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Saude Do Sus

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Por:   •  28/10/2014  •  2.432 Palavras (10 Páginas)  •  249 Visualizações

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Entrevista publicada na IHU On-Line

É um sistema que foi institucionalizado a partir da Constituição de 1988, resultante de um amplo movimento social, que envolveu estudantes, profissionais de saúde, setores populares, professores e pesquisadores, defendendo o direito à saúde. A partir deste movimento social se conseguiu incluir na Constituição um conjunto de princípios e diretrizes para a organização de um sistema de saúde. Da década de 1990 em diante, foi possível ir implantando de forma progressiva essa nova organização do sistema de serviços de saúde no Brasil. Nesse sistema, dentre os princípios que mais se destacam, encontram-se a universalidade – saúde como um direito de todos, com acesso universal -, a igualdade – dar serviços iguais para todos -, a participação social e a descentralização. Além desses grandes princípios, temos outra orientação, que é a integralidade. Então, é um sistema que tem como característica básica o fato de ter sido criado a partir de um movimento da sociedade civil e não do Estado, de governo ou de partido.

Qualquer sistema de saúde é montado em cima de, pelos menos, cinco componentes: a infraestrutura, onde temos um conjunto de estabelecimentos, equipamentos, força de trabalho, ciência e tecnologia, que permitem, portanto, a prestação dos serviços à população; o financiamento, que é o que faz manter e ampliar essa infraestrutura, pagar pessoal, comprar medicamentos e material de consumo; a gestão, que diz respeito para onde se vai conduzir esse sistema, se vai ter um caráter mais público ou se vai ficar refém do setor privado, se será um sistema com uma gestão participativa, descentralizada, ou se é piramidal, vertical; a organização dos serviços, no sentido de como vamos estruturar esse sistema, se será em redes, se terá relações entre a atenção básica e a atenção especializada, como se garantirá a referência, como se regulará o atendimento (através de uma central de consultas ou de internações); e um quinto componente, que seria um dos mais centrais por ser aquele que a população mais “sente na pele”, é o modelo de atenção, ou seja, como vamos combinar um conjunto de tecnologias para resolver os problemas das pessoas, mas, sobretudo, tendo um cuidado para que elas se sintam acolhidas no serviço de saúde. Em todos esses cinco componentes o SUS ainda tem problemas. Mas na conjuntura atual, a questão do financiamento é central. Se não resolvermos o problema do financiamento do Sistema Único de Saúde, não haverá como fazer milagres para atender a todos, com todos os serviços que a população merece.

Esses vários tipos de SUS dentro do SUS representam concepções tanto dos dirigentes, quanto da mídia ou dos próprios profissionais da saúde e, por que não dizer, da população. Na realidade, são representações sociais acerca desse sistema que estamos tratando aqui. Portanto, tem um SUS que está na lei, na Constituição, na Lei Orgânica da Saúde, e que ainda não é o sistema que efetivamente encontramos “na prática”; temos um SUS que eu chamo “um SUS pobre para pobres”, que é um sistema onde faltam recursos e sobram filas, as pessoas não são bem atendidas e muitos acham que é para ser assim mesmo, porque como é um sistema que ainda não é para todos, os pobres, ao serem atendidos, ainda ficam agradecidos, achando que receberam um bom atendimento, e para esse tipo de concepção qualquer coisa para pobre serve e ponto. Esse sistema não é o que foi concebido nem na legislação, nem pelo movimento da reforma sanitária. Tem também o SUS que está na cabeça dos gestores, que eu chamo de “o SUS real”, em que a saúde da economia é mais importante que a saúde do povo. Na hora em que se vai designar uma quantidade de recursos, se pensa mais no orçamento e no equilíbrio financeiro do que na saúde da população. Esse é o SUS refém da área econômica de cada governo que tem passado pelo Brasil. Esse SUS também é um “SUS Real” – e eu faço o trocadilho com a realidade e com o nome da moeda brasileira –, dos conchavos políticos, das indicações para cargos de comissão, para cargos de confiança, em que há um uso da saúde como moeda de troca entre partidos e entre governantes. E quando se faz alguma crítica a esse SUS se é considerado um sonhador, porque a realidade é assim mesma: deve ser garantida a governabilidade, etc. E há o SUS que foi gerado pelo movimento da reforma sanitária, que ainda não foi inteiramente implantado e se encontra ameaçado numa encruzilhada sobre a qual a sociedade brasileira terá que debater mais para saber qual o sistema de saúde que ela efetivamente quer. Essas são concepções acerca do SUS. E como essas ideias que estão na cabeça das pessoas influenciam na hora de tomar decisões, há uma disputa simbólica entre os vários atores sociais sobre qual é o SUS que se defende. Há uma particularidade hoje de que ninguém no Brasil, em público, é contra o SUS. Todo mundo hoje é a favor do SUS e isso é um paradoxo, porque é um SUS que todo mundo é a favor, mas que tem tanta dificuldade de ser desenvolvido.

Nós só podemos examinar um sistema, no caso do SUS em particular, em termos de comparação, analisando como era antes de ser implantado. Ou também se pode comparar o nosso sistema com outros sistemas de saúde do mundo. Essa é uma via inteligente de perceber até mesmo o que conseguimos avançar no sistema único de saúde. Quando tínhamos o Instituto de Assistência Médica da Previdência Social – Inamps e antes dele o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, e antes desse o chamado Instituto de Aposentadorias de Pensões dos Comerciários, Bancários e Marítimos, só quem tinha acesso a serviços de saúde, à assistência médica – que não é igual a direito a saúde – eram os trabalhadores urbanos que tivessem vínculo formal com o mercado de trabalho. Se, naquela época, a maior parte da população vivia na área rural ou nas cidades do interior e a população urbana somente é quem tinha acesso, já se vê por aí o quanto era excludente o sistema de saúde brasileiro. Além disso, mesmo as pessoas que morassem em área urbana, mas fossem, por exemplo, empregadas domésticas, ou que estivessem desempregadas, ou ainda que trabalhassem no mercado informal, não tinham acesso aos serviços de saúde. A única forma para que algumas dessas pessoas pudessem ter acesso era ou numa emergência ou num serviço filantrópico, numa Santa Casa, ou num hospital beneficente. Quando eu comecei a trabalhar na área de saúde como médico, um simples exame de eletrocardiograma exigia que a pessoa fosse atendida no Hospital Universitário e fizesse uma consulta para solicitar esse exame. Esse é um simples exemplo do quanto se avançou em termos de acesso de oferta de serviços.

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