Da necessidade de retorno da política - Despolitização e novos poderes
Trabalho acadêmico: Da necessidade de retorno da política - Despolitização e novos poderes. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: paulodinissa • 27/12/2014 • Trabalho acadêmico • 3.775 Palavras (16 Páginas) • 264 Visualizações
Da necessidade de retorno da política - Despolitização e novos poderes
O surgimento de uma nova política
“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”
Karl Marx, Teses sobre Feuerbach
Introdução
O presente texto constitui-se como uma reflexão feita a partir dos assuntos abordados no 27º Encontro de Filosofia, subordinado ao tema “Da necessidade de retorno da política” e da Acção de Formação “Despolitização e novos poderes”, na qual foi solicitada a elaboração de um artigo científico ou académico, comummente designado por paper. Antes de apresentar a introdução, propriamente dita, segundo as normas estabelecidas, queria salientar que a utilização deste termo paper suscita, por si, algumas considerações, pois pode-se revelar sintomática da hegemonia de um modelo cultural (no qual está incluída também a esfera política). De facto, assistimos à crescente utilização de termos anglo-saxónicos na nossa língua – briefing, framework, input e output, modelo swot, etc. Tal facto até nem é novidade, pois vários autores consagrados, como Eça ou Dostoiévski usaram frequentemente termos importados de outras línguas. Note-se que este comentário não tem um carácter pejorativo nem traços de xenofobia; eu próprio utilizo, sem complexos de culpa ou de rejeição, termos como abajur (abat-jour), tchau (ciau) ou até bué. Poderíamos até supor que a globalização da língua está em paralelo com a globalização mercantil. No entanto, o termo paper não deixa de ser curioso e simultaneamente, revelador. Ao questionar um amigo académico, a sua resposta foi elucidativa - toda a gente o usa. Esta explicação quase me deu uma esperança – será que a democracia vai chegar pela via da linguagem? No entanto, a minha crença no primado da acção sobre o pensamento desfez-ma – julgo que é pela e na práxis que este sistema político se pode realmente implementar e recriar, sendo o pensamento e o discurso dela derivados e, eventualmente, seus aliados, não obstante a super-estrutura ideológica poder condicionar a infra-estrutura material, como salientou Max Weber, que deu como exemplo o facto do protestantismo ter favorecido a economia dos países que o adoptaram.
Para concluir a minha reflexão relativa ao termo paper, considero que este até é bastante conveniente no que diz respeito a textos elaborados no âmbito da filosofia, que, por um lado, não são certamente científicos, uma vez que a filosofia não é uma ciência, pelo menos, segundo uma ampla maioria dos que se debruçam sobre o assunto, (o problema da avaliação pelas maiorias, ao qual voltaremos) e que para serem considerados filosóficos, têm de ser reconhecidos como tal e produzidos por filósofos, o que, no meu caso particular, não seia mais do que uma pretensão.
Através do presente trabalho pretende-se reflectir sobre a política, entendida como actividade que, através do exercício do poder, pretende organizar as sociedades humanas, ou, se preferirmos, a vida social das pessoas, bem como gerir aquilo que constitui o seu património comum e o espaço onde estas habitam. Considero igualmente como actividade política toda a acção ou discurso que, publicamente, vise defender ou contestar determinado modo de ser da organização social. Esta actividade relaciona-se ou é, em última análise, o exercício da cidadania. Na minha perspectiva, se um grupo de pais encerra uma escola porque chove lá dentro, se se assinar uma petição on-line em defesa do canal público de televisão, ou se um individuo expuser as suas críticas ao governo no facebook, estamos face a actos políticos. Há assim, muitas acções que se podem incluir na actividade política. Nesta medida, parece-me que esta está a assumir uma nova forma, que está muito para além do modelo clássico e institucionalizado a que estamos habituados; aliás, ela surge contra este modelo, ou melhor, contra os seus maus resultados – atentados aos direitos, pioria das condições de vida das pessoas, desemprego, corrupção, censura, repressão, abuso de poder, etc. Face ao desenrolar dos acontecimentos em vários pontos do globo, julgo que nunca houve, na história, uma tão grande consciência, espírito crítico, vontade e movimentações no sentido de ter uma ordem e uma organização social diferentes – as manifestações dos monges budistas em Myanmar, o movimento 15 de Outubro ou a Primavera árabe são disso bons exemplos, apesar de poder supor que muitos destes actos estão, por vezes, fortemente imbuídos de carga emotiva e falta de ponderação, o que prova as limitações da definição de ser humano como racional.
Dos diferentes sistemas políticos, far-se-á apenas uma análise relativa à democracia e serão apresentadas algumas propostas para o seu desenvolvimento, de modo a atribuir mais poder aos cidadãos, do que aquele que hoje têm e que se resume a escolher periodicamente os governantes.
As fontes que possibilitaram a redação deste texto são as exposições que tiveram lugar nos Encontros, bem como alguns excertos da bibliografia apresentada, que, apesar de serem interessantes e relevantes para a abordagem da matéria em questão, não puderam ser lidos e analisados com a atenção que mereciam; a terceira fonte foi a experiência de vida de quase meio século, nas diversas dimensões que esta implica, nomeadamente, a obtenção de informação proveniente directamente dos mass media e das tecnologias de informação.
Desenvolvimento
Comecemos pelo conceito de democracia. A afirmação “A democracia é o poder do povo” só é verdadeira no que diz respeito ao sentido etimológico da palavra. De resto, é ilusório que o povo tenha algum poder, a não ser, como disse muito bem José Saramago –o de rejeitar atribui-lo a alguns indivíduos, porque não se concorda com eles e atribui-lo a outros, dos quais talvez se venha a gostar. O escritor acrescenta ainda que grandes partes das instituições e organizações que efectivamente governam o mundo não são democráticas – FMI, OCDE, Banco Mundial, OMC, grupos financeiros e grandes empresas multinacionais - quem é que escolheu os seus líderes? Não foi o povo, certamente. As críticas às democracias parlamentares são colocadas em autores como Carl Schmitt, na obra “O conceito do político” como é referido na apresentação feita por Hans Georg Flickinger – “o parlamentarismo, por sua vez, teria perdido o seu fundamento e a sua credibilidade no momento em que a livre discussão
...