A EMANCIPAÇÃO PENAL COMO FORMA DE SUBSTITUIÇÃO DA TESE DA REDUÇAÇÃO
Por: murilopaganotti • 16/4/2015 • Trabalho acadêmico • 4.416 Palavras (18 Páginas) • 261 Visualizações
A EMANCIPAÇÃO PENAL COMO FORMA DE SUBSTITUIÇÃO DA TESE DA REDUÇÃO DA CAPACIDADE PENAL PAULO JOSÉ FREIRE TEOTÔNIO, É PROMOTOR DE JUSTIÇA EM BEBEDOURO/SP, BACHAREL EM DIREITO PELA FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), COM PÓS-GRADUAÇÃO (LATO SENSU) PELA UNIVERSIDADE DE DIREITO MUNICIPAL DE FRANCA/SP, MESTRE EM CONSTITUIÇÃO E PROCESSO PELA UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO (UNAERP), MINISTRANDO ATUALMENTE AULAS NAS DISCIPLINAS DE TEORIA GERAL DO PROCESSO E DIREITO PENAL (PARTE ESPECIAL) NA FACULDADE DE DIREITO E ADMINISTRAÇÃO DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE BARRETOS (UNIFEB), ONDE EXERCE A FUNÇÃO DE COORDENADOR DO CURSO. INTRODUÇÃO O progressivo aumento da criminalidade infanto juvenil nos tempos atuais tem reclamado a pronta e imediata intervenção e atuação do Estado, em todos os seus níveis. Do ponto de vista do executivo, reclama-se o aumento da atuação do policiamento preventivo do aparato estatal, realizado através das Polícias Militares Estaduais, bem como uma melhoria na qualidade de investigação, a cargo das Polícias Civis, para torná-la mais inteligente e menos onerosa. Sob o prisma do Poder Judiciário, ausente qualquer condição para aumento do orçamento, aguarda-se a cada vez mais distante melhor alocação de recursos, com vista a torná-lo mais ágil e menos oneroso para a Sociedade, agilidade que, inclusive, reclamaria melhor atuação do Legislativo, do qual se reclama a imediata criação de mecanismos para que se evite a enxurrada de recursos protelatórios, cuja grande maioria deriva do próprio Poder Executivo, que atualmente agride o bom senso e torna por demais morosa a concretização das decisões judiciais. Aliás, necessário consignar que a parcela de culpa do executivo pela utilização de recursos procrastinatórios pode ser considerada mínima, posto que tal poder apenas se utiliza de mecanismo legal e constitucional colocado a sua disposição, sem que, por óbvio, conforme é exigido, nenhuma sanção seja aplicada pelo Poder Judiciário para combatê-la ou ao menos para inibir futuras idênticas condutas, não sendo providenciado pelo Legislativo, por fim, os mecanismos acima expendidos, os quais poderiam delimitar e obstar as malfadadas práticas. Por derradeiro, no que tange ainda ao Poder Legislativo, a Sociedade Civil Organizada tem reclamado uma maior e melhor atuação, com vistas não só a criação de estruturas adequadas para a correta punição daqueles que ferem os preceitos das normas penais incriminadoras, com a imposição de sanções mais 1 dequadas e condizentes ao tamanho da mácula que a conduta dos agentes causaram na paz social, como, principalmente, a criação e estruturação de preceitos legais que visem a impedir a prática de novas infrações, como também daqueles que visem coibir o maior inimigo atual da sociedade e maior aliado do crime organizado, qual seja, a tão propalada impunidade. Com vista ao acima exposto, o presente trabalho, sem qualquer pretensão didática ou de qualquer outra natureza diversa, visa abrir brecha ao debate que acima se aludiu, procurando apontar suposta solução ao impasse que se instituiu quando a discussão da redução da capacidade penal (imputabilidade penal) como forma de coibir e prevenir o aumento da criminalidade entre nossos jovens. Para que a idéia central do presente trabalho possa ser defendida, dando ensejo ao debate a respeito do tema em análise, faz-se imperioso, como antecedente necessário, expor o atual conceito de imputabilidade penal, acentuar como é feita a punição dos atualmente considerados inimputáveis pela idade e, por fim, enumerar as teses que hodiernamente estão sendo defendidas no que concerne a redução da capacidade penal. Desta forma, apenas para facilitar a exposição do tema em apreço, passa-se a abordar, por tópicos, os temas antecedentes acima elencados, para, ao final, propor a tese da emancipação penal. DA IMPUTABILIDADE NO DIREITO ATUAL O Legislador Penal Brasileiro, no CP de 1940, adotou a presunção legal como forma de estabelecer-se a imputabilidade, preferindo, assim, o sistema biológico como definidor da capacidade penal, ao estipular que a maioridade penal inicia-se aos dezoito anos (18) anos de idade. O legislador de 1984, por seu turno, também adotando o sistema aludido, preconizado no art.23 do CP de 40, estipulou a capacidade penal no art.27 do