Contribuições da Sociologia e da Antropologia aplicadas ao Estudo das Moedas Sociais: O caso Palmas
Por: Ellen Carbonari • 17/9/2018 • Monografia • 1.535 Palavras (7 Páginas) • 325 Visualizações
RESUMO
INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas, percebe-se que as crises econômicas assumem cada vez mais a forma de crises financeiras. Os termos crédito, moeda, mercado, uma vez circunscritos ao entendimento de acadêmicos, passaram a compor a semântica de todas as classes, adentrando cada vez mais nos cotidianos contemporâneos. A centralidade assumida pelo aspecto econômico na semântica das pessoas está para Neiburg (2010) relacionada às formas de pensar, agir e falar que compõe o social moderno. A relevância da economia nas vidas humanas e por consequência, do dinheiro, enquanto expressão máxima de trocas e sociabilidades é o que justifica as iniciativas deste trabalho.
Para além das conhecidas críticas ao capitalismo pelo marxismo - ao caráter privado da apropriação do trabalho comum (exploração) e do destino comum (alienação) -, destacam-se historiadores, sociólogos e antropólogos, como Karl Polanyi e Marcel Mauss que também reconhecem a especificidade histórica das bases sociais deste sistema, que não são as mesmas das sociedades antigas. A antropologia e a sociologia econômica têm se ocupado em demonstrar como o capitalismo envolve uma condição particular de relações entre pessoas e coisas, pontuando que a teoria neoclássica não dá conta da complexidade de relações entre todos os atores envolvidos.
Adentrar à complexidade da vida social moderna passa, necessariamente, por um exercício de observar o dinheiro enquanto instituição e reconhecer o papel que este ocupa. Uma evidência da relevância do assunto (somada às crises financeiras) é a observação de uma série de movimentos que começaram a surgir, especialmente a partir dos anos 1980, no sentido de criar alternativas às moedas nacionais. As moedas sociais são uma categoria dentre tantas moedas complementares que eclodiram pelo mundo. Atualmente, é possível encontrar no Brasil 103 moedas sociais, reconhecidas pelo Banco Central, criadas e coordenadas por movimentos da sociedade civil. Tais manifestações surgem, comumente, como expressão de lutas contra a marginalização dos territórios em que estão presentes (BURIGO, 2002; RIGO 2014; BORGES, 2010). Evidencia-se, portanto, que há um aspecto para além do econômico que permeia as práticas e a própria constituição de tais moedas.
Ao reconhecer que a teoria econômica não basta para o entendimento dos fatos sociais totais, é que o presente trabalho busca aproximar-se da compreensão da moeda como instituição social, que é instrumento de troca e reserva de valor, mas que também carrega riqueza, poder, moralidades e medeia relações entre coisas e pessoas. Parte-se da hipótese de que há sociabilidades exprimidas atrás da moeda, que são, entretanto, veladas nas relações econômicas próprias do capitalismo. Espera-se demonstrar que a moeda social é uma manifestação que revela, mais perceptivelmente, atribuições amplas da moeda, e por isso, é o objeto de estudo escolhido desta monografia. Por ser própria de comunidades, torna-se necessário observá-la dentro de um contexto específico, atrelada a pessoas concretas e às lutas próprias do lugar. Tal é o caso da moeda social Palmas, no Ceará, criada e gerida pelos moradores desde 2002. Assim, reconhecendo os limites de uma monografia, o exercício aqui proposto, qual seja, identificar as principais contribuições da antropologia e da sociologia econômica à análise da moeda social Palmas.
Para realizar o exercício proposto será feita uma pesquisa de caráter qualitativo, apoiado em revisão bibliográfica de autores da antropologia e da sociologia econômica que contribuem para a atualidade da análise das moedas sociais. A apresentação dos autores escolhidos dar-se-á na sequência da estrutura dos próprios capítulos, que são também, os objetivos específicos deste trabalho.
Assim, o capítulo primeiro ocupa-se de apresentar e elucidar os principais aportes teóricos da sociologia e da antropologia econômica ao mesmo tempo em que busca relacionar estes com Karl Marx, uma vez que o autor é um dos poucos clássicos da teoria política econômica que percebe a não neutralidade da moeda. Marx é fundamental por advertir quanto ao domínio da esfera econômica sobre as demais áreas da vida humana e observar que a mercadoria-dinheiro, ao tomar para si o posto de equivalente geral monopolizando a representatividade do valor, vela, cada vez mais, as relações sociais reais (RIGO,2014; BRUNHOFF, 1957).
Marcel Mauss e Karl Polanyi estão entre os antropólogos que beberam da fonte da “Escola Histórica da Economia Política” e que, mesmo recusando o materialismo histórico e dialético marxiano, destacam a importância de observar as sociedades passadas para a compreensão da sociedade moderna. Não cabe aprofundar, aqui, a questão metodológica dos autores, mas é fundamental salientar que, nas análises históricas que abrem mão de uma filosofia focada na análise das contradições internas que configuram o sistema capitalista como uma totalidade em movimento, é comum uma análise filosófico metodológica outra, da divisão da sociedade em esferas (CAMPREGHER, 2002).
Mauss é referido pois fornece aos seus leitores um novo olhar sobre a organização lógica do social, a dádiva, que supera antigos paradoxos das ciências humanas – o holismo e o individualismo. Segundo Martins (2003) a dádiva é o fundamento da sociabilidade e da comunicação humanas. A partir de sua publicação datada de 1925 intitulada Ensaio sobre a Dádiva, o antropólogo e etnólogo permite a percepção da prática social como uma totalidade simbólica de fluxos e refluxos, expressos no seu conceito de fenômenos sociais totais. Abre-se, a partir daí, caminho para o estudo e para a observação empírica de relações de reciprocidade e solidariedade nas sociedades contemporâneas, embora o autor tenha se dedicado a observação de sociedades arcaicas. Tais princípios são basais na compreensão dos movimentos da Economia Solidária (ES), os quais estão fortemente ligados à constituição das moedas sociais (FRANÇA; DZIMIRA, 1999). Aliás, ao adentrar no Conjunto Palmeiras, bairro onde nasce e circula a moeda social Palmas, lê-se uma placa “Bem-Vindos ao bairro da Economia Solidária” (RIGO, 2014). Tais pontes entre dádiva, ES e moeda social serão apresentadas nos capítulos seguintes, a partir das análises de pesquisadores atuais que inserem Mauss na pauta da ES.
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