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Os Artefatos Tem Politica?

Por:   •  27/9/2021  •  Artigo  •  8.262 Palavras (34 Páginas)  •  132 Visualizações

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Não há idéia mais provocante nas controvérsias sobre tecnologia e sociedade do que a noção de que as coisas técnicas têm qualidades políticas. Em questão está a alegação de que máquinas, estruturas e sistemas da moderna cultura material podem ser precisamente julgados não apenas pela sua contribuição à eficiência e produtividade e pelos seus efeitos colaterais ambientais, positivos e negativos, mas também pelos modos pelos quais eles podem incorporar formas específicas de poder e autoridade. Uma vez que idéias desse tipo são uma presença persistente e problemática em discussões sobre o significado de tecnologia, elas merecem atenção explícita.

Escrevendo no início dos anos 1960, Lewis Mumford fez uma afirmação clássica sobre uma versão do tema, argumentando que “desde o final dos tempos neolíticos no Oriente Próximo até os dias de hoje, dois tipos de tecnologia têm coexistido recorrentemente: uma autoritária, a outra democrática, a primeira centrada em sistemas, imensamente poderosa, mas inerentemente instável, a outra centrada no homem, relativamente fraca mas flexível e durável.”[i] Esta tese se situa no coração dos estudos de Mumford sobre a cidade, a arquitetura, e a história das técnicas, e reflete preocupações manifestadas anteriormente nos trabalhos de Peter Kropotkin, William Morris, e outros críticos do industrialismo do século dezenove. Na década de 70, os movimentos anti-nucleares e favoráveis à energia solar na Europa e Estados Unidos adotaram uma noção similar como peça central de seus argumentos. Segundo o ambientalista Denis Hayes, “o emprego crescente de facilidades de  poder nuclear conduzirá a sociedade ao autoritarismo. Na verdade, uma confiança segura no poder nuclear como principal fonte de energia só será possível num estado totalitário.” Ecoando as visões de muitos proponentes de tecnologias apropriadas e de alternativas energéticas tranqüilas, Hayes argumenta que “fontes solares dispersas são mais compatíveis com a igualdade social, a liberdade e o pluralismo cultural do que as tecnologias centralizadas.”[ii]

O afã de interpretar os artefatos técnicos em linguagem política não é, de forma alguma, propriedade exclusiva dos críticos de sistemas de alta tecnologia e de grande escala. Uma grande linhagem de defensores entusiásticos têm insistido que o maior e melhor que a  ciência e a indústria tornaram disponíveis são as melhores garantias da democracia, da liberdade e da justiça social. O sistema fabril, o automóvel, o telefone, o rádio, a televisão, o programa espacial, e, é claro, o poder nuclear, todos estes foram em algum momento descritos como democratizadores, libertadores de forças.  T.V. A.: Democracy on the March, de David Lillienthal, por exemplo, encontrou essa promessa nos fertilizantes de fosfato e na eletricidade que o progresso técnico estava trazendo para a América rural durante os anos 1940. [iii] Três décadas mais tarde, A República da Tecnologia de Daniel Boorstin exaltou a televisão pelo “ seu poder de desmontar exércitos, de destituir presidentes, e de criar um mundo democrático inteiramente novo – democrático segundo formas nunca antes imaginadas, nem mesmo na América.”[iv] É raro que surja uma nova invenção e que alguém não a proclame como a salvação de uma sociedade livre.

Não nos causa surpresa saber que sistemas técnicos de vários tipos estão profundamente entrelaçados nas condições da política moderna. Os arranjos físicos da produção industrial, das guerras, das comunicações, e outros do gênero, têm alterado fundamentalmente o exercício do poder e a experiência da cidadania.

Mas ir além deste constatação óbvia e argumentar que certas tecnologias têm propriedades políticas nelas próprias parece num primeiro momento completamente equivocado. Todos nós sabemos que as pessoas têm política, não as coisas. Descobrir virtudes ou pecados em agregados de aço, plástico, transistores, elementos químicos, e outros materiais parece completamente equivocado, parece uma forma de mistificar os artifícios humanos e evitar as verdadeiras fontes, as fontes humanas de liberdade e opressão, justiça e injustiça. Culpar as coisas parece ainda mais despropositado do que culpar as vítimas quando se julga as condições da vida pública,

Daí, o austero conselho comumente dado àqueles que se deixam seduzir pela noção de que os artefatos técnicos têm propriedades políticas: O que importa não é a tecnologia em si, mas o sistema social ou econômico no qual ela está inserida. Esta máxima, a qual em si ou segundo variações é a premissa central de uma teoria que pode ser chamada de determinação social da tecnologia, tem uma sabedoria óbvia. Ela serve como um corretivo necessário para aqueles que estudam, sem o devido olhar crítico, coisas como “o computador e seus impactos sociais”, mas se esquecem de olhar, por trás dos dispositivos técnicos, as circunstâncias sociais de seu desenvolvimento, emprego e uso. Esta visão fornece um antídoto para o determinismo tecnológico leigo - a idéia que a tecnologia se desenvolve como resultado apenas de sua dinâmica interna, e então, não mediada por nenhuma outra influência, molda a sociedade segundo seus padrões. Os que não reconhecem os modos pelos quais as tecnologias são moldadas pelas forças sociais e econômicas não vão muito longe.

No entanto, o corretivo tem seus problemas. Tomado literalmente, ele sugere que as coisas técnicas não importam em nada. Uma vez feito o trabalho detetivesco necessário para revelar as origens sociais – os detentores do poder por trás de um caso particular de mudança tecnológica – ter-se-á explicado tudo o que há de importante. Esta conclusão é confortável para os cientistas sociais. Ela valida o que eles sempre suspeitaram: de que não há nada distintivo a respeito do estudo da tecnologia em primeiro lugar. E assim eles podem retornar a seus  modelos padrões de poder social -  políticas de grupos de interesse, políticas burocráticas, modelos marxistas das lutas de classes, e outros modelos – e terão tudo o que precisam. A determinação social da tecnologia não é, nessa visão,  essencialmente diferente da determinação social da, digamos, política do bem estar ou da política tributária.

Há, no entanto, boas razões para se acreditar que a tecnologia é politicamente significante por si própria, boas razões pelas quais os modelos padrões da ciência social não vão muito longe na explicação do que é mais interessante e problemático sobre o assunto. Muito do pensamento social e político moderno contem afirmações recorrentes do que poderia ser chamado de uma teoria de política tecnológica, uma estranha mistura de noções entrecruzadas freqüentemente com filosofias ortodoxas liberais, conservadoras e socialistas[v]. A teoria de política tecnológica chama atenção ao momentum dos sistemas sociotécnicos de grande escala, à resposta da sociedade moderna a certos imperativos tecnológicos, e às formas pelas quais as finalidades humanas são poderosamente transformadas na medida em que se adaptam aos meios técnicos. Esta perspectiva oferece um novo arcabouço de interpretação e explicação para alguns dos padrões mais intrigantes que tem se formado dentro e em torno do crescimento da moderna cultura material. Seu ponto de partida é uma decisão de se tomar os artefatos tecnológicos seriamente. Em vez de insistir que nós reduzamos tudo imediatamente ao jogo das forças sociais, a teoria da política tecnológica sugere que nós prestemos atenção às características dos objetos técnicos a aos significados dessas características. Um complemento necessário e não uma substituição das teorias da determinação social da tecnologia, esta abordagem identifica certas tecnologias como fenômenos políticos em si próprias. Ela nos aponta de volta, tomando emprestada a injunção filosófica de Edmund Husserl, às coisas em si.

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