Luxo e Consumo - Resumo do capítulo do livro "Cultura e Modernidade", de Renato Ortiz
Por: Gabriel Dietrich • 19/6/2017 • Resenha • 3.533 Palavras (15 Páginas) • 635 Visualizações
Luxo e consumo – Resumo do capítulo do livro Cultura e Modernidade, de Renato Ortiz
O Capítulo inicia com uma introdução ao Antigo Regime, remetendo à Idade Média e fazendo referência ao potlach das sociedades primitivas, quando a riqueza era distribuída em proveito (ou por simples ostentação e rivalidade entre tribos) de uma sociedade hierarquizada. Na Idade Média, as festas, procissões e paradas militares representavam o “luxo” de uma sociedade majoritariamente pobre. Celebravam a ordem social vigente em nome de Deus ou dos grandes senhores; uma ostentação pública que contrastava com a situação miserável da maioria dos servos. Com a consolidação das monarquias, esse “luxo impessoal” passa a se individualizar e destina-se a satisfazer necessidades subjetivas. Vinculado à ideia de “civilidade”, as cortes europeias passam por um processo de “refinamento de gosto” a partir do século XVI. Essa privatização do luxo, além de atender a necessidades subjetivas em diferentes espaços da intimidade (como móveis domésticos, decoração e maneira de se vestir) atendem a essa ideia de civilidade sustentada pelos membros da corte e aristocracia, adquirindo conotação impositiva. Todos esses novos hábitos e padrões de comportamento eram comparados com os modos dos indivíduos socialmente inferiores. O luxo como “supérfluo necessário”, como defendido por Voltaire; no qual o maneirismo da sociedade de corte representaria uma educação superior e elevaria o homem do seu estado bárbaro natural.
Para a aristocracia essa necessidade de garantir uma aparência condizente com sua posição social possibilitava teatralizar esse pertencimento social. Para tal era necessária uma moradia que dispusesse de inúmeros cômodos e criados para atender a diferentes obrigações e ritos sociais, assegurando o “cenário de sua mundanidade”. Diferentemente do burguês, o aristocrata preza pela ociosidade, em contrapartida à vida degradada pelo trabalho; consumo de luxo e tempo versus trabalho manual e negócios.
Como elemento estrutural da sociedade de corte, o luxo também era fundamental financeiramente, representando estímulo ao crescimento econômico do Ocidente, com a importação de especiarias indianas, perfumes árabes e porcelana chinesa, entre outros. Tais demandas da aristocracia incentivavam as manufaturas, colocando os termos “luxo” e “indústria” na mesma equação.
A questão começa a ser observada por filósofos como Rousseau, que questionam a ostentação como um sinal de degradação moral. O que antes era considerada força impulsionadora do comércio e sinal de refinamento superior é colocado como desvio das inclinações naturais do homem. Invertendo as premissas de Voltaire, ao invés de representarem civilidade, o “bom gosto e a moda” afastariam o homem de sua essência e mascarariam a personalidade real do indivíduo. Rousseau considera que existem dois tipos de desigualdade, a natural (física) e a moral (política), que depende das convenções entre os homens. Sendo assim, para além de privar o indivíduo de sua essência, o luxo promoveria a separação entre as classes sociais.
Essa problematização do luxo e sua banalização serve para introduzir à discussão o consumo na modernidade, permitindo um melhor entendimento da modernidade industrialista.
Ortiz cita o pronunciamento do procurador-geral Dupin ao senado francês em 1865, que relaciona a prostituição ao luxo, intitulado “o luxo desenfreado das mulheres”. Afirmando que “o exemplo desce do alto”, o procurador afirma que a ostentação de luxo das mulheres de fortuna contaminaria “por espírito de igualdade” as classes inferiores, que buscariam a mesma aparência, além de criar uma série de males. Tal discurso – que representa o moralismo burguês da época – também encontra endosso nas palavras de Henri Nadault, que afirma que o luxo “enfraquece a moral” e “amolece as almas”, e que as mulheres aprendem com suas mães que agradar os homens “é sua única meta”; daí para a prostituição seria um passo pequeno. Em contrapartida, Ortiz apresenta um irônico panfleto escrito por Madame Olympe Adouard, intitulado “O luxo desenfreado dos homens”, que ataca a vaidade masculina, desde o modo de se vestir que custaria fortunas, à ostentação de bens e amantes, que aí sim seriam a causa da prostituição. Porém, apesar do forte discurso feminista, o texto também sustenta essa ideia do “contágio”, da degradação moral que se dissiminaria “de cima para baixo”. Por fim, apresenta o texto de J.T Saint-Germain, que além de condenar o moralismo do procurador e elogiar o “coquetismo” feminino, afirma que o mal não vem do luxo, nem do alto, mas sim dos esforços feitos por quem vem de baixo e quer atingir o nível do luxo para assim mantê-lo a todo custo.
Ortiz retoma o tema da “imitação” tratando do Antigo Regime, quando os hábitos da corte se disseminavam entre famílias burguesas, que diferentemente dos cortesãos tinham de sustentar sua fortuna através do trabalho. Para poderem viver um pouco do luxo da corte, era necessária a separação entre a vida privada e sua publicidade; algumas famílias tinham vidas austeras em casa para poderem gastar em aparições públicas. Ainda que houvessem grandes diferenças entre a aristocracia e a burguesia, havia um “abismo” quando comparadas essas classes a população geral. Dessa forma, Daniel Roche enumera três lógicas vestimentárias: “a da sociedade de status e de estamento, a da racionalidade do cálculo das oportunidades econômicas burguesa e a da necessidade dos pobres”. A vestimenta é ditada pelas regras do costume estamental.
O autor afirma que a “ruptura das fronteiras da aparência” só vem com a Revolução Francesa, que no decreto de 8 de brumário ano II determina que todos são livres para usarem a roupa que lhes convém, transformando um sistema de sinais hierárquicos em um direito de todos. Dessa forma, afirma que a distinção de classe não pode mais ser sustentada por um código legal, o que forçou a burguesia a elaborar uma nova “estética do bom gosto” que a diferenciasse dos outros segmentos sociais. Com a democratização surge o receio de que os status se misturem de maneira “indevida”. Sobre isso, Ortiz cita Henri Baudrillart, que afirma que a democracia moderna admite a riqueza e quer a liberdade, mas que dessa forma ela é delimitada pelas prescrições da moral e da economia, que mantém o luxo; assim perpetuam-se as “numerosas causas da desigualdade que se encontram na natureza humana”.
Colocando a imitação sob a ótica da industrialização, Ortiz afirma que ela pressupõe proximidade e distância: proximidade quando possibilita a indiferenciação das aparências e distância que é recuperada pelas estratégias de distinção adotadas diante da precariedade da industrialização francesa à época. Ortiz associa a noção de consumo à existência de uma classe abastada e demonstra como os magasins de nouveautés expunham uma opulência restrita a poucos, citando o texto de Arnould Frémy que descreve o fascínio de uma mulher do povo observando os produtos de uma exuberante vitrine. Essa distância permitiu aos defensores do luxo afirmarem que, ao invés de ser o causador de desigualdades, “o luxo assegura o pão dos pobres”. Citando o relato de Victor Hugo, que descreve uma festa na casa de um príncipe, admirando a beleza da decoração, das vestimentas, da comida; e afirma que o luxo é uma necessidade dos grandes estados, que o povo “não quer pão, mas luxo”, e que seria necessário por empregar milhares de operários, fazendo circular o capital.
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