A Cultura e Democracia
Por: weder pozza • 15/9/2021 • Pesquisas Acadêmicas • 93.109 Palavras (373 Páginas) • 123 Visualizações
A DIALÉTICA DA NATUREZA.
Friedrich Engels
PREFÁCIO
A moderna investigação da Natureza é a única que conseguiu um desenvolvimento científico, sistemático e múltiplo, em contraste com as intuições filosófico-naturalistas dos antigos e com as descobertas, muito importantes, mas esporádicas e em sua maior parte carentes de resultados, realizadas pelos árabes. A moderna investigação da Natureza data, como toda a história moderna, dessa época poderosa a que nós, os alemães, denominamos a Reforma, depois da desgraça nacional que, por sua causa, nos aconteceu, a que os franceses chamam de Renascença e os italianos de Cinquecento, época que nenhum desses nomes explica exatamente. Ela se inicia na segunda metade do século XV. A realeza, apoiando-se nos habitantes das cidades ou sejam os burgueses, enfraqueceu o poder da nobreza feudal e fundou as grandes monarquias, baseadas essencialmente no conceito de nacionalidade. Sob esse regime, alcançaram grande desenvolvimento as modernas, ações européias e a moderna sociedade burguesa. E, enquanto a burguesia e a nobreza continuavam engalfinhadas, a revolução camponesa alemã assinalou profeticamente as lutas de classe, trazendo à cena não só os camponeses sublevados - o que já não era novidade -, mas também, por trás deles, o esboço do proletariado atual, tendo, nas mãos uma bandeira vermelha e, nos lábios, a exigência da comunidade de bem.
Nos manuscritos encontrados depois da queda de Bizâncio e nas estátuas antigas descobertas em escavações feitas nas ruínas de Roma, desvendou-se aos olhos do Ocidente assombrado um verdadeiro mundo novo: a antigüidade grega. Diante de suas luminosas figuras, desapareceram os fantasmas remanescentes da Idade Média. Na Itália surgiu um florescimento artístico inesperado, resultado reflexo da antigüidade clássica e que nunca mais voltou a ser alcançado. Na Itália, na França e na Alemanha surgiu uma nova literatura, a primeira moderna. Inglaterra e Espanha viveram, pouco depois, sua época de literatura clássica. Foram derrubados os muros do antigo orbis terrarum; a Terra foi, então, realmente descoberta, lançando-se as bases do futuro comércio mundial, bem como a transição do artesanato à manufatura, que foi, por sua vez, o ponto de partida da moderna grande indústria. Foi atenuada a ditadura espiritual da Igreja. Os povos germanos repeliram-na, em sua maioria, tendo adotado o Protestantismo, enquanto que, entre os povos latinos, estabeleceu-se uma alegre liberdade de pensamento, imitada dos árabes e alimentada pela filosofia grega, recentemente descoberta, tendo-se assim preparado o terreno para o materialismo do século XVIII.
Foi essa a maior revolução progressista que a humanidade havia vivido até então, uma época que precisava de gigantes e, de fato, engendrou-os: gigantes em poder de pensamento, paixão, caráter, multilateralidade e sabedoria. Os homens que estabeleceram o moderno domínio da burguesia eram alguma coisa em quase nada limitados pelo espírito burguês. Muito pelo contrário, o caráter aventureiro dessa época neles se refletiu em certa dose. Não existia, então, quase nenhum homem de certa importância que não tivesse feito extensas viagens; que não falasse quatro ou cinco idiomas; que não se projetasse em várias atividades. Leonardo da Vinci era não só um grande pintor, mas também um grande matemático, mecânico e engenheiro, a quem os mais variados ramos da física devem importantes realizações. Albert Dürer era pintor, gravador, escultor, arquiteto e, além disso, inventou um sistema de fortificações que continha várias das idéias, muito mais tarde assimiladas por Montalembert, das modernas fortalezas alemãs.