Códex Penal Atual, reiterando que a capacidade penal só seria possível, de forma absoluta, aos 18 (dezoito) anos completos. A única distinção feita pelo Legislador de 84, com relação ao Legislador de 40, foi semântica, posto que, ao contrário deste, que se utilizou do termo “irresponsáveis”, preferiu aquele utilizar-se do termo “inimputáveis”. Ao adotar o sistema ou princípio biológico, contudo, ignorou o legislador o virtual desenvolvimento mental ou não do infrator, não perquirindo a 2 ocorrência ou não de sua plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se segundo esse entendimento. A presunção até aqui adotada, desta forma, é absoluta, não comportando exceções, tendo o Legislador Penal justificado a adoção do sistema biológico por considerar que o menor de dezoito (18) anos ainda não teria desenvolvimento completo, sendo, em razão disso, “naturalmente anti-social” (Exposição de Motivos do CP de 1.940). Analisando o tema em questão, José Frederico Marques 1 , assim definiu: “a inimputabilidade, no Direito Penal brasileiro, resulta de fatores, elementos e pressupostos que se aglutinam e sucedem. Indaga-se, em primeiro lugar, da idade do agente. Só o homem que tenha atingido aos 18 anos pode ser considerado imputável. Sobre esta base biológica descansa a capacidade penal, entendida esta como a própria imputabilidade. Atingida a maioridade penal, o sujeito poderá ser inimputável se existir um fato de ordem biológica que possa comprometer a sua faculdade de autodeterminação. Ou os estados patológicos e de imaturidade mental previstos no art. 26, ou os estados de inconsciência enquadráveis no art. 28. A esse elemento ou fator biológico se acrescentam, em seguida, os coeficientes psicológicos da autodeterminação. Só então ocorrerá a inimputabilidade”. René Ariel Dotti 2 com a maestria e precisão que lhes são peculiares, de forma sintética, define a imputabilidade como “a capacidade de culpa”, citando, em seguida, a sábia lição de Fragoso, para o qual “a imputabilidade é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento (Lições, § 179)”. Luiz Regis Prado3 , citando o inesquecível Aníbal Bruno, revela que em sede doutrinária são apontados três sistemas ou métodos principais para definição da capacidade penal, senão vejamos: “a) Sistema biológico ou etiológico – leva em consideração a doença mental, enquanto patologia clínica, ou seja, o estado anormal do agente. Seu protótipo vem a ser o artigo 64 do Código Penal francês, de 1810: “Não há crime nem delito, quando o agente estiver em estado de demência ao tempo da ação”; 1 “Tratado de Direito Penal”. 2.ª ed. , vol. II/166, 1965. 2 “Curso de Direito Penal, Parte Geral”. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, pág.347. 3 “Curso de Direito Penal Brasileiro”. 2ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2001, pág.271/272. 3 ) Sistema psicológico ou psiquiátrico – tem em conta apenas as condições psicológicas do agente à época do fato. Diz respeito apenas às conseqüências psicológicas dos estados anormais do agente. Sua base primeira é o Código canônico: delicti sunt incapaces qui actu carent usu rationis. Em nosso país, agasalhou a fórmula psiquiátrica o Código Criminal do Império (1830), nos termos seguintes: “Art. 10. Também não se julgarão criminosos: § 2. Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lucidos intervalos e nelles commetterem o crime”. Nesse sentido, ainda, os Códigos Penais da Áustria (1852); da Espanha (1848); de Portugal (1886); c) Sistema biopsicológico ou misto – atende tanto às bases biológicas que produzem a inimputabilidade como às suas conseqüências na vida psicológica ou anímica do agente. Resulta, assim, da combinação dos anteriores: exige, de um lado, a presença de anomalias mentais, e, de outro, a completa incapacidade de entendimento (fórmula do art. 26, CP). É o acolhido, na atualidade, pela maioria das legislações penais (ex.: Código Penal italiano, art. 88; Código Penal espanhol de 1995, art. 20; Código Penal alemão, arts. 20 e 21; Código Penal português, art. 20 etc.)”. A par da disciplina na Legislação Ordinária, esculpida no art.27 do Estatuto Repressivo, por fim, necessário enfatizar que a Constituição Federal de 1988 elevou à condição de principio constitucional a inimputabilidade do menor de 18 (dezoito) anos de idade. Com efeito, o art. 228 da Carta Magna estatuiu que os de idade inferior a 18 (dezoito) anos, considerados menores, “são penalmente inimputáveis” e, deste modo, “sujeitos às normas da legislação especial” (ECA). Como conseqüência imediata, é evidente, não será mais possível, sem reforma do texto constitucional, reduzir, através de lei ordinária, o limite da imputabilidade penal. O paradigma adotado pelo Legislador Penal, de que o adolescente seria naturalmente anti-social (CP de 1940, mantido na reforma de 1984), como se vê, não mais é justificável nos tempos atuais, ante a precocidade de nossos jovens, em razão, principalmente, da melhoria de nossos sistemas de comunicação e a implementação de políticas educacionais e culturais, não mais servindo de justificativa a mantença do status quo nos tempos atuais, comportando, pois, imediata modificação. A simples redução da faixa etária, no mesmo sistema biológico ou etiológico, contudo, também não atende aos anseios sociais, muito menos as regras da sociologia e psicologia, posto não levar em consideração, na esteira do acima exposto, o desenvolvimento mental ou não do infrator, ou seja, a sua capacidade real de entender o caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento. 4 A solução que nos parece mais sensata, assim, apesar de não ser possível não adotar um limitador etário (sistema biológico), é um tertius genius, ou seja, combinar-se o sistema biológico com o sistema de prática de infrações anteriores, de natureza grave, ou seja, compor o sistema anteriormente adotado com outro de natureza objetiva, que, entretanto, leve em consideração critérios também de natureza subjetiva, que possam indicar que o infrator, mesmo que prescindindo de exames técnicos de criminologia, psiquiatria ou psicologia, entenda perfeitamente o caráter ilícito de sua conduta e tenha se comportado de acordo com tal entendimento, conforme a seguir veremos. DAS MEDIDAS SÓCIO EDUCATIVAS: Atualmente, os menores de 18 (dezoito) anos, com a adoção da presunção legal absoluta (sistema biológico), são passíveis, em caso de cometimento de infrações (as mesmas da Legislação Penal vigente), da aplicação de medidas sócio-educativas, previstas no art. 112 do ECA (Lei n.8.069/90). Tais medidas, por evidente, são aplicadas de acordo com a gravidade da infração praticada, levando-se em consideração sempre as infrações simétricas estipuladas pela Legislação Penal Comum, em razão da redação dada ao art.103 do ECA, que reza: “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção”. Estipula o art.112 do ECA, em enumeração taxativa, que podem ser adotadas como sócio-educativas, as seguintes medidas: 1. advertência; 2. obrigação de reparar o dano; 3. prestação de serviços à comunidade; 4. liberdade assistida; 5. inserção em regime de semiliberdade; 6. internação em estabelecimento educacional; 7. qualquer uma das previstas no art.101, I a VI. Destarte, para uma infração de menor gravidade, pode-se, sem considerar a remissão pura e simples (art.180, inciso II, do ECA), verbi gratia, aplicar ao adolescente a singela medida de advertência, crescendo a gravidade das medidas de acordo com a maior gravidade da infração, chegando-se ao patamar da internação, nos moldes do art.122 do ECA, apenas para os casos de reiteração criminosa, tratar-se de infrações cometidas com violência ou grave ameaça a pessoa ou por descumprimento reiterado e injustificado de medida anteriormente imposta. 5 Entretanto, mesmo que cometa um sem número de infrações graves e gravíssimas, que tais infrações sejam cometidas mediante violência ou grave ameaça, bem como tenha o adolescente descumprido todas as medidas anteriormente a ele impostas (acima expostas), estaria sujeito apenas e tão somente a medida de internação, a qual possui prazo máximo exíguo (três anos, com avaliação, entretanto a cada seis meses de efetivo cumprimento da medida, com liberação compulsória ao atingir 21 anos, atendendo aos princípios da brevidade e excepcionalidade – art.121, caput e §§), não se constituindo em punição suficiente e adequada, nestas hipóteses, a natureza da infração, a periculosidade do agente ou ao risco social que representa. Nesse diapasão, mesmo que hipoteticamente seja reduzida a capacidade penal, para dezesseis ou catorze anos, como querem alguns, ainda assim iria remanescer a distorção acima citada, com relação aos demais infratores, com idade cronológica inferior a estabelecida, posto que a internação, nesses casos, continuaria a ser medida inócua a prevenção ou repressão de tais práticas, sendo necessária a nosso ver a adoção de outro sistema ou conjugação do existente com outro sistema intermediário, conforme propomos neste trabalho. DAS TESES QUANTO A REDUÇÃO DA CAPACIDADE PENAL: Hodiernamente, muitos doutrinadores e mesmo legisladores tem defendido a redução da capacidade penal como forma de coibir e, portanto, minorar, o número de infrações graves cometidas por menores de 18 (dezoito) anos. O Legislador Pátrio, conforme anotado por Júlio Fabbrini Mirabete 4 , já inseriu, em diploma que não chegou a entrar em vigor, a redução da capacidade penal em nosso direito, estipulando no art.33 do CP de 1969 (Decretolei n.1004), em adoção ao critério biopsicológico que o menor entre 16 a 18 anos poderia ser submetido à sanção penal, caso revelasse “suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. O doutrinador acima citado revela, ademais, com base no Direito Comparado, que inúmeros países já adotaram critério distinto do brasileiro, mencionando, só para anotar, os casos da Argentina, Bélgica e Israel, dentre outros, que adotaram a capacidade penal aos 16 (dezesseis) anos, mencionando ainda países que adotaram a imputabilidade aos 15 (quinze) anos (Índia, Honduras, Egito etc.), 4 “Manual de Direito Penal”, vol. 1, São Paulo: Ed. Atlas, 1999, pág.216/217. 6 os que preferiram fixar o critério em 14 (catorze) anos (Alemanha, Haiti), bem como, por fim, o que adotou o menor critério, ou seja, 10 (dez) anos (Inglaterra). Discute-se atualmente, no direito tupiniquim, verbi gratia, a necessidade ou conveniência de estabelecer a responsabilidade penal aos dezesseis anos (ou quiçá aos catorze anos), acrescentando-se aos argumentos conhecidos, para os adeptos da primeira faixa etária, o fato de, a partir da Constituição de 1988, ser possível ao menor alistar-se eleitoralmente, fato que, por si só, já teria o condão de indicar, também por presunção (critério biológico), a aptidão deste mesmo jovem para responder por seus atos a nível criminal. Argumenta-se, ainda, como razão para torná-los imputáveis, o fato de ser possível aos jovens da faixa etária citada adquirir igualmente a habilitação para dirigir veículos. Cézar Roberto Bitencourt, observa, contudo, que “convém lembrar, para reflexão, que o Código Penal da Espanha, que entrou em vigor em maio de 1966 (Ley Orgánica n. 10/95), constituindo-se, portanto, no Código Penal europeu mais moderno, elevou a idade do menor, para atribuir-lhe responsabilidade penal, de dezesseis para dezoito anos (art. 19). Admitimos, de lege ferenda, a possibilidade de uma terceira via: nem a responsabilidade penal do nosso Código Penal, nem as medidas terapêuticas do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas uma responsabilidade penal diminuída, com conseqüências diferenciadas, para os infratores jovens com idade entre dezesseis e vinte e um anos, cujas sanções devam ser cumpridas em outra espécie de estabelecimento, exclusiva para menores, com tratamento adequado, enfim, um tratamento especial. Em primeiro lugar, é indispensável que se afaste qualquer possibilidade de referidos menores virem a cumprir sanção penal juntamente com os delinqüentes adultos. Em segundo lugar, faz-se necessário que as sanções penais sejam executadas em estabelecimentos especiais, onde o tratamento ressocializador, efetivamente individualizado, fique sob a responsabilidade de técnicos especializados, para que possa realmente propiciar ao menor infrator sua educação, além de prepará-lo para o mercado de trabalho. Enfim, para se admitir a redução da idade para a “responsabilidade penal”, exige-se competência e seriedade, aspectos nada comuns no tratamento do sistema repressivo penal brasileiro como um todo. Aliás, a incompetência e a falta de seriedade no trato dessas questões têm sido a tônica da nossa realidade político-criminal. Por isso, temos, inclusive, receio de sustentar essa tese, porque os “legisladores de plantão” poderão gostar da idéia, mas, como sempre acontece no Brasil, aproveitá-la somente pela metade: adotar essa responsabilidade 7 penal diminuída e “esquecer” de criar os “estabelecimentos adequados”, exclusivos para os menores! Ademais, essa tese não pode ser desenvolvida satisfatoriamente neste espaço”5 . Sem embargo das pertinentes observações acima expostas, feitas de forma contumaz e brilhante pelo Mestre citado, entendemos que a criação de Centro de Detenções Especiais para adolescentes é perfeitamente possível e defensável, bastando vontade política aos nossos governantes, vontade esta que quase sempre só aparece em razão de pressões da sociedade civil organizada, a qual, pelos motivos já expostos, há um bom tempo já vem caminhando neste sentido. Por derradeiro, a título de conhecimento, há ainda aqueