Em um mundo cada vez mais globalizado é fundamental que se exercite e pratique a capacidade de negociação, independente da área de atuação. Estamos negociando a todo tempo e sempre precisamos do outro. Seja em casa com a família, seja no trabalho com colaboradores e concorrentes. A negociação é um dos métodos de defesa de interesses, pessoais e profissionais, mais eficazes para que se atinja um objetivo definido. E é interessante notar que desde nosso descobrimento, viemos negociando: através do escambo ou simplesmente troca de serviços. Negociação é encontrar solução para problema a partir das dores ou necessidades, de duas ou mais partes, de forma justa, harmônica, vantajosa e satisfatória para todos os envolvidos. E envolve muito mais do que a troca em um diálogo. Englobam emoções, argumentação, planejamento, persuasão, flexibilidade e, principalmente, a escuta ativa. A seguir, analisaremos uma cena do filme “O Lobo de Wall Street” (2013), de Martin Scorsese, em que se pode notar a capacidade de negociação entre duas partes para obtenção de um objetivo.
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O filme “O Lobo de Wall Street” é baseado em uma história real de um corretor da bolsa de valores de Nova Iorque, que aprende técnicas de negociação, compra e venda de ações em uma grande empresa. Mostra como construiu sua fortuna desde sua demissão no primeiro emprego no ambiente financeiro, atingindo o ápice da carreira até o uso de práticas ilegais e imorais de negociação. Tudo isso em sua empresa de investimentos que sempre visava apenas o interesse particular, buscando somente o lucro, independente da forma como atingir. Podemos citar inúmeras cenas que retratam o poder da negociação de Jordan Belfort, o protagonista, no filme. Mas vamos nos ater à cena que ocorre entre 89 e 97 minutos, na qual se encontram Jordan e Denham, o agente do FBI. Esta cena em especial é interessante para analisarmos vários pontos de uma dinâmica de negociação. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que ambos os envolvidos na negociação se prepararam previamente para o diálogo que viria acontecer posteriormente no iate do empresário. Esse se reúne com um delegado amigo que passa algumas informações pessoais e profissionais sobre o agente do FBI, para ajudar a entender com que ele lidaria. Enquanto o agente Denham, como um bom policial federal, fez seu papel de investigação sobre o investigado, desde o início de sua trajetória como corretor da bolsa até a realização de seu império com a empresa. O contexto da cena se resume na busca de um alívio na investigação do FBI sobre a empresa de Jordan, por parte do protagonista, para que ele prosseguisse a atingir seus objetivos, se consolidando no mercado, e se tornando cada vez mais rico. Para isso, o corretor da bolsa usa de vários métodos de persuasão e negociação com o agente Denham, desde o planejamento até simpatia. Abaixo identificaremos alguns pontos importantes da negociação analisada: - Classificação das partes envolvidas (atores da negociação): Jordan é um negociador áspero, enquanto o agente Denham um negociador profissional. A cena se passa numa negociação cujos atores são adversários;
- Identificação das fontes de poder, ferramentas e táticas: na cena é possível identificarmos conhecimento, persuasão e risco. Inicialmente, fica claro o nível de conhecimento de ambos atores para esse encontro. Do lado de Jordan, como já informamos, vemos que ele se prepara previamente para obter o máximo de informações da outra parte da negociação. Assim como o agente do FBI. Ambos sabem com que vão lidar e traçam estratégias para conseguir seu melhor resultado. Quanto a persuasão, notamos mais claramente no lado de Jordan, que por muitas vezes durante o filme adota essa prática para conseguir seu objetivo. Na cena, ele tenta por duas vezes mostrar ao policial que não se deveria investigar sua empresa, e que ele seria capaz de ajudá-lo na busca de irregularidades em outros lugares e ainda incentiva Denham a se tornar um de seus corretores. Para isso, faz diversas analogias para captar o interesse do FBI oferecendo a ele um interesse no resultado de aumento de renda. Quanto ao risco, vemos que Jordan tenta ser mais simpático, mas agressivo, disposto a correr o risco de subornar o policial. Já com relação às táticas, identificamos o blefe, bom e mau sujeito e pequenas concessões. O blefe é exposto durante todo o filme, pois se trata de uma das táticas mais usadas por ele para conseguir convencer seus clientes a comprarem ações baratas e fazer negócio com a empresa. O bom e mau sujeito identificado na cena do iate quando durante todo início da conversa ele tenta ser o mais agradável possível e percebe que não vai conseguir o que quer, trazendo para jogo o mau negociador, atacando o policial, expulsando-o do local. Por fim, as pequenas concessões são identificadas também no início da cena, quando Jordan tenta trazer os agentes do FBI para seu lado, oferecendo-os comida e bebida, a fim de tornar a conversa mais informal e benéfica para todos. E além disso, durante certa parte da conversa, o agente se porta de forma ingênua, potencializando os interesses de Jordan fazendo-o acreditar que está no caminho certo da conversa.