Maquiavel era estadista, historiador, poeta e, ao mesmo tempo, o primeiro escritor militar digno de menção nos tempos modernos. Lutero não só limpou os estábulos de Áugias da Igreja, como também o do idioma alemão: criou a prosa alemã moderna e escreveu o texto e a melodia desse coral triunfal que foi a Marselhesa do século XVI. Os heróis dessa época não se achavam ainda escravizados à divisão do trabalho, cuja ação limitativa, tendente à unilateralidade, se verifica freqüentemente entre seus sucessores. Mas o que constituía sua principal característica era que que se todos participam ativamente lutas práticas de seu tempo, tomavam partido e lutavam, este por meio da palavra e da pena, aquele com a espada, muitos com ambas. Daí essa plenitude e força de caráter que fazia deles homens completos. Os sábios de gabinete são a exceção: ou eram pessoas de segunda ou terceira classe, ou prudentes filisteus que temiam queimar os dedos.
Assim também a investigação da Natureza evoluía então, acompanhando a revolução geral, e era, por seu turno, inteiramente revolucionária, uma vez que era forçada a lutar pelo seu direito à existência. Ao lado dos grandes italianos, iniciadores da filosofia moderna, a investigação da Natureza forneceu alguns mártires, levados à fogueira ou aos cárceres da Inquisição. É bastante significativo o fato de que os protestantes sobrepuseram-se aos católicos no que se refere à perseguição à livre investigação da Natureza. Calvino mandou queimar Miguel Servet, quando este estava prestes a descobrir a circulação do sangue, determinando que fosse assado lentamente, durante duas horas, ao passo que a Inquisição se contentava com, apenas e simplesmente, queimar Giordano Bruno.
O ato revolucionário pelo qual a investigação da Natureza declarou sua independência e repetiu, de certo modo, a queima de bulas papais, realizada por Lutero, foi a edição da obra imortal em que Copérnico, embora timidamente e já próximo da morte, lançou à autoridade eclesiástica sua luva de desafio a respeito das coisas da Natureza. A partir desse ponto, as ciências naturais se emanciparam da teologia, muito embora os esclarecimentos a respeito das pretensões daquelas e desta se arrastem até os nossos dias, não tendo ainda entrado em determinadas cabeças. Mas, desde então, o desenvolvimento das ciências se tem realizado a passo de gigante, podendo-se dizer que ganhou, em força, proporcionalmente ao quadrado da distância (o tempo), considerado o seu ponto de partida. É como se devêssemos demonstrar ao mundo que, daqui por diante, o mais excelso produto da matéria orgânica, - o espírito humano - é regido por uma lei de movimento, contrária à da matéria bruta.
A tarefa principal, nesse primeiro período das ciências naturais, então iniciado, era o domínio das questões mais imediatas. Na maior parte do que havia, quanto a conhecimentos científicos, tornava-se necessário começar tudo desde o princípio. A antigüidade clássica nos havia legado Euclides e o sistema solar de Ptolomeu; os árabes, a numeração decimal, os primeiros elementos da álgebra, a numeração moderna e a alquimia. A Idade Média, cristã, nada nos deixou. Em face de tal situação, tornava-se necessário que se colocassem em primeiro lugar as ciências naturais mais elementares: a ciência dos corpos celestes e terrestres; e, ao lado dela, a seu serviço, a criação e o aperfeiçoamento dos métodos matemáticos. Nesse terreno, grandes coisas foram realizadas. No fim do período assinalado por Newton e Lineu, vamos encontrar esses ramos da ciência já delineados em seus aspectos fundamentais. Os métodos matemáticos, principalmente, foram estabelecidos no que havia de essencial - a geometria analítica, por Descartes, os logaritmos, por Neper o cálculo diferencial e integral, por Leibnitz e talvez por Newton. (1) O mesmo se pode dizer em relação à mecânica dos corpos sólidos, cujas leis principais foram definitivamente esclarecidas. Finalmente, no que diz respeito à astronomia do sistema solar, Kepler estabeleceu as leis dos movimentos planetários e Newton as incluiu nos leis gerais do movimento da matéria.
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