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Resenha Crítica Elo Perdido

Por:   •  1/11/2015  •  Resenha  •  1.617 Palavras (7 Páginas)  •  4.456 Visualizações

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PERDIDO, O Elo. Direção: Régis Wargnier. Reino Unido, 2005. 122 min.

Monalisa Ribeiro Gama[1]

        

        O filme O Elo Perdido (2005) se passa no final do século XIX, período que coincide com a exploração europeia aos continentes africanos e asiáticos. Antes da distribuição das colônias pelo Tratado de Berlim (1885), o continente africano já havia sendo explorado, como retratado no filme. As delegações de cientistas para o continente, que tinham o propósito de realizar pesquisas de caráter científico, já trouxera para a África a presença do colonizador europeu e sua avidez em desbravar o desconhecido mundo dos “selvagens”.

        No início do filme presenciamos a fuga dos personagens principais, que pelo desenrolar do filme parece se tratar de dois médicos, um homem e uma mulher, de um grupo nativo a África Equatorial. O motivo da perseguição se dá pela captura de um casal nativo, que será trazido à Londres para fins de estudos científicos. Acreditando eles terem encontrado o parente mais distante do homem moderno, o médico Jamie Dodd e sua companheira de expedição Elena encontram e captura o casal de pigmeus Toko e Likola.

        O outro, retratado aqui na figura dos nativos capturados, receberá o tratamento dado aos demais animais selvagens trazidos nesta expedição. Presos em jaulas e açoitados à revelia dos seus algozes, estes seres não eram considerados humanos, mas uma raça inferior que insultava a integridade dos homens civilizados.

        Abro aspas aqui para um detalhe interessante que passa de modo muito sutil no inicio do filme, quando da fuga dos expedidores. A presença de outros nativos, talvez considerados mais dóceis e amigáveis até o ponto de colaborar na captura do casal de pigmeus, é um dado que na minha leitura mereça ser evidenciado. Naquele universo africano também coexistem figuras estranhas a um determinado modo de vida grupal, estranho não somente no sentido de divergências de culturas, como é fácil de percebermos entre diferentes tribos. Mas estranhezas que colocam evidências de alteridade como a exposta entre os nativos colaboradores e àqueles de quem chamavam “espíritos da floresta” – os pigmeus. A reação a esse estranho apresenta certas semelhanças com o modo europeu, no sentido de coisificação do outro, quando observamos a presença nessa relação de estranhamento entre os nativos uma relação de poder e dominação, quando o chefe da tribo colaboradora toma para si o direito de decidir sobre a vida dos capturados, e permite a saída dos pigmeus sob a condição de que fossem trazidos de volta, uma vez que eram sua propriedade, parece evidente que tal lógica também opera nestas relações.

        Não quero com isso desviar da leitura eurocêntrica empreendida pelos estudiosos aos povos nativos africanos, tema central dessa discussão, mas chamar a atenção para o papel que o relativismo ocupa na leitura desses atos violentos em relação ao outro. A captura e a hostilidade com que foram tratados o casal de pigmeu pelos europeus, parece causar mais espanto - até hoje - porque o causador de tal sofrimento e humilhação foi um homem “civilizado”, filho da razão iluminista e liberto da condição infra-humana da selvageria e da barbárie. Quando tais atos são inferidos “entre selvagens” a coisa se esmaece, e cai no velho discurso: “Isso é cultura.” Exercitando um pouco o pensamento por meio dessa dinâmica “entre selvagens”, ou melhor, entre os “outros”, podemos empreender uma rápida leitura sobre o tema da violência nas sociedades contemporâneas.

        Há algum tempo atrás surgiu na mídia um espantoso caso de um jovem que praticava pequenos furtos no bairro do Flamengo, área nobre na zona sul do Rio de Janeiro, e que foi espancado e acorrentado com travas de bicicleta em praça pública pelos denominados “justiceiros”. Tal fato gerou uma onda de revoltas e indignação. Os “justiceiros”, como foram chamados os rapazes de moto que amarraram o jovem, quem são? Diferentes canais de notícias disseram coisas diferentes, ora que eles têm ficha criminal e que nada tem a ver com os moradores do bairro, ora que na tentativa de garantir a segurança do bairro, que segundo alguns moradores, estava tendo aumento de número de assaltos, teriam tomado a decisão de amarrar o garoto. O menino pobre, negro, agredido e acaba ai! Outras questões são apagadas. Seria mesmo somente a imagem do pobre, negro e marginalizado atada aquele poste? Ou também não estaria ali também representada a imagem do bárbaro que por toda a história da civilização se tenta expurgar? Como dito,  o bairro do Flamengo é um bairro nobre do Rio de Janeiro, as pessoas ficaram mais assustadas por imaginar “pessoas de bem” como essas, agirem como “bárbaras”. Mortes de jovens negros acontecem todos os dias dentro das favelas, em bairros periféricos, “entre os selvagens”, mas são vistos como “acertos de conta”, e a população que vive em zonas nobres com esta, e que são vítimas da barbárie alheia, agradecem sua mortes, dizem “menos um”, assim como a polícia, parte do mesmo princípio de higienização social. Por fim acredito que o negro, preso e agredido, não é problema, e sim aonde este negro, pobre, ladrão “inventou” de ser agredido e amarrado num poste: num bairro nobre. Se ele tivesse sido morto, esquartejado, numa comunidade pobre e reconhecida como violenta, qual caminho teria seguido esse discurso e mais esta indignação?

        Existem alguns cientistas sociais brasileiros que analisando a vida nas favelas verificaram que lá, nas margens da civilização urbana, se elabora uma forma de relação distinta das relações entre bairros centrais e subúrbios, uma outra cultura, de gostos, de códigos, de normas e regras que organizam o cotidiano da vida prática dos moradores. Para os que vivenciam essa realidade a reformulação dos modos de vida se configuram como estratégias de sobrevivência dos que vivem as margens, para os moradores do Flamengo a violência é de tal modo naturalizado que é como se isso fosse intrínseco as pessoas nestes espaços, ao ponto de atos contra a vida entre os “favelados” serem tão comuns quanto a cordialidade suburbana.

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