O Trainee Vetor Brasil
Por: Jferrato • 4/10/2019 • Trabalho acadêmico • 4.812 Palavras (20 Páginas) • 145 Visualizações
Do outro lado do Atlântico: uma breve perspectiva sobre Cooperação Sul-Sul na área de defesa durante os anos Lula com foco no continente africano
Júlia Ferrato Pires
1 Introdução
O Governo Lula (2003-2010) tem como um dos seus marcos a inflexão da agenda neoliberal , que encontrava eco no país durante o período anterior. Com o fortalecimento da corrente de caráter autonomista (SARAIVA,2007), notou-se maior vigor na defesa da diversificação de parcerias estratégicas e da projeção mais autônoma do Brasil na política internacional. Dessa maneira, o destaque com países do Sul foi evidente. Além de ter buscado prestígio junto à região sul-americana, o país retomou a política externa brasileira para a África, e elevou a importância do Atlântico Sul.
Concomitantemente, o decreto da Política de Defesa Nacional outorgado em 2005 e, mais tarde, a Estratégia de Defesa Nacional de 2008 definiram o Atlântico Sul bem como os países lindeiros da África como área do entorno estratégico brasileiro, para onde deveriam se voltar as preocupações mais agudas na área de defesa do país. Logo, por essa perspectiva, é notável uma convergência da temática de ambas agendas, mesmo que de maneira não articulada e inconclusa. (LIMA,2015)
Sabe-se, no entanto, que cooperação Sul-Sul no campo de defesa e segurança ainda é um dos temas menos explorados academicamente. Sendo assim, elegeu-se aqui abordar o envolvimento do Brasil com o que foi definido, nos documentos acima citados, como sendo o seu entorno estratégico. Optou-se por, sobretudo, a relação Brasil-África no Atlântico Sul. Procuraremos, assim, avaliar como os projetos de cooperação em defesa com o continente africano podem refletir a política externa do momento recortado. Ademais, buscar-se-á verificar a dinâmica de cooperação em defesa na região vinculando aos interesses das Forças Armadas, no que veio a ser chamado por Celso Amorim, como o “cinturão de boa vontade”. Por fim, nesse artigo, também ambiciona-se analisar de que maneira a promoção desse perímetro pelo Brasil vai ao encontro de uma construção de identidade regional , na qual o país assuma protagonismo, de modo a reduzir, assim, a possibilidade de confrontos nesse entorno, condição para a manutenção de paz no próprio país.
2 Os laços históricos: uma perspectiva
Esta seção tem por finalidade percorrer o histórico da relação do Brasil com a África e o Atlântico Sul a fim de compreender como se deu o interesse pela região. É necessário salientar que ,apesar de serem esses dois entornos o foco deste artigo, há especificidades que por vezes dizem respeito a somente uma dessas regiões, embora em outros momentos possa aparentar que ambas compõem um mesmo perímetro, tendo em vista a confluência dos interesses brasileiros para com elas.
O Atlântico Sul, definido como espaço marítimo situado entre América do Sul e África , é hoje parte do entorno estratégico brasileiro, no entanto, a sua importância para o país é histórica. No período da colonização portuguesa e invasões holandesas e francesas ,tal região serviu de canal. Mais tarde, foi palco do teatro da segunda Guerra Mundial, onde ocorreram os torpedeamentos das embarcações brasileiras por submarinos alemães.
Conforme o Brasil foi se desenvolvendo, o Atlântico Sul foi ganhando mais notoriedade. Assim, com o processo de industrialização brasileira durante o século XX, a importância desse entorno foi se tornando mais clara. Como Pio Filho (2015a) sugere o Atlântico Sul é vital para que se dê a continuidade do crescimento e desenvolvimento brasileiro.
Ao longo das décadas 60 e 70, com os militares no governo, tentou-se militarizar o Atlântico Sul por meio da proposta da criação de uma organização militar ,que congregasse alguns países das duas margens. Essa concepção, contudo, não foi bem sucedida, de modo que se passou o oposto, e o Atlântico sul foi desmilitarizado. A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) criada em 1986, nascida ainda dentro do contexto da Guerra Fria, tinha como premissa evitar a militarização da região num período em que o Brasil tomava consciência do mar como uma área estratégica para o desenvolvimento e segurança do país, o que foi refletido no esforço em ter reconhecido o seu direito em torno da Zona Econômica Exclusiva. Em 1990, tal Zona foi reformulada , já que a situação política do outro lado do Atlântico se alterou, com o fim do regime do apartheid da África do Sul, e a independência de países como Namíbia, o que proporcionou a retomada do diálogo político. No entanto, o Atlântico Sul não foi prioridade da diplomacia durante esse período já que a agenda internacional tinha em pauta o processo de globalização, de modo que temas como segurança ficaram em segundo plano, o que levou ao Brasil a retomar a aproximação com parceiros tradicionais.
Pela falta de um Ministério de Defesa, só criado em 1999, a Marinha Brasileira preencheu grande parte da lacuna existente dentro do âmbito de defesa. Elaborando assim, na sua Estratégia Naval, o conceito de “regionalidade abrangente” , que conferia conotação política ao Atlântico sul, e projetava o poder naval para além do mar territorial, incluindo a região oeste africana. De modo que a marinha assumiu o papel ,durante esse período, de grande articuladora entre política externa, e a estratégia brasileira. Apesar dos seus esforços, o primeiro documento de politica de defesa nacional, elaborado em 1996 pouco abordava a atuação da Marinha no atlântico sul, além de enfatizar a atuação da diplomacia na promoção no anel de paz, em detrimento das forças armadas. Esse é um dos exemplos de uma série atritos que vierem a surgir entre as forças armadas e a tentativa de criação de um órgão civil para assuntos de defesa.
Em 2001, com o atentado às torres gêmeas, a segurança internacional volta a assumir destaque na agenda dos países, e assim, nessa mesma década, sob o governo Lula, o Atlântico sul retoma certo protagonismo dentro da estratégia brasileira, o que é repercutido nos documentos que foram desenvolvidos, e que serão analisados em tópicos mais a frente.
Já em relação ao continente africano, foi apenas em 1970 que o Brasil passou a ter mais interesse pela região. Durante o governo Jânio Quadro, o país ensaiou uma política africana, dentro da Política Externa Independente, com as primeiras iniciativas sendo prejudicadas pelo apoio brasileiro ao colonialismo português. Então, foi somente com o governo Médici, e mais precisamente com Geisel, que o Brasil pode formalizar uma política ampla voltada para o continente africano, em uma vertente notoriamente Atlântica. Os anos 1980, por sua vez, foram marcados pela crise econômica e pelas dificuldades políticas, cujos impactos foram refletidos na projeção do Brasil no exterior, prejudicando o intercâmbio comercial com países do continente. À medida que a presença brasileira na região ia minguando, a diplomacia brasileira redefinia suas prioridades, voltando-se para os vizinhos sul-americanos. A Zopacas, aqui já abordada, serviu como uma leve descontinuidade desse padrão, mas na década seguinte, as relações voltam a se retrair. Apesar disso, não se pode ignorar que África do Sul, Nigéria, e Angola ,além dos membros africanos da CPLP continuaram sendo parceiros ativos do Brasil durante esse período. A virada para o século XXI trouxe mudanças internas no sistema dos países africanos, que possibilitaram maior estabilidade no continente , favorecendo a reaproximação dos laços brasileiros com a África. Esse momento de redução de conflitos e diminuição de desigualdades no continente coincidiu com o período do presidente Lula no Governo brasileiro, que teve grande influência nessa retomada da aproximação com os países da outra margem do Atlântico, como parte da política externa.
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