Libras, que lingua é essa?
Por: Junior Adaes • 18/6/2017 • Resenha • 2.032 Palavras (9 Páginas) • 302 Visualizações
Resenha de LIBRAS
Esta resenha tem como objetivo relacionar o entendimento acerca do livro “Libras, que lingua é essa?” , escrito por Audrei Gesser, com o filme “Sou surda e não sabia”, produzido em 2009 por Igor Ochronowicz, que abordam o tema da surdez e o relacionamento do surdo com os ouvintes e o mundo.
O livro aborda alguns aspectos sobre a língua de sinais que infelizmente ainda não é visto como língua por muitos ouvintes, tendo por objetivo propor uma reflexão da relação entre surdos e ouvintes. Inicia-se com o questionamento sobre a universalidade da língua de sinais, ressaltando a visão que se tem sobre a Libras, como sendo ancorada na idéia de um “código” simplificado apreendido e transmitido aos surdos de forma geral, conduzindo a concluir que todos os surdos falam a mesma língua em qualquer parte do mundo.
Já o filme “Sou surda e não sabia” é um documentário francês sobre Sandrine e sua descoberta como pessoa surda. É interessante a proposta do filme, em primeiro momento, discute-se qual nomenclatura utilizar para designar a pessoa surda, sendo possível observar que elas preferem ser chamadas de “pessoa deficiente auditiva”. O professor faz esse questionamento e nesse ponto surge os primeiros questionamentos: ser surdo? estar surdo? por que não gostam de ser chamados de surdos? Em seguida, começa a história de Sandrine uma criança “normal” que aos poucos junto com seus pais foi se descobrindo surda e tudo a sua volta muda, desde sua convivência com os pais e início de sua solidão, pois com pais ouvintes ela não tinha com quem compartilhar seu silêncio.
O livro também destaca a crença sobre a artificialidade da língua de sinais, ignorando sua gênese natural. A Libras, como língua, possui gramática própria, semelhante às línguas orais, embora a exploração seja realizada através dos gestos. Há três parâmetros constituintes na língua de sinais: configuração da mão, ponto de articulação ou locação e movimento (CM, PA ou L e M). A mesma configuração da mão em espaços diferentes representará palavras e conceitos distintos. A língua de sinais não é pantomima, datilologia, isto é, representações mímicas da realidade, o que tornaria muito difícil certos termos. Essa visão da língua de sinais como mímica, tem a ver com a forma que os ouvintes veem os surdos, tratando-os de forma exclusiva e pejorativa. É preciso entender que os surdos têm sua própria língua e que se comunicam como qualquer outro ser humano ouvinte, expressando até conceitos abstratos. Embora, a língua de sinais tenha sinais icônicos, não pode ser exclusivamente assim classificada como ícone. A caracterização da comunicação dos surdos é visuoespacial, e a dos ouvintes oral-auditiva. Os surdos, em sua história, foram privados de utilizarem sua língua natural por muito tempo, demonstrando a difícil relação com a sociedade ouvinte. As escolas forçavam o uso da língua oral e leitura labial, eram castigados, tendo até as mãos amarradas para que não se comunicassem através dos sinais. Os surdos tiveram que recorrer a asilos e escolas internas para receberem educação já que a perseguição e a exclusão eram explícitas. No Brasil a história não foi diferente, a língua de sinais era vista como um “código secreto”, eram usadas às escondidas, pois era proibida. A língua de sinais, diferente das línguas minoritárias não acabou e não acabará, pois é a forma natural dos surdos comunicarem-se, a perseguição não a aboliu, pelo contrário, fez com que se integrassem cada vez mais e houvesse a troca e o aperfeiçoamento desta.
Sandrine, a protagonista do filme sentiu que seus pais ficaram diferentes com ela após saberem que era surda. Ela não entendia o que havia feito de errado para que eles a tratassem friamente, mas sentia que colocavam seu problema muito maior do que era na realidade. Como ela não escutava, não sabia o sentido de ouvir, tinha sua maneira de se comunicar com os pais, com os objetos, com as árvores, as sensações provocadas pela chuva, pelo fogo. Nos anos iniciais de suas vivências viveu em clínicas de fonoaudiologia e psicologia que a obrigava a reeducar sua fala, fato que a contrariava, pois ela não queria falar. Chegando à escola, pouco aprendeu, uma vez que estudava em sala de aula regular e era a única não ouvinte, não entendia o que a professora dizia, se perdia em pensamentos e ficava tentando adivinhar o que esta sendo comentado em sala de aula. Enquanto as crianças faziam suas atividades, Sandrine se perdia em pensamentos olhando pela janela e desenhando. A professora em frente ao quadro de giz falava e falava, a pequena Sandrine não entendia o que estava sendo dito, só a via mexer a boca, como também não sabia como os outros alunos a entendia e, sobretudo, como conseguiam se comunicar. A criança então pensou que da boca saía um balão com frases, sentindo-se diferente dos demais e que não deveria estar ali que era de outro planeta. Então, tomou a decisão de esperar que os seus pares a viessem buscar nesse mundo tão distinto do seu. Assim, ela se tornou uma criança invisível e não tinha amigos de sua idade, somente pessoas mais velhas (fonoaudióloga, psicóloga), sendo que estes tinham o objetivo de reeducá-la. Quando ofereceram a ele um aparelho de ouvir, para que pudesse ouvir o que as outras pessoas ouviam, mesmo desconfiada aceitou que colocasse o aparelho. No entanto, ao ouvir a médica falando com ela, foi como se tivesse recebido um golpe, via estrelas, sentiu um choque, como se o corpo inteiro se quebrasse como um vidro, ouvia ruídos que não faziam nenhum sentido. Percebeu o que os ouvintes ouvia, mas sabia que usando ou não aparelhos continuaria sendo diferente.
Segundo o livro, existem vários mitos absurdos falando que o surdo não aprende porque tem mais dificuldades do que os que ouvem. Não se trata de dificuldade intelectual e sim de oportunidade de acesso a uma escola que reconheça às diferenças linguísticas que promova acesso a língua padrão, que no caso dos surdos tenha professores proficientes na língua de sinais, e que permitam a alfabetização na língua, primeira, natural dos surdos. A libras não impede ou atrapalha na aprendizagem da língua oral. A falta de interesse na língua oral e escrita é relacionada às punições, e as exaustivas atividades, que desmotivavam o surdo no processo de aprendizagem. Segundo Gesser, ainda há uma ideia que permeia a sociedade, que o surdo precisa aprender a língua portuguesa como prioridade, para a sua sobrevivência no meio social em que está inserido, ou seja, no grupo majoritário: ouvintes. Tanto a língua como a escrita devem ser primeiramente, promovidas na língua de sinais. A autora afirma que na realidade o surdo não “sobreviverá” nesta sociedade se não aprender a sua língua, a língua de sinais. Assim como um brasileiro aprende a sua língua de origem, o português, para depois aprender outras línguas, assim também os surdos têm o direito de aprender primeiramente a sua língua: libras. Não desprezando a língua portuguesa, que no caso dos surdos seria a segunda língua, tornando-os seres bilíngües. A autora pontua que o professor ouvinte precisa saber libras para poder ensinar, obtendo resultados significativos na aprendizagem do aluno surdo. Nem todos os surdos fazem a leitura labial. Depende muito de cada indivíduo, em alguns casos precisa-se de um treinamento fono-articulatório. Muitos ouvintes quando percebem que o surdo não consegue ler lábios tentam se comunicar de forma exagerada e desengonçada. É essencial que toda pessoa que interage constantemente com surdos não fique tentando adivinhar o que eles falam, mas aprendam a língua de sinais, porque é indispensável para se ter uma comunicação mais clara com os surdos.
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