Didatica Matematica
Exames: Didatica Matematica. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 24/6/2014 • 1.592 Palavras (7 Páginas) • 371 Visualizações
Trajetórias do saber e a transposição didática.
O objetivo deste capítulo é descrever um estudo das transformações por que passam os conteúdos da educação matemática, através da noção de transposição didática, tal como foi definida por Chevallard (1991). Fazemos isto com a consciência de que se trata da tentativa de divulgar uma noção essencialmente acadêmica para o território mais amplo da formação de professores e da iniciação à pesquisa. Ao realizar esta descrição, estamos pressupondo que o fenômeno educacional da matemática se revela por uma multiplicidade de dimensões, a qual deve ser considerada na análise de qualquer situação relativa ao ensino desta disciplina.
Quando se trata da prática pedagógica, a análise dessa multiplicidade requer priorizar alguns aspectos, tal como a seleção de conteúdos e materiais didáticos, sem perder de vista suas conexões com o horizonte mais amplo da educação. É com essa visão que abordamos a noção de transposição didática, sendo uma de suas dimensões o caminho evolutivo dos conceitos.
Transposição dos saberes.
A transposição didática pode ser entendida como um caso especial da transposição dos saberes, sendo esta entendida no sentido da evolução das idéias, no plano histórico da produção intelectual da humanidade. No caso das ciências e da matemática, essa evolução ocorre sob um controle mais intenso dos respectivos paradigmas. De acordo com Kuhn (1975), os paradigmas são princípios e regras que os membros de uma comunidade científica compartilham entre si, visando à validação dos saberes produzido nesse contexto. Para que uma produção seja reconhecida como científica é preciso que os membros da respectiva comunidade respeitem o conjunto dessas regras. Dessa forma, os conceitos de transposição e o próprio saber científico estão interligados, o que fica mais evidente quando sua análise é remetida ao plano pedagógico, onde toda transposição está relacionada a um saber específico, assim como toda aprendizagem se faz sob a influência de uma transposição.
A noção de transposição pode ser analisada no domínio mais específico da aprendizagem para caracterizar o fluxo cognitivo relativo à evolução do conhecimento, restrita ao plano das elaborações subjetivas, pois é nesse nível que ocorre o núcleo do fenômeno.
Transposição didática
O estudo das prioridades que orientam a prática pedagógica é também uma das atribuições da didática, que deve fornecer referências a fim de estabelecer propostas de conteúdo para a educação escolar. Não se trata de uma escolha direta e imediata, e, sim, da existência de um longo processo seletivo por que passam os saberes. Uma das fontes de seleção do saber escolar é a própria história das ciências, que através de sucessivas transformações, fornece a parte essencial do conteúdo curricular. Estes têm conexões com a ciência, mas se mantêm pelas suas características próprias. A noção de transposição estuda a seleção que ocorre através de uma extensa rede de influências, envolvendo diversos segmentos do sistema educacional.
Criações didáticas
A escolha dos conteúdos escolares se faz principalmente através das indicações contidas nos parâmetros, programas, livros didáticos, softwares educativos, entre outras fontes. Mas, embora tais fontes sejam pré‐existentes ao processo de escolha, é possível perceber que alguns conteúdos são verdadeiras criações didáticas incorporadas aos programas, motivadas por supostas necessidades do ensino, servindo como recurso para facilitar a aprendizagem. A princípio, tais criações têm uma finalidade eminentemente didática, entretanto, o problema surge quando sua utilização acontece de forma desvinculada de sua finalidade principal. Este é o caso dos produtos notáveis que, quando ensinados sem um contexto significativo, passam a figurar apenas como o objeto de ensino em si mesmo. Para estar atento a essas distorções, é necessário cultivar um permanente espírito de vigilância que deve prevalecer ao longo de toda a análise da transposição didática, pois é o conjunto das criações didáticas que evidencia a diferença entre o saber científico e o saber ensinado.
Exemplos de transposição didática
Um exemplo de transposição didática, descrito por Chevallard (1991), é o conceito de distância. Desde a época em que podemos falar da influência de Euclides na geometria, a noção de distância entre dois pontos foi estudada de uma forma quase espontânea. Entretanto, em 1906, essa noção foi generalizada pelo matemático Fréchet1 com o objetivo de trabalhar com os chamados espaços de funções. Como consequência, a partir da década de 70, após passar por diversas transformações, a noção foi inserida no currículo escolar francês. Antes dessa data, ela já era estudada como uma ferramenta para os matemáticos. Após sua inclusão nos programas, ela passou a ser estudada, quase sempre, como um objeto de estudo em si mesmo, sem necessariamente ter vínculos com aplicações compreensíveis para o aluno.
Quando a evolução das idéias é analisada em relação a um determinado conceito, como no caso da noção de distância, trata‐se de uma transposição didática stricto sensu. Por outro lado, se a análise é desenvolvida no contexto mais amplo, não se atendo a uma noção particular, trata‐se de uma transposição didática lato sensu. O Movimento da Matemática Moderna é um exemplo de transposição didática lato sensu.
Saber científico e saber escolar
O saber científico está associado à vida acadêmica, embora nem toda produção acadêmica represente um saber científico. Trata‐se de um saber criado nas universidades e nos institutos de pesquisas, mas que não está necessariamente vinculado ao ensino básico.
Sua natureza é diferente do saber escolar. Podemos destacar a existência de uma diferença entre a linguagem empregada no texto científico e escolar. Para análise dos saberes escolar é necessário que se coloque o problema de linguagem. Se, por um lado, o saber científico é registrado por uma linguagem codificada, o saber escolar não deve ser ensinado nessa forma, tal como se encontram redigidos nos textos e relatórios técnicos.
O saber escolar representa o conjunto dos conteúdos previsto na estrutura curricular das várias disciplinas escolares valorizadas no contexto da história da educação. Por exemplo, no ensino da matemática, uma parte dos conteúdos tem suas raízes na matemática grega, de onde provém boa parte de sua caracterização. Existe uma forma na qual as atividades são normalmente apresentadas aos alunos e vários aspectos estão vinculados aos conceitos matemáticos tal como foram criados. Em seguida, ocorrem várias mudanças, não só no conteúdo, como em vários outros elementos do sistema didático. Na passagem do saber científico ao saber previsto na educação escolar, ocorre a criação de vários recursos didáticos, cujo resultado prático ultrapassa os limites conceituais do saber matemático. A partir do surgimento desses recursos, surgem também as criações didáticas que fornecem o essencial da intenção de ensino da disciplina. Nessa etapa, predomina uma forma direcionada para o trabalho do professor. Nessa perspectiva, enquanto o saber acadêmico está vinculado à descoberta da ciência, o trabalho docente envolve simulações dessa descoberta.
Enquanto o saber científico é apresentado através de artigos, teses, livros e relatórios; o saber escolar é apresentado através de livros didáticos, programas e de outros materiais.
Vigilância didática
A aplicação de uma teoria deslocada de seu território original torna‐se estéril, perde seu significado, obscurece sua validade e confunde a solução do problema estudado naquele momento. Assim, é preciso sempre estar atento à eficiência de uma interpretação pedagógica, o que depende fortemente da consciência de quem analisa o fenômeno. Em suma, é necessário o exercício de uma vigilância didática. Esta é uma das atribuições do trabalho docente, que deve estar ancorado tanto nos saberes científicos como em uma concepção educacional.
Dimensões do fenômeno didático
Na análise do discurso científico e educacional, destacam‐se duas variáveis associadas à temporalidade: o tempo didático e tempo de aprendizagem. Não podemos pensar em um planejamento didático sem considerar atentamente essas duas condicionantes. O tempo didático é aquele marcado nos programas escolares e nos livros didáticos em cumprimento a uma exigência legal. Ele prevê um caráter cumulativo e irreversível para a formalização do saber escolar. Isso implica no pressuposto de que seja sempre possível enquadrar a aprendizagem do saber escolar em um determinado espaço de tempo. Há uma crença de que a aprendizagem é sempre sequencial, lógica, puramente racional e organizada através de uma lista de conteúdos. Como se fosse possível compará‐la à linearidade da apresentação do saber matemático. Seu compromisso está mais voltado para o texto sintético do saber e para o cumprimento de um programa curricular do que para os desafios do fenômeno cognitivo.
O tempo de aprendizagens é aquele que está mais vinculado com as rupturas e conflitos do conhecimento, exigindo uma permanente reorganização de informações e que caracteriza toda a complexidade do ato de aprender. É o tempo necessário para o aluno superar os bloqueios e atingir uma nova posição de equilíbrio. Trata‐se de um tempo que não é sequencial e nem pode ser linear na medida em que é sempre necessário retomar concepções precedentes para poder transformá‐las e cada sujeito tem o seu próprio ritmo para conseguir fazer isto.
Contextualização do saber
A noção de prática social de referência é estudada por Joshua e Dupin (1993), no contexto da análise de uma transposição didática, com a finalidade de contribuir na estruturação de uma educação matemática mais significativa. Para isso, todas as vezes que ensinamos certo conteúdo de matemática, é necessário indagar qual foi o contexto de sua origem e quais são os valores que justificam sua presença atual no currículo escolar. Nós estamos ensinando idéias matemáticas esclerosadas? É pertinente a valorização de algumas demonstrações de geometria em nível das séries finais do ensino fundamental? Acreditamos que o estudo da história da matemática, assim como a análise de seu aspecto científico e o seu quadro de referência possibilitam uma abordagem mais adaptada para a consideração dessas questões relativas ao contexto de valorização do conteúdo. Essa postura revela uma posição crítica do educador frente aos conteúdos ensinados. O interesse em destacar essas indagações é sinalizar que nossa própria reflexão pode contribuir diretamente com essa postura crítica, na análise evolutiva dos saberes
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