- Avaliação das etapas da negociação: conforme dito anteriormente, é possível analisar claramente as etapas da conversa entre os atores. Na fase preliminar: Jordan tenta criar um clima positivo, sendo muito receptivo, iniciando a conversa sobre assuntos diversos, trazendo Denham para ficar mais à vontade. Além de oferecer comida e bebida, ainda mostra o tamanho do barco, mostrando um ambiente prazeroso de se estar. Aí vemos a tentativa de firmar valores de como vai tratar os policiais federais e como ele quer ser tratado. Na abertura ele identifica os interesses traçados no planejamento. Logo após todos acomodados, Jordan apresenta a lista de convidados que o policial estava à procura, a fim de cooperar com a investigação. Na fase de exploração o corretor tenta “obter concessões de maneira a transformar o acordo possível e vantajoso para ambas as partes”. E isso fica claro quando Denham diz que “não ve como um encontro desses assim não possa ser útil para ambos" os lados. Por fim, no encerramento, apesar de nenhum dos dois conseguirem o que queriam, eles confirmam o teor da conversa entre as partes, não formalizam nada, há uma leve discussão informal e irônica, e já iniciam a estratégia para para tomar as ações necessárias de se inocentar da investigação, por parte de Jordan, e de se procurar mais provas de fraude por parte do FBI.
- Descrição da comunicação verbal e não verbal: desde o início da cena, percebe-se muita ironia na forma de agir, desvio de olhares, sorrisos e risadas falsas, storytelling com perguntas retóricas que fazem o agente repaensar o que faz para viver. Uso do yes set também é identificado quando Jordan tenta trazer o agente para seu lado, mostrando os benefícios da vida de um corretor da bolsa (desde quanto ganham até as maravilhas dos benefícios de grandes negócios, com a possibilidade de acúmulo de bens grandiosos e luxuosos). Não há muita consistência na análise gestual de Jordan sobre Denham, pois não se conhecem. Em contrapartida há muito conhecimento de cultura, ou seja, é sabido algumas informações sobre os interesses, dores e hobbies e passados um do outro.
- Avaliação dos aspectos positivos da negociação observada e sugestão de melhorias: ao longo de toda a cena conseguimos avaliar alguns pontos positivos da forma com a conversa foi direcionada. Durante o tempo em que os atores estiveram juntos, foi possível perceber o controle emocional e interesses de cada parte, bem definidos. Esse é um passo fundamental para que a negociação possa vir a ter um bom desfecho para ambos. O que não aconteceu no fim das contas. Jordan traz à conversa muito entusiamento, disposição em ajudar a polícia na investigação, carisma e muita autoconfiança, pois a todo momento ele busca ficar acima da negociação como se estivesse numa posição confortável. Um ponto de melhoria pode ser tentar trazer esse ambiente informal e “amigável” para um lugar neutro ou um local de preferência do agente do FBI. Justamente para que não houvesse intimidação e pressão, por um dos lados. Outro ponto seria buscar melhorias sobre o controle emocional. Não que a conversa tivesse tomado outro rumo negativo, mas no final percebemos que o anfitrião Jordan expulsa os agentes federais, pois notou que não conseguiu o que queria. Perdendo a razão do negócio.
- Estabelecimento de um paralelo com sua realidade profissional: ao trazer a cena para a realidade, é possível fazer um paralelo no âmbito profissional e identificar inúmeros pontos positivos para uma negociação bem executada. Nos dois casos percebemos que é fundamental o planejamento prévio do assunto, um conhecimento técnico e pessoal do que se deseja e de quem estamos negociando, ter escuta ativa, ter uma boa abordagem definida, propor soluções de problemas e não apenas apontá-los, ter raciocínio sob pressão e ser flexível. Todas essas ferramentas casam com o que eu executo na minha profissão. Hoje trabalho com planejamento de obras residenciais e é preciso que se tenha colaboração, controle emocional, trazer a outra parte/equipe de obra envolvida para perto de mim para que se execute um planejamento factível e realista, mas também provocativo. Sempre puxando o melhor do engenheiro e da equipe, se colocando no lugar deles, para que se execute a obra no prazo determinado.
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O filme “O Lobo de Wall Street” traz inúmeros pontos positivos ao analisarmos os benefícios de uma negociação bem-sucedida. Durante todo enredo vemos altos e baixos na trajetória do protagonista, que tenta o lucro, o negócio com seus clientes, de toda forma, independente de como vai conseguir. A meta é sempre buscá-lo. Seja por meios ilegais ou desonestos. Não se importando com a outra parte. E disso não conseguimos tirar nada positivo, uma vez que uma negociação bem conduzida envolve a outra parte, tendo que todos saírem satisfeitos do acordo. Conseguimos trazer várias aplicações para o contexto corporativo e pessoal, uma vez que estamos negociando tudo a todo momento com várias pessoas. Vemos a importância de um planejamento prévio bem feito, buscando conhecer todos os pontos fortes e fracos dos atores envolvidos na negociação. A importância da uma boa persuasão, do controle emocional, das linguagens verbal e não verbal e principalmente da definição do objetivo da negociação. Portanto, é fundamental que continuemos praticando e reavaliando as negociações em que estamos envolvidos, pois a credibilidade e confiança só é construída uma vez, e sempre precisaremos do próximo para atingirmos nossos objetivos.
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