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O Direito, a Política e o Sagrado

Por:   •  23/11/2018  •  Resenha  •  1.298 Palavras (6 Páginas)  •  141 Visualizações

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Fichamento acerca do texto
"O Direito, a Política e o Sagrado", de Paulo Ferreira da Cunha

No texto "O Direito, a Política e o Sagrado", Paulo Ferreira da Cunha, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, procura defender, por meio de argumentos embasados majoritariamente em fatos históricos,  sua tese "Direito é coisa sagrada". Pode-se afirmar que o texto apresenta como delimitação temática a relação entre sacralidade e Direito ou, de forma ainda mais específica, as manifestações do sagrado no âmbito do Direito Constitucional. Partindo da ideia de que o poder sempre esteve arraigado ao Direito, por meio de ritos, liturgias e pela força da palavra, Cunha tenta promover uma aproximação entre o Direito, o Estado e as religiões, haja vista que as formas simbólicas e míticas características das práticas religiosas podem também ser observadas no universo jurídico. O autor, nesse sentido, defende a ideia de que o exercício do poder é o que articula o Direito à religião.

Em um primeiro momento, Cunha dedica-se à exploração do conceito de sagrado, o qual, segundo ele, é tão polissêmico e complexo, que chega a ser um não-conceito, algo que não é passível de ser definido em palavras. O sagrado é, na verdade, um signo flutuante, quase vazio: apresenta uma quantidade tão grande de significantes e significados, que se torna um signo volátil. Trata-se da "triangulação do sagrado", a qual tende ao infinito. Por essa razão, nas palavras do autor, o sagrado pode ser considerado intangível, inefável, isto é, inalcançável, inexprimível por meio da linguagem. A experiência do sagrado possui ainda o caráter do numinoso. É uma experiência que, simultaneamente, encanta, fascina e amedronta, fazendo com o tempo ordinário pareça se transformar em extraordinário. Nesse sentido, pode-se comparar o sagrado ao perigo, por exemplo.

Como já mencionado, na relação entre Estado, Direito e religião, "[...] quer o Estado quer o Direito têm também uma sacralidade - do mesmo modo (embora não do mesmo tipo) que as confissões religiosas.". Contudo, Cunha procura diferenciar a "sacralidade religiosa propriamente dita" da "sacralidade estadual e jurídica", a qual, em determinadas ocasiões, pode transformar o Estado e o Direito em religiões laicas. Nesse sentido, o numinoso do sagrado, característico das religiões, também pode ser observado mediante o exercício do poder político pelo Estado e no universo do Direito.

Na segunda parte do texto, intitulada "Formas e Tempos do Sagrado no Direito e na Política", o autor visa a promover uma identificação das manifestações do sagrado no âmbito jurídico. Dentre os preceitos que remetem ao sagrado, destaca os que apontam para a ideia de "divindade" e os que apontam para uma "transcendência". A teoria do direito divino, por exemplo, uma das quais buscou justificar a soberania como elemento constitutivo do Estado, relaciona-se, explicitamente, à "divindade": é a ideia de que Deus escolhe os soberanos para governar. Quando se alude ao universo das normas, do "dever-ser", em contraposição ao universo da natureza, do "ser", é estabelecida uma relação com a "transcendência", com a "transcendência humana".

No Direito arcaico, muitas são referências feitas, ainda que implicitamente, à divindade e ao sagrado de forma geral. Nos duelos, por exemplo, havia o pressuposto de que só sairia vitorioso o indivíduo que tivesse razão, ou seja, aquele que fosse protegido por um Deus-juiz. Nas guerras, os soldados eram considerados espécies de anjos, dispostos a sacrificar a vida em nome de seu povo e de seu Estado. Nos juramentos, a figura de um Deus vigilante estava presente, Deus este que viria a castigar o sujeito que omitisse a verdade dos fatos.

De acordo com Cunha, de forma semelhante ao que se observa no Direito arcaico, nos Direitos medieval, moderno e contemporâneo, o sagrado também se mostra atuante e bastante presente, a começar pelas três esferas estatais de poder. No executivo, o monarca é tomado como personificação do sagrado; no legislativo, tal caráter é atribuído às leis e ao corpo legislativo (especialmente na Idade Moderna e na Idade Contemporânea); no judiciário, todos os agentes públicos sempre foram divinizados.

No que concerne especificamente à figura do rei, mesmo antes do advento da teoria da separação dos poderes, formulada por Montesquieu, os soberanos já eram vistos como verdadeiros substitutos de Deus na Terra. Na França e na Inglaterra, por exemplo, além de ser tratado como o "grande pai" do povo, acreditava-se que o rei possuía também poderes curativos, concretizados por meio da imposição de suas sagradas mãos sobre os doentes. Ademais, a célebre frase "The king is dead. God save the king." sintetiza a teoria da existência de dois corpos do rei, um mortal, e outro eterno, imortal e, portanto, divino. Com o passar do tempo e o advento do constitucionalismo, no entanto, o rei foi perdendo sua função de chefe de governo, dedicando-se apenas à chefia do Estado. Nesse sentido, passou a ser associado a um deus ocioso, criador do mundo, mas apartado dele.

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