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A Democracia No Pensamento De Hans Kelsen

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Por:   •  2/10/2014  •  3.154 Palavras (13 Páginas)  •  494 Visualizações

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democracia em Kelsen remete a administração estatal à idéia de legalidade [83]. Liberdade, no plano teórico, é tida como ausência de domínio e inexistência do lugar do "chefe". Na realidade social, contudo, os chefes existem e Kelsen afirma a superioridade do sistema parlamentar no controle dos chefes [84]. Relaciona a separação dos poderes a democracia, mas acolhe a possibilidade de o sistema servir a Estados autocráticos [85], embora anteveja em si uma vocação democrática, já que pela "divisão do poder" a concentração autoritária pode ser impedida.

Kelsen realça que, na democracia, o (um) chefe do Executivo fica subordinado à vontade do parlamento (plural), o que torna fundamental a eleição, para garantir a composição do parlamento [86]. Essa eleição deve ser vista não como escolha de delegação, mas "método" de formação de órgãos estatais, superior à mera nomeação [87]. E, aqui, não há um chefe com natureza transcendental, mas um que decorre de racionalização organizacional, dotado não de valor absoluto, mas relativo. Na democracia substitui-se uma situação de irresponsabilidade pela possibilidade da responsabilização de um chefe que não é sobrenatural, porque "qualquer um pode ser eleito chefe" [88], já que a democracia induz uma crescente possibilidade do governado ascender às chefias [89].

O problema central é a questão dos chefes, que existem de fato [90], e que devem ser limitados pela adoção de eleições, que funcionam como seleção eficaz de chefes estatais. O método deve ser competitivo [91] e possibilitar a qualquer um pleitear a chefia [92], assegurados direitos de liberdade e igualdade formal, comprometendo-se todos com a regra do jogo, de maneira que a minoria eventualmente chegue a ser maioria [93].

Para o autor, se "o problema político-social é apenas saber de que modo o melhor ou os melhores podem chegar ao poder e mantê-lo", na democracia esse problema se resolve com ampla vantagem sobre a autocracia e sem a necessidade de se recorrer a argumento transcendental [94], porque vige o princípio de que qualquer um pode chegar a chefe [95].

9. Perceba-se que a teoria da democracia se insere no pensamento de Kelsen unida às demais áreas abrangidas pelo autor. Com efeito, sua composição é dependente de uma concepção peculiar do direito, do Estado e da moral, de corte positivista. Deriva dessa base sua concepção de democracia como técnica de produção do ordenamento jurídico, caracterizada pela divisão de trabalho racionalizada, com a entrega da produção normativa para um órgão especializado, que delibera, em geral, por maioria simples, e é composto mediante eleição pelo sistema proporcional, na qual votam o maior número de eleitores possível.

Conquanto enfatize a instrumentalidade da via parlamentar, centrada no princípio da maioria simples, acentua a importância da deliberação, o que o aproxima da teoria deliberacionista mais recente [96], ainda que sua ênfase seja no problema da liberdade e na conseqüente possibilidade de síntese entre a posição do Estado e a do cidadão, que deve ser reduzida a um nível aproximativo, motivo pelo qual o que distinguirá a democracia da autocracia não será a natureza ou a justificativa da representação, mas a sua forma de instituição.

Trata-se de uma democracia radicada na impossibilidade da participação direta e da unanimidade entre os cidadãos, razão da defesa dos métodos eleitoral e parlamentar, semelhantemente tanto à versão madisoniana quanto às teorias, por exemplo, de Schumpeter [97], Downs [98] ou Arrow [99], que, todavia, tendem a esgotar a questão democrática no processo eleitoral.

Há que se considerar a relação desse modelo minimalista de democracia com o relativismo de valores assumido pelo autor e com sua definição de liberdade e igualdade. A tensão entre autonomia da consciência individual e heteronomia oriunda da ordem jurídica estatal se assenta em um sentido de liberdade que se afirma tão-somente no indivíduo racional, e no relativismo extremo que decorre da suposição de uma verdade absoluta inacessível, a partir da qual valores a identificar o bom, o bem, e o certo, serão, necessariamente, contextualizados. Nessa democracia inorgânica a visão da minoria nem sempre é má, ruim, errada, já que não há valores fixos e independentes. Exige-se, pois, a possibilidade de decisões serem revertidas e valores serem trocados, embora o valor liberdade individual, típico da tradição liberal, permaneça como premissa inafastável, a condicionar qualquer conclusão.

Justifica-se, assim, uma noção fraca e formal de povo, apenas normativa, dada a impossibilidade, para o autor, de uma visão sociológica de cunho orgânico. Povo é um conjunto de pessoas subordinadas a uma mesma ordem estatal, e, ao contrário da posição de Schmitt, não exatamente um conjunto dos titulares de direitos políticos, de maneira que o exercício das funções de governo não se realiza exatamente pelo cidadão, por delegação ou representação, mas pela subordinação de cada indivíduo à ordem jurídica.

Nesse diapasão, o Estado será realidade jurídica, supostamente válida, que atua como sintetizador dos múltiplos atos individuais [100]. Vale a idéia de que "se devemos ser comandados, queremos sê-lo por nós mesmos" [101], na qual se inserem a precedência do parlamentarismo, como forma de organizar o trabalho jurídico-estatal, o princípio da legalidade, a guiar a ação do Estado que administra e do Estado que julga, e o controle de constitucionalidade, instrumento securitário.

10. Em Kelsen, direito, Estado e democracia se vinculam estreitamente. O autor afirma que o Direito é um sistema normativo, dotado de normas válidas e coercitivas, que compõem um "esquema de interpretação", a conferir sentido jurídico aos diversos atos [102]. Direito e Estado se fundem, levando à afirmação de que "o Estado é aquela ordem da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à qual se ajustam as ações humanas, a idéia à qual os indivíduos adaptam sua conduta" [103]. Assim, "o poder do estado é o poder organizado pelo direito positivo – é o poder do direito, ou seja, a eficácia do direito positivo. [104]"

O arranjo democrático kelseniano tem, todavia, importante suporte em sua noção de Constituição e no papel atribuído à Jurisdição Constitucional. Verificam-se relações de oposição e complementaridade entre o princípio majoritário e a jurisdição constitucional, a implicar uma tensão entre constitucionalismo e democracia. Essa tensão, porém, deve funcionar como garantia dos procedimentos

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