar em 1973, quando morre, em Berkeley, nos Estados Unidos. Durante todo esse tempo, escreveu ininterruptamente, com uma vastíssima produção, que ultrapassa os seiscentos títulos.
2. É comum ouvir-se falar muito sobre Kelsen, a favor e contra sua obra, mas a maioria das pessoas posiciona-se sem jamais tê-lo efetivamente lido, antes possuindo apenas um conhecimento superficial de sua vasta obra. De fato, a maior parte daqueles que o criticam desconhece que Kelsen, além de teórico da ciência do Direito, foi eminentíssimo jusfilósofo, autor de obras fundamentais nesse campo do saber jurídico, tais como: O Problema da Justiça,[1] A Justiça e o Direito Natural,[2] A Ilusão da Justiça,[3] O que é Justiça?,[4] entre muitas outras de inegável valor.
Não menos importante é sua contribuição ao Direito Constitucional, sendo responsável direto pela concepção e difusão, principalmente na Europa, do chamado controle concentrado de constitucionalidade, por via de ação, eis que idealizou o primeiro Tribunal Constitucional da história (que integrou por nove anos), ao redigir, em 1920, a Constituição da Áustria – sua terra natal. A esse respeito, é famosa sua polêmica contra Carl Schmidt, a propósito de definir quem seja o órgão mais indicado para velar pela Lei Fundamental. Sustentou, vitoriosamente, em famoso ensaio denominado Quem deve ser o Guardião da Constituição?,[5] a idéia de uma jurisdição constitucional, a ser exercida pelo Tribunal Constitucional, órgão específico, situado à parte dos poderes do Estado (assim opondo-se ao jurista alemão, que sustentava fosse tal atribuição reservada ao führer).
Igualmente relevante é sua contribuição à Teoria Geral do Estado, em que avultam, entre outras obras, a polêmica Teoria Comunista do Direito e do Estado, a essencial Teoria Geral do Direito e do Estado [6]6, assim como A Democracia.[7]7 Por fim, embora não venham a exaurir-se aí os temas sobre que se concentra a produção kelseniana, seus trabalhos sobre Direito Internacional são, também, devidamente reconhecidos, notadamente os pertinentes à relação entre o Direito dos Estados soberanos e a ordem jurídica supra-nacional,[8]8 bem como a Teoria Geral do Direito Internacional Público, além de Direito e Paz nas Relações Internacionais.
3. A crítica a Kelsen, com notáveis exceções,[9]9 é preconceituosa e açodada, não raro partindo de pessoas sem a necessária qualificação para formulá-la, a par de não haverem-no lido realmente. A tal propósito, é oportuno transcrever instrutiva advertência do tradutor brasileiro de sua última e póstuma obra, Teoria Geral das Normas,[10]10 prof. José Florentino Duarte:
“Para entender Kelsen é necessário - sublinho-o! - que o leitor faça seu espírito aceitar os fundamentos e a argumentação que o autor da Teoria Pura do Direito apresenta. Comporte-se, por mais ilustrado e ilustre e culto que seja, como um modesto discípulo leigo, que apenas deseja captar o pensamento e a intenção científicos do mestre. (...) Se, porém, pretende criticar a Kelsen, então o problema assume outra projeção: arme-se, primeiro, de amplíssimos conhecimentos jusfilosóficos e, mesmo com uma bagagem imensa, o árduo labor será difícil, quiçá improfícuo, como aconteceu com aqueles que se arrojaram, se aventuraram, se arriscaram a tal cometimento.” [11]11
4. Costuma-se afirmar que há dois Kelsen,[12]12 de modo a referir-se à existência de duas fases de sua produção em tema de Teoria do Direito.
O primeiro Kelsen, nessa acepção, seria o da Teoria Pura do Direito, anterior à segunda grande guerra, quando publica a obra referida, em que prepondera, como não poderia deixar de ser, uma visão européia continenental, romano-germânica do Direito, ao passo que o segundo Kelsen refletiria a importante guinada de seu pensamento, ao tempo de sua passagem pelos Estados Unidos, fugindo do nazismo, quando prepara o material que veio a ser publicado postumamente sob o título de Teoria Geral das Normas, em que revê muitas de suas anteriores posições sobre alguns pontos relevantes de sua obra.
Já Arnaldo Vasconcelos,[13]13 prefere divisar nada menos que três distintos momentos em Kelsen: primeiramente, um Kelsen europeu, fortemente influenciado por Kant e por suas raízes continentais de direito legislado; após, aponta para um Kelsen norte-americano, que altera muito seu pensamento, sob o influxo da convivência com o common law; por fim, na ótica do professor cearense, o Kelsen da Teoria Geral das Normas, quando reformula sua doutrina e lhe dá contornos definitivos.
O certo é que sua importância na formação do pensamento jurídico de muitas gerações no mundo inteiro não pode ser obscurecida. No dizer de Arnaldo Vasconcelos (op. cit., p. 3), a propósito da imensa dificuldade de estudar tal pensador, “a grandeza da presença de Kelsen, que domina todo o século XX, qual um novo Kant a balizar os rumos dos estudos contemporâneos da Filosofia e da Teoria Geral do Direito, por si só já justificaria o esforço.” Ou, ainda, nas palavras do tradutor, já referido, da Teoria Geral das Normas, “a posição kelseniana é um legítimo divisor do pensamento jurídico universal: o que existe hoje em Teoria do Direito situa-se antes e depois de Kelsen.”[14]14
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