O surgimento da acumulação de capital e a formação de um estado territorial
Tese: O surgimento da acumulação de capital e a formação de um estado territorial. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: domingossouza • 29/4/2014 • Tese • 8.024 Palavras (33 Páginas) • 374 Visualizações
I - A emergência da acumulação do capital e a formação do Estado territorial
Tornou-se quase que um senso comum a afirmação de que a globalização tem levado os Estado nacionais a uma crise irreversível. Até pelo muito que contem de verdade, essa afirmação precisa ser completada com uma análise prospectiva e recheada com as necessárias mediações e particularidades de caráter histórico e político. Um elemento essencial deve ser a permanente referencia ao indissociável vínculo existente entre a dinâmica do capital e o poder político. Sem a compreensão de que o Estado, tal como o mercado, é um elemento material constitutivo da dinâmica do capital, não conseguiremos escapar do plano da generalidade extrema e a abordagem da crise e reformulação do Estado brasileiro no contexto da chamada globalização não poderá ao menos ser tangenciada.
É de todo conveniente recordar então que a origem dos modernos Estados nacionais encontra-se imbricada com a autonomização do capital mercantil como decorrência e via de superação da crise estrutural da ordem feudal ocorrida no século XIV, acompanhando seu lento declínio. Não podiam, no entanto, serem na origem chamados de Estados-nação, pois tendo sido conformados sobre comunidades autônomas forjadas na época feudal (cuja característica era a fragmentação da autoridade a relação hierárquica interpessoal), os Estados territoriais se definiam pela extensão da soberania exercida sobre os súditos.
A razão de ser desses Estados territoriais formados no Ocidente europeu, era complexa e contraditória. Significava a um só tempo a solução para a crise de representação sociocultural desdobrada da crise da instituição eclesial, projetando-se o rei como novo ser vinculante do céu com a terra, como também a solução para a crise da dominação da nobreza feudal, ameaçada pela rebelião camponesa e a desintegração das relações de trabalho servis. A força coerciva concentrada no poder soberano foi capaz de reconduzir os camponeses ao domínio da nobreza, agora intermediária da relação dos súditos camponeses e artesãos, com o poder soberano.
Mas os Estados territoriais cumpriram ainda um outro e fundamental papel, o de dinamizadores da acumulação mercantil do capital. Elemento constitutivo da ordem feudal, o capital mercantil encontra-se sediado nas cidades e submetido ao predomínio da produção agrícola. Com a crise feudal, o capital mercantil ganhou autonomia e transformou-se na força capaz de conduzir a recomposição da ordem. Para tal, o capital mercantil promoveu a conquista da América e a formação de um mercado mundial, cuja circulação de metais, especiarias e escravos, permitiu a portentosa acumulação originária do capital no núcleo do Ocidente. Mas isso só foi possível pelo vínculo com os Estados territoriais em formação que, ademais, se empenhavam em garantir o espaço para a alocação e a circulação de bens.
Nesses Estados territoriais, que, com a significativa exceção da Holanda, tomaram a forma de monarquias absolutas, as diversas frações da nobreza tiveram que encontrar um novo convívio com a burguesia mercantil, entrecruzando seus interesses numa economia agro-mercantil. As alianças e os conflitos entre os Estados, preservando a tradição feudal, ocorriam por relações interpessoais de caráter dinástico, de modo que Estados poderiam se unir ou se separar, a contiguidade territorial poderia ser recortada, e a legislação civil poderia ser diferenciada. Os conflitos interestatais com grande freqüência tinham respaldo em justificativas de caráter dinástico e religioso, embora redundassem em disputa por fontes de acumulação de capital e parcelas do mercado mundial.
Em meados do século XVII, quase por toda a parte, a nobreza feudal empenhou-se em reaver parcelas do poder econômico-político que viera perdendo em favor da burguesia mercantil e do poder estatal. O capital mercantil, por sua vez, perdeu sua capacidade de reprodução ampliada, com os metais tendo inflacionado o mercado europeu e se completado o saque e genocídio dos povos da América. Para as precoces monarquias absolutas ibéricas (Portugal e Espanha) não restou mais que vivenciar um longo período de estagnação, enquanto que no seu imenso império se consolidava uma variante extremamente diversificada de feudalismo colonial. Desdobrado do feudalismo de "fronteira" da península ibérica -- caracterizado pela centralização político-militar e por numerosa nobreza --, paradoxalmente, as zonas coloniais mais estreitamente ligadas ao mercado mundial implementaram relações escravistas de produção.
Tanto esse feudalismo colonial ocidental quanto o feudalismo oriental que se consolidava na Europa oriental (Áustria, Prússia e Rússia) logo após a guerra dos 30 anos, estavam conectados por meio do mercado mundial àquilo que Marx chamou de "segundo período manufatureiro". Enquanto que na América meridional surgia uma oligarquia local vinculada às declinantes monarquias absolutas ibéricas e na Europa oriental se formavam novas monarquias feudal-absolutas, no núcleo do Ocidente a monarquia absoluta francesa adentrava uma nova fase, na qual a nobreza foi incorporada à máquina do Estado e este passou mais decididamente a estimular os interesses da acumulação do capital, na manufatura e no comércio.
O esforço da nobreza feudal inglesa de resgatar parcelas do poder que vinha se concentrando em mãos da monarquia, não só redundaram em fracasso como abriram as portas para a revolução burguesa desencadeada em 1640. Num processo tortuoso, a monarquia absoluta deu lugar a uma nova forma de Estado que incorporou parte significativa da nobreza predisposta a inserir-se como ator da nova ordem que se gestava, fundada no individualismo egóico-proprietário, juntamente com a burguesia manufatureira e mercantil que se propunha a fundar um império universal centrado na Inglaterra.
Embora a designação de liberal tenha surgido apenas no início do século XIX na revolução espanhola e em seguida assumida pelos ingleses, pode-se dizer que o Estado monárquico inglês após a "revolução gloriosa" de 1688-89 pode ser identificado como um Estado liberal, na medida que reconhecia a propriedade privada como valor fundamental da sociabilidade e da vida política. Foi esse Estado, corolário da revolução burguesa, que deu todas as condições para a Inglaterra se apossar do comércio dos mares e do butim das colônias ibéricas, assim como para concluir a expropriação dos produtores diretos e dar o passo rumo a um novo patamar de acumulação do capital, baseado na indústria.
II - As revoluções burguesas e a formação do Estado nacional
A revolução burguesa na Inglaterra ocorreu
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