A Cidadania e Neoliberalismo
Por: SANTOS_MACONHA • 15/10/2020 • Trabalho acadêmico • 1.467 Palavras (6 Páginas) • 174 Visualizações
Existe conciliação possível entre democracia e neoliberalismo?
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Existe conciliação possível entre democracia e neoliberalismo?
Fabio Luis Vasconcellos da Silva Dall’Oca (Unifesp)
RA: 141216
Para que seja feita uma elucidação ampla acerca dessa questão demasiadamente complexa, temos que elaborar uma definição geral do termo democracia. De acordo com o dicionário online Michaelis¹, este termo significa uma forma de governo em que a soberania é exercida pelo povo; em que cada cidadão tem sua participação e que o governo tem como compromisso promover a igualdade entre os cidadãos (DEMOCRACIA, 2020). Porém, no senso comum a democracia é tida como sendo um processo em que ocorrem eleições e onde o povo tem pelo voto, o poder de escolher um representante. Contudo, algo que ultrapassa o imaginário coletivo, principalmente no mundo ocidenteal, é que essas eleições podem ser realizadas em territórios de sistemas políticos contrastantes, como em monarquias parlamentaristas, como por exemplo no caso da Inglaterra e Espanha; em Estados de partido único, como: República Popular da China e República Popular Democrática da Coreia onde se há sufrágio universal; e não somente em repúblicas federativas presidencialistas, como os exemplos de Brasil, Rússia, Venezuela e Estados Unidos.
Entretanto, a democracia se manifesta de diferentes formas, dependendo essencialmente do modelo político que cada Estado escolhe assumir, mas não apenas isso. Todavia não é o intuito deste texto esclarecer sobre modelos ou preferências de Estados, mas sobre as diferentes formas de democracia que cada modelo concebe.
Cabe a nós imaginar a democracia mais sublime de todas como algo além dos votos e eleições, que obviamente são modos alcançá-la, mas imaginando-a também como a garantia de direitos civis e políticos. Não pode-se conceber democracia onde pessoas vivem sem dignidade. Como por exemplo: em situação de rua e morrendo de fome. Devemos, portanto, perseguir a democracia ideal através da cidadania geral, diferentemente do que acontece se seguirmos o modelo da democracia de países liberais, onde o Estado, influenciado pelo ideal liberal, de que tudo se regula pelo mercado, se abstém de investir em educação, moradias populares e saúde e, portanto, produz mais situações em que encontram-se pessoas invisibilizadas, onde os votos tornam-se censitários e, se é produzida acumulação de capital em poucos indivíduos os quais se beneficiam da desigualdade.
A democracia ideal, a qual se almeja ser concebida por finalidade, deve ter como precedente uma reformulação dos poderes e a essência dessas mudanças se dão pela tomada de poder das classes populares. Essa alçada é inevitavelmente em direção à democracia que abrangeria universalmente todos humanos, não como números e estatísticas, ou qual o valor de cada indivíduo, mas conduzindo a sua emancipação. Segundo o filósofo e pedagogo Ivo Tonet (TONET, I. Democracia e Liberdade, 1977, p. 77-79), ser cidadão é sinônimo de ter direitos e deveres garantidos pelo Estado, o qual garante a efetividade de ambos. Portanto, a máxima ambição como indivíduo, seria tornar-se plenamente cidadão. Mas para garantir a emancipação humana, a luta não cessaria com a obtenção da cidadania, pois, de certo modo até a cidadania aplicada na lógica burguesa, gera desigualdade. A cidadania é sim sinônimo de liberdade, ao mesmo tempo que não pode haver liberdade regida pelo capital. Consequentemente a tomada de consciência para realizar de modo efetivo a luta de classes demonstra ser a solução. Ainda segundo Tonet (TONET, I. Democracia e Liberdade, 1977, p. 80-82) , a emancipação política consiste no desenvolvimento mais pleno da esfera política, e portanto é falacioso colocar a democracia como objetivo máximo. A emancipação humana implicaria numa completa superação do Estado, o que não é o foco do debate em questão.
Mas nos é conveniente demonstrar a nova aparência do liberalismo, o chamado neoliberalismo ou também ultraliberalismo e também movimentos que subjugam e dilaceram as minorias e impossíveis de serem democráticos por assim dizer.
Cronologicamente, foi em 11 de Setembro de 1973, quando fora consolidado o golpe militar no Chile, onde o então comandante do exército, Augusto Pinochet, financiado pela CIA (Agência Central de Inteligência, afamada agência de inteligência civil do governo dos Estados Unidos), derrubou o governo de Salvador Allende, instaurando uma ditadura militar. Pode-se dizer que houve de fato a aplicação da reformulação do liberalismo, que hoje conhecemos como neoliberalismo. Seguindo os princípios da escola de Chicago, encabeçada por Milton Friedman, o golpe se consumou com ajustes econômicos progressivos que favoreceram o interesse privado em detrimento do interesse popular, ou seja, privatizações e redução de gastos estatais em áreas-chave como saúde e educação, uma cruel reforma previdenciária e também a abertura ao mercado externo, prejudicando o mercado nacional chileno. Os reflexos da implementação dos itens dessa cartilha desestatizante, principalmente da reforma da previdência são colhidas até hoje, quase meio século após o golpe.
O Golpe de Estado no Chile, financiado diretamente pelos Estados Unidos, por medo de um governo progressista ou até com viés socialista, eleito por meio de voto popular foi um dos muitos subsequentes. Exemplos que ocorreram antes e depois desse existem aos montes ao redor do mundo, mas, quando se trata da América Latina podemos elencar alguns que são pertinentes e confessam as mais perversas intenções dos golpistas e dos financiadores em aplicar essa ideologia.
Em 1954, o governo estadunidense que já seguia o ideal liberal, governado por Eisenhower, executou um golpe que destituiu o presidente da Guatemala Jacobo Árbenz, que havia sido eleito democraticamente e, designou a presidência ao coronel Carlos Castillo. O primeiro dos muitos ditadores alinhados com a direita que se seguiram naquele país. Jacobo havia proposto uma reforma agrária, porém, só a tentativa de combater a desigualdade social, eliminar a pobreza e garantir trabalho no meio rural insatisfez os latifundiários e também o monopólio das empresas estadunidenses estavam presente. Ocorreram também diversas tentativas de golpe em Cuba, país em que havia acontecido uma revolução socialista, liderado pela figura de Fidel Castro, que governaria o país posteriormente, mas contando também com a participação do médico e guerrilheiro marxista argentino Ernesto Guevara, conhecido mundialmente pelo apelido “Che” e entre outros revolucionários. Revolução que culminou com a queda de um regime ditatorial do militar Fulgencio Batista, abertamente favorável aos interesses dos Estados Unidos em Cuba.
Fica mais que provado que esse modelo privilegia poucos ao mesmo tempo que prejudica muitos e, também que essa dinâmica na prática é antagônica ao que é frequente tratado como progresso, principalmente progresso da sociedade como um todo.
Em suma, para evidenciar mais um vez como essa ideologia não carrega nada proveitoso em suas intenções, temos a situação brasileira atual, onde ocorre basicamente uma repetição dos planos econômicos de Pinochet no Chile. Após uma série de denúncias nas quais o governo estadunidense foi comprovadamente acusado de espionar, a então presidente Dilma Rousseff; de monitorar a recém descoberta do pré-sal e, após isso, com o auxílio dos poderes judiciário e executivo parcialmente corrompidos, houve o segundo golpe no Brasil com apoio logístico dos EUA. Para consumar seu golpe, recorreram a táticas fraudulentas com apoio de terceiros e contando também com o auxílio das mídias digitais que manipularam as eleições, favorecendo então, o candidato vencedor. Este após tomar posse, delegou como ministro da economia um banqueiro. Este indivíduo, por ser seguidor da ideologia da escola de Chicago, aplicou diversas reformas e privatizações que prejudicaram e prejudicarão a longo prazo os mais pobres deste país. Como consequência notável pode-se citar a estimativa do Banco Mundial que cerca de 5,4 milhões de brasileiros atinjam a extrema pobreza, chegando ao total de 14,7 milhões de pessoas até o fim de 2020.² Vale citar que segundo o banco suiço UBS os mais ricos do país aumentaram mais de US$ 50 bilhões de 2019 até hoje, alcançando uma fortuna de US$ 176,1 bilhões.³ Também é pertinente ressaltar que, como aponta o IBGE em um estudo publicado em 2018, no Brasil o rendimento médio da parcela dos 1% mais ricos da população foi mais de 33 vezes maior que o ganho dos 50% mais pobres.
É necessário entender que a democracia, em sua essência, nada tem de correlato com o neoliberalismo e também aprender com os erros do passado para não repetir os mesmo erros no presente e futuramente. Além de ser categoricamente contrários a ideologias burguesas, que nada beneficiam a população, mas sim excluem e abre margem para o retrocesso, sofrimento e exclusão social dos menos favorecidos.
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