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As Peculiaridades do cotidiano social indígena sul-mato-grossense

Por:   •  9/7/2018  •  Trabalho acadêmico  •  2.076 Palavras (9 Páginas)  •  454 Visualizações

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Peculiaridades do cotidiano social indígena sul-mato-grossense

                                                                                                     Mayara Bonato Rader

       A obra Diálogos entre Antropologia, Direito e Políticas Públicas: o caso dos indígenas no sul de Mato Grosso do Sul” organizado por Cíntia Beatriz Müller, Ellen Cristina de Almeida e Simone Becker pode ser considerado um compilado de artigos feito em parceria com a Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD e a Defensoria Pública da União em que o principal objetivo é relatar pesquisas e experiências com os indígenas de Dourados/MS, afim de visibilizar a condição e a violação aos direitos desses povos, visto que nessa região as circunstâncias possuem repercussão internacional por tamanha crueldade.

       O primeiro artigo apresentado é da Profa. Dra. Cíntia Beatriz Müller, intitulado “Pesquisa junto aos Kaiowá, no sul de Mato Grosso do Sul: o direito à moradia na Terra Indígena de Panambizinho, Dourados/MS”, discorre historicamente sobre o direito à moradia na Terra Indígena de Panambizinho. É frisado o momento de instalação legal da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), sendo o objetivo dessa o respeito ao título de domínio de não-indígenas sobre a terra, além da disponibilização de um extenso território para a Companhia Mate Laranjeira, expulsando os indígenas dos locais. Só após muita resistência e reivindicações os Kaiowá conseguem em 1995 a demarcação da TI de Panambizinho, porém, passam a enfrentar problemas quanto a água e formas de complementar sua subsistência dentro da terra, por causa da ausência de mata. Neste momento, de forma muito coerente, o artigo aborda a “falsa ilusão de que ‘ter a terra’ encerra o pleito por direitos, por parte dos grupos indígenas” além da questão do direito à moradia adequada, que engloba vários outros direitos humanos, possibilitando viver em segurança, paz e dignidade em algum lugar. Desse modo, se faz perceptível que apenas o reconhecimento de terras por parte do Estado, conseguido dificultosamente e feito de maneira errônea, não é suficiente para garantir o direito à moradia adequada às sociedades indígenas, que muitas vezes, a exemplo dos Kaiowá de Panambizinho, vivem em situações precárias, onde obtiveram a terra, mas não os meios adequados para nela se viver.

       No segundo artigo, “Indígenas, Defensoria Pública, Cidadania e a Constituição Federal de 1988”, elaborado pelos Defensores Públicos Federais: Michelle Valéria Macedo Silva, Gustavo Henrique Armbust Virginelli e Átila Ribeiro Dias, continua-se abordando a real efetivação dos direitos sociais dos grupos vulneráveis, principalmente dos indígenas. Deixa-se claro a importância de políticas públicas para a justiça social e da Defensoria Pública como instrumento de veículo das reivindicações dos grupos que demandam a efetivação dos seus direitos. Porém, em certo momento, se faz observações generalizadoras sobre o uso de benefícios recebidos do Estado, indicando que os indígenas usam para a aquisição de bebidas alcoólicas, substâncias entorpecentes e, por motivos como este estariam caminhando para a perda de sua identidade. O uso indevido do benefício ocorre, mas não deve ser generalizado, e principalmente, deve buscar as raízes do problema, que certamente estará em um cotidiano marginalizado, regado a preconceitos, onde o indígena tenta se refugiar da realidade por meio das bebidas e das drogas. Outro ponto errôneo é a ideia de perda da identidade, como se os indígenas não fizessem parte de uma cultura que, como qualquer outra, é dinâmica. No entanto, é destacado o papel da Defensoria Pública como conscientizadora dos indígenas sobre seus direitos e o dever do Poder Público de promover políticas públicas capazes de garantir o Mínimo Existencial a essas sociedades.

       O seguinte artigo, “A Diversidade Cultural Indígena e Acesso à Justiça”, de autoria da graduanda em direito Luiza Gabriela Oliveira Meyer e da Profa. Dra. Simone Becker, relaciona a imagem do indígena em nossa sociedade e seu status frente ao ordenamento jurídico com uma visão ampliada de "acesso à justiça". O recorte é feito sobre os indígenas Kaiowá de Panambizinho e suas trajetórias em busca de seus direitos no INSS. O “acesso à justiça”, em uma perspectiva ampliada, começa a ser negado ao indígena pela dificuldade de deslocamento, feito a pé, de bicicleta ou ônibus, da aldeia até o centro de Dourados, onde encontrará o atendimento do órgão. Essa dificuldade, por vezes, faz com que não chegue a tempo na perícia. Essa, por sua vez, geralmente não é realizada de maneira imparcial, sendo a decisão do médico influenciada por sua formação política. Além disso, existe a problemática do próprio atendimento, que pode ser demorado e dificultado para os indígenas, pelo fato dos mesmos não terem ciência que poderiam agendar o serviço pelo telefone ou pela internet, ou por não terem acesso a esses meios. Outro fato que pode dificultar é a falta de tradução de orientações que estão dentro do órgão para ajudar os segurados, já que a língua materna dos indígenas não é a portuguesa e eles podem não ter domínio sobre alguns termos, passando a ser inútil tais orientações aos mesmos.

       Já o quarto artigo, “Mulheres indígenas, organização política e cidadania: uma associação na Terra Indígena de Dourados-MS”, da graduanda em ciências sociais Ellen Cristina de Almeida e sua orientadora Cíntia Beatriz Müller, conversa com o último texto, nomeado “Um pouco da história da AMID (Associação de mulheres indígenas de Dourados) contada pela sua presidente”, também de Ellen Cristina de Almeida, juntamente com Simone Becker e Lenir Paiva Flores Garcia. Ambos visibilizam uma perspectiva pouca abordada: as mulheres indígenas e a criação de organizações pelas mesmas para atender suas particularidades. O foco é a AMID (Associação de Mulheres Indígenas de Dourados), que está localizada na aldeia Jaguapiru. Foi criada em 2001, por Lenir Paiva Flores Garcia, mulher indígena Terena, que se questionou sobre os motivos que levavam sempre os homens a montarem as associações. Mesmo em meio à ridicularizações e descrença de que a associação daria certo, ela foi formada por mulheres das 3 etnias: Terena, Guarani e Kaiowá. A dificuldade para achar advogados e contadores dispostos a trabalhar com elas não impediu que se organizassem num molde formal de uma associação. Um dos objetivos principais da AMID é o acesso a políticas públicas, a exemplo da Carteira Indígena que visa o desenvolvimento sustentável, artesanato e a revitalização da cultura e de saberes indígenas. Também negocia, com órgãos municipais e estaduais, benefícios de todo tipo (como frutas e utensílios de uso do campo) para as mulheres e para a comunidade como um todo, dando preferência às mulheres mais necessitadas, visto que, na maioria das vezes, os produtos adquiridos são escassos. Enfim, a AMID acaba manifestando os problemas gerais da reserva, entretanto, também os específicos das mulheres, como a problemática da violência doméstica, muito presente na comunidade. Ademais, a associação representa um espaço de lazer para as mulheres e seus filhos, que passam tardes na sede conversando sobre suas vivências e reivindicações, como o desejo de realizar cursos e oficinas naquele espaço, posto que o deslocamento até a cidade é muito trabalhoso. Seguem na luta.

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