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Jurisprudência SCORING SERASA

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Por:   •  15/1/2014  •  3.952 Palavras (16 Páginas)  •  727 Visualizações

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ACORDÃO 70050075563-2012

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SERASA. CONCENTRE SCORING. SERVIÇO DE ANÁLISE DE RISCO. ILEGALIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO.

A elaboração, organização, consulta e manutenção de bancos de dados sobre consumidores não é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor; ao contrário, é regulada por este, no art. 43. Hipótese em que o denominado Sistema Crediscre, colocado à disposição das empresas conveniadas pela CDL, caracteriza-se como um verdadeiro banco de dados de hábitos de consumo e pagamento dos consumidores, sujeito, portanto, às disposições do art. 43 do CDC.

As adversidades sofridas pela autora, a aflição e o desequilíbrio em seu bem-estar, fugiram à normalidade e se constituíram em agressão à sua dignidade.

Fixação do montante indenizatório considerando o equívoco da ré, o aborrecimento e o transtorno sofridos pelo demandante, além do caráter punitivo-compensatório da reparação.

Indenização fixada em R$ 6.000,00, consoante os parâmetros utilizados por esta Câmara Cível em situações análogas.

APELAÇÃO PROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL

DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70051013183

COMARCA DE PORTO ALEGRE

RONALDO DA SILVA GOULART

APELANTE

SERASA S/A

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ.

Porto Alegre, 25 de outubro de 2012.

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS,

Relator.

RELATÓRIO

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (RELATOR)

Adoto a princípio o relatório da sentença, assim lançados nos autos:

Cuida-se de ação de indenização por danos morais ajuizada por Ronaldo da Silva Goulart em face de Serasa S/A, ambas as partes qualificadas.

Relata a parte autora que, mesmo não possuindo registro negativo junto aos órgãos de proteção ao crédito, teve seu crédito negado devido à sua pontuação advinda do cadastro “Concentre Scoring” junto à Serasa. Com o fim de obter acesso às informações em seu nome, diligenciou junto à requerida, sem contudo, obter êxito. Sustenta a ilegalidade do sistema Concentre Scoring. Assim, requer a procedência do feito, para que seja a ré condenada ao pagamento de indenização por danos morais. Pede AJG. Junta documentos (fls. 07-35).

Deferido o benefício da AJG, foi prolatada sentença de improcedência, com base no art. 285-A do CPC (fls. 36-37).

Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação (fls. 40-46), e a Superior Instância deu provimento ao apelo para desconstituir a sentença (fls. 54-56).

Citada, a ré ofereceu contestação (fls. 66-80). Alega haver quatro pendências financeiras em nome do requerente. Esclarece a respeito da natureza do sistema Concentre Socring, salientando que se trata de ferramenta de análise estatística do perfil do consumidor, o que não vincula a concessão do crédito. Sustenta a inaplicabilidade do art. 43, § 2º do CDC ao caso. Rechaça a ocorrência de dano moral. Finaliza requerendo a improcedência da demanda. Junta documentos (fls. 81-87).

Houve réplica (fls. 89-93).

Intimadas sobre a dilação probatória, as partes nada requereram.

Vieram os autos conclusos para sentença.

A ação foi julgada improcedente.

Irresignado apelou o autor, repristinando seus argumentos anteriores.

O apelo foi respondido.

É o relatório.

VOTOS

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (RELATOR)

Procede o apelo.

Reporto-me à íntegra dos argumentos constantes na Apelação Cível nº 70039635883, da relatoria do eminente Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, que adoto como razões de decidir:

Para a solução da lide, mostra-se imprescindível definir a aplicação ou não do art. 43 da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor –, o qual regula a formação e utilização dos bancos de dados e cadastro de fornecedores, in verbis:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.

§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.

§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.

§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Em comentário ao referido artigo, esclarece Bruno Miragem , verbis:

Em primeiro lugar, o caput do artigo 43 determina a ampla acessibilidade do consumidor sobre as informações pessoais concernentes a si próprio. No mesmo artigo, dentre outros deveres indicados aos que promovem a criação ou gestão destes arquivos de consumo, estabelece o dever de veracidade das informações armazenadas (§1º), indicando inclusive ao consumidor o direito de reclamar imediata correção dos dados, na hipótese de sua inexatidão (§3º). Ao mesmo tempo, condiciona a inscrição do consumidor, quando esta não tenha sido solicitada por ele, a sua prévia comunicação por escrito (§2º).

E concluindo o espectro de proteção do CDC, o §4º do artigo 43 qualifica os bancos de dados e cadastros de consumidores, assim como os serviços de proteção ao crédito e entidades congêneres, como equiparadas a entidades de caráter público – permitindo a utilização, pelo consumidor, do remédio constitucional do habeas data para garantir o acesso e conhecimento dos seus dados pessoais. Ao mesmo tempo, limitou o prazo de apresentação, por bancos de dados, de informações sobre débitos do consumidor, ao instante de prescrição da respectiva dívida (artigo 43, §5º). [grifei].

Segundo a apelada, o Crediscore não consiste em cadastro negativo ou positivo do consumidor, mas tão somente em “ferramenta probabilística”, a fim de constatar, com base em dados enviados pelas empresas associadas, se a pessoa é confiável ou não, motivo pelo qual não haveria se falar em incidência do art. 43 do CDC e, consequentemente, em direito à prévia notificação e à informação do escore atribuído ao consumidor e dos critérios utilizados.

Contudo, lhe não assiste razão.

Nos termos da notícia veiculada no jornal da Comarca de Ijuí “O Repórter”, na data de 22/07/09 (fl. 105) “o Crediscore tem algumas características, dentre as quais, de analisar 400 variáveis comportamentais, bem como analisar o comportamento do cliente na empresa e no mercado, além de utilizar a base histórica do SPC e do SPCheque Garantido”, classificando “o consumidor numa escala que vai de 0 a 100, o que representa uma estimativa de risco do consumidor tornar-se inadimplente na empresa”, sendo que “quanto maior o escore, maior o risco” [grifei].

Segundo Bruno Miragem , os arquivos de consumo, dos quais são espécies os bancos de dados e os cadastros de fornecedores, todos sujeitos às disposições do art. 43 do CDC, “têm como característica comuns [...] o fato de armazenarem informações sobre terceiros para uso em operações de consumo”.

Não restam dúvidas, portanto, de que o Sistema Crediscore caracteriza-se como um verdadeiro “banco de dados sobre endividamento (hábitos de consumo e pagamento) dos consumidores”, nos dizeres de Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem , alimentado por dados inclusos pelos associados, dados “históricos” do SPC “armazenados em 10 anos” e do SPCheque Garantido, além dos dados comportamentais do cliente, verificados em operações anteriores (fls. 96/101) e colocado à disposição das empresas associadas, para uso em operações comerciais, mediante a realização de escores dos pretensos clientes, razão pela qual está sujeito às disposições previstas no art. 43 do CDC.

Acerca da amplitude do conceito de arquivos de consumo, afirma o consagrado jurista e atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça Antônio Herman V. Benjamin que o Código de Defesa do Consumidor ao indicar dentre as práticas comerciais sob a incidência de suas normas, previu-as de modo genérico, abarcando “todas as modalidades de armazenamento de informações sobre consumidores, sejam elas privadas ou públicas, de uso pessoal do fornecedor ou abertas a terceiros” [destaquei]. Esclarece, ainda, que a disciplina do CDC “publicizou” os arquivos de consumo, não em relação ao seu domínio ou gerenciamento, mas quanto ao amplo acesso das informações que dispõem, por qualquer interessado.

Veja-se, portanto, que o direito às informações pessoais relativas ao consumidor incluídas em arquivos de consumo independe do uso a que se destinam, se privado, público ou mesmo de uso pessoal do comerciante, não encontrando guarida a tese da ré de que não permite o acesso do demandante aos dados do Crediscore, porque o referido sistema não se enquadra no conceito de banco de dados de consumidores, tratando-se tão somente de uma mera ferramenta probabilística disponibilizada às empresas associadas.

Especificamente, sobre a incidência do CDC aos cadastros de comportamentos dos consumidores, Claudia Lima Marque, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem alertam que “Quanto aos bancos de dados sobre endividamento (hábitos de consumo e pagamento) dos consumidores, são estes também de vários tipos, hoje potencializados com a internet, a tecnologia de redes de intranet, de grupos de discussão etc., mas a todos devemos aplicar as regras do CDC.” [grifei].

E necessário consignar que não se está aqui a discutir a possibilidade ou não de utilização do Sistema Crediscore, mas tão somente a forma como está sendo usado, ao arrepio do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, no momento em que a CDL procede à análise de informações concernentes à pessoa do consumidor, constantes de sua base de dados, para chegar a um prognóstico, sem permitir a este acesso às informações utilizadas e, sobretudo, ao escore a que lhe foi atribuído, ainda que o resultado não vincule diretamente a posição a ser tomada pelo estabelecimento conveniado, está infringindo não só o direito ao amplo acesso às informações pessoais do consumidor incluídas em bancos de dados (art. 43, caput), mas também o direito de reclamar por eventuais incorreções e ilegalidades dos apontamentos (§3º), tratando-se, na realidade, de um verdadeiro sistema oculto de informações.

Note-se que, pelo folder de divulgação do SPC Crediscore, são “Mais de 400 variáveis analisadas simultaneamente: Dados CPF – 9 Dados associados – 14 Dados da consulta de cheque – 9 Dados de consulta de crédito – 9 Dados da consulta de garantia – 14 Dados comportamento cheque – 126 Dados comportamento de crédito – 119 Dados comportamento da garantia - 127” (fl. 101). Contudo, estranhamente, a demandada, ao longo da tramitação do feito, não esclareceu quais as variáveis que efetivamente constam do banco de dados do Crediscore para chegar ao prognóstico da autora, inviabilizando, dessa forma, não só o seu direito de reclamar por eventuais incorreções de seus dados pessoais, mas, sobretudo, o seu direito de apontar eventuais ilegalidades dos critérios empregados em desfavor de sua conduta, como, p.ex., a utilização de inscrições ao longo de 10 anos pelo SPC ou mesmo daquelas declaradas indevidas judicialmente.

Sobre a transparência dos bancos de dados de consumo, ensinam Claudia Lima Marque, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem:

Bancos de dados. Licitude. Parâmetros: A elaboração, organização, consulta e manutenção de bancos de dados sobre consumidores e sobre consumo não é proibida pelo CDC; ao contrário, é regulada por este; logo, permitida. A lei fornece, porém, parâmetros de lealdade, transparência e cooperação e controla esta prática de forma a prevenir e diminuir os danos causados por estes bancos de dados e/ou pelos fornecedores que o utilizam no mercado. [grifei].

A propósito, “Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros”, constituiu infração penal (art. 72 do CDC), passível de “Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa”.

Ademais, não poderia deixar de registrar que, nos termos do art. 39, inc. VII, do CDC, “repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos” constitui prática abusiva.

Comentando o referido artigo, Bruno Miragem elucida :

Note-se que não se está vedando aqui a formação e inclusão de informações em banco de dados de consumidores, o que é expressamente permitido pelo CDC, atendidas as exigências do artigo 43. O que se proíbe, é o repasse de informação depreciativa quando esta efetivamente, por sua qualidade, tenha por consequência projetar imagem desabonadora da conduta do consumidor (por exemplo, a indicação de um inadimplemento contratual). O sentido da prática abusiva em questão, é evitar a formação de “listas negras” de consumidores “que reclamem e exigem seus direitos, agora assegurados pelo CDC, ou de consumidores envolvidos em associações de proteção de consumidores.”. [grifei].

Na hipótese vertente, como saber se o banco de dados do Crediscore não utiliza variáveis depreciativas relativas a atos praticados pela autora no exercício de seus direitos? Será que a ação ajuizada pela demandante (Processo nº 001/1.09.0054283-0 – fls. 18/25), contra a apelada, visando à inexigibilidade de débito e, consequentemente, à ilegalidade da inscrição de seu nome no órgão de proteção ao crédito, não foi utilizada como desabonadora da sua conduta?

Com efeito, uma vez adimplido o débito pelo consumidor, ainda que extemporaneamente, ou mesmo declarada judicialmente a inexistência de débito inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, seja pela fraude na contratação, seja pela ausência de prestação do serviço, demandas corriqueiramente julgadas por esta Corte, não podem ser utilizadas, em quaisquer bancos de dados, referidas informações para impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Tal prática é rechaçada pelo célere doutrinador Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

[...].

Consequentemente, nesses organismos que cadastram devedores (SPCs, SERASA e congêneres), onde qualquer registro, mesmo os mais inofensivos, transmuda-se de imediato em informação capaz de “impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores”, a regra é a da destruição total do assento, uma vez pago o débito ou verificado um dos impedimentos temporais. [grifei].

Flagrante, portanto, a ilegalidade da abertura e manutenção de informações relativas ao autor no Sistema Crediscore, pois em desacordo com os ditames previstos nos arts. 39, VII, e 43, caput e §§1º e 3º, do CDC.

Nesse sentido, colaciono julgado desta Corte:

Apelação cível. Responsabilidade civil. Indenização. Sistema oculto de informações "CREDISCORE". O resultado disponibilizado pelo referido sistema, para empresas que se comprometeram com ela em não divulgar a contratação, com a finalidade de obterem informações de pessoas cadastradas há mais de cinco anos e, assim, atribuírem pontos de credibilidade autorizando a concessão de crédito, configura ato ilícito. Presentes os pressupostos do instituto da responsabilidade civil. DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. REDATOR PARA O ACÓRDÃO DO DES. PRESIDENTE. (Apelação Cível Nº 70039044052, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 21/10/2010)

De outro lado, impende esclarecer, ainda, que a ilegalidade do Sistema Crediscore aqui reconhecida é pela falta de transparência e clareza dos dados utilizados pela apelante para chegar ao prognóstico do autor (§1º do art. 43), e não pela ausência de notificação prevista no §2º do art. 43 do CDC, na medida em que referido cadastro se utiliza de informações constantes dos bancos de dados da demandada (SPC, SPCheque), as quais já foram, ou pelo menos deveriam ter sido, previamente noticiadas ao consumidor.

Evidenciado, portanto, o agir ilícito da demandada, que criou banco de dados com informações pessoais da autora, sem a devida publicização, inviabilizando os direitos de amplo acesso às informações concernentes à pessoa do consumidor e de reclamar por eventuais ilegalidades ou incorreções, gerando, inclusive, provável restrição de crédito, diante do escore desfavorável, caracterizado está o dano in re ipsa, o qual se presume, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto, exsurgindo, daí, o dever de indenizar.

No que se refere à comprovação dos danos, desnecessária prova material de prejuízo, pois o dever de indenizar decorre da própria conduta ilícita do réu.

Sobre a desnecessidade de prova quando se trata de dano moral puro, Sérgio Cavalieri Filho ensina:

“...por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. (...) Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre das regras de experiência comum”.

Os transtornos sofridos pela demandante, a aflição e o desequilíbrio em seu bem-estar, fugiram à normalidade e se constituíram como agressão à sua dignidade.

É verdade que o patrimônio moral das pessoas físicas e jurídicas não pode ser transformado em fonte de lucro ou pólo de obtenção de riqueza. Não se admite a indenização como instrumento de enriquecimento ilimitado do ofendido, transformando-se o direito ao ressarcimento em loteria premiada, ou sorte grande, de forma a tornar um bom negócio o sofrimento produzido por ofensas.

É certo, outrossim, que a reparação por danos morais tem caráter pedagógico, devendo-se observar a proporcionalidade e a razoabilidade na fixação dos valores, atendidas as condições do ofensor, ofendido e do bem jurídico lesado.

Essa a orientação de Rui Stoco:

“O dano material, não sendo possível o retorno ao statu quo ante, se indeniza pelo equivalente em dinheiro, enquanto o dano moral, por não ter equivalência patrimonial ou expressão matemática, se compensa com um valor convencionado, mais ou menos aleatório.

“Mas não se pode descurar da advertência de Clóvis do Couto e Silva ao destacar a necessidade de impedir que, através da reparação, a vítima possa ter benefícios, vale dizer, possa estar numa situação econômica melhor que aquela em que se encontrava anteriormente ao ato delituoso (O Conceito de Dano no Direito Brasileiro e Comparado. São Paulo: Ed. RT, 1991, n. 1.4, p. 11).

“Cuidando-se de dano material, incide a regra da restitutio in integrum do art. 944 do CC, de modo que ‘a indenização mede-se pela extensão do dano’.

“Tratando-se de dano moral, nas hipóteses em que a lei não estabelece os critérios de reparação, impõe-se obediência ao que podemos chamar de ‘binômio do equilíbrio’, de sorte que a compensação pela ofensa irrogada não deve ser fonte de enriquecimento para quem recebe, nem causa da ruína para quem dá. Mas também não pode ser tão apequenada que não sirva de desestímulo ao ofensor, ou tão insignificante que não compense e satisfaça o ofendido, nem o console e contribua para a superação do agravo recebido.

“Na fixação do quantum a título de compensação por dano moral o julgador não pode se afastar de um princípio basilar: a vítima da ofensa deve ter por objetivo único a busca de uma compensação para um sentimento ruim e não o de obter vantagem, nem de receber um valor que jamais conseguiria com a força do seu próprio trabalho”.

Vale citar, ainda, os precedentes deste Órgão fracionário abaixo colacionados:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SISTEMA CONCENTRE SCORING. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO. ILEGALIDADE RECONHECIDA. Caso em que a parte ré oferta às empresas associadas serviço denominado "Concentre Scoring". Ferramenta de análise comportamental de crédito do consumidor, que tem por objetivo aos lojistas, através de uma pontuação de crédito, identificar dentre os pretensos clientes aqueles que se encaixam em um quadro de maior risco para contratação. Ilegalidade do serviço reconhecida em decorrência da ausência de informação ao autor acerca da existência de cadastro em seu nome, o qual viola os princípios do Código de Defesa do Consumidor. Dano moral in re ipsa. Violação aos deveres de transparência e informação pela entidade cadastral. Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Valor mantido. Os honorários advocatícios devem estar adequados a remunerar condizentemente o profissional do Direito. Percentual mantido. Em decisão monocrática, negado provimento a ambos os recursos. (Apelação Cível Nº 70047087630, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 12/04/2012)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SISTEMA "CREDISCORE". NATUREZA. BANCO DE DADOS. SUJEIÇÃO ÀS DISPOSIÇÕES CONSTANTES DO ART. 43 DO CDC. A elaboração, organização, consulta e manutenção de bancos de dados sobre consumidores não é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor; ao contrário, é regulada por este, no art. 43. Hipótese em que o denominado Sistema Crediscre, colocado à disposição das empresas conveniadas pela CDL, caracteriza-se como um verdadeiro banco de dados de hábitos de consumo e pagamento dos consumidores, sujeito, portanto, às disposições do art. 43 do CDC. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Comprovado o agir ilícito da demandada, que criou banco de dados com informações pessoais do autor, sem a devida publicização, inviabilizando os direitos de amplo acesso às informações pessoais do consumidor e de reclamar por eventuais ilegalidades ou incorreções (art. 43, caput e §3º), gerando, inclusive, provável restrição de crédito, diante do escore desfavorável, caracterizado está o dano in re ipsa, exsurgindo, daí, o dever de indenizar. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. É cediço que, na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. Ao concreto, demonstrada a ilicitude do ato praticado pela ré, e sopesadas as demais particularidades do caso, entendo adequada a majoração da verba indenizatória para R$ 10.000,00 (dez mil reais), que deverá ser corrigida monetariamente pelo IGP-M e acrescida de juros legais, nos termos da sentença. HIPÓTESE EM QUE SE NEGA SEGUIMENTO À APELAÇÃO DA RÉ. APELO DO AUTOR PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70048610752, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 14/05/2012)

Cabe pois ao Julgador dosar a indenização de maneira que, suportada pelo patrimônio do devedor, consiga no propósito educativo da pena, inibi-lo de novos atos lesivos, por sentir a gravidade e o peso da condenação; de outro lado a vítima, pelo grau de participação no círculo social e pela extensão do dano suportado, deve sentir-se razoável e proporcionalmente ressarcida.

Nestas circunstâncias, considerando o ato ilícito praticado contra a autora, o potencial econômico da ofensora, o caráter punitivo-compensatório da indenização e os parâmetros adotados em casos semelhantes, fixo o valor da reparação em R$ 6.000,00 (seis mil reais).

Este valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir desta data, com fulcro na Súmula nº 362 do STJ , e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data do fato danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ , em consonância com o art. 398 do Código Civil .

Ante o exposto, DOU provimento à apelação ao efeito de julgar procedente a ação, para declarar a ilegalidade da abertura e manutenção de informações relativas ao autor no Sistema Concentre Scoring, nos termos dos arts. 39, VII, e 43, caput e §§1º e 3º, do CDC; e condenar a Serasa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais).

Caberá a demandada arcar com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais), forte no art. 20, § 4º, do CPC.

Foi o voto.

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação Cível nº 70051013183, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: DILSO DOMINGOS PEREIRA

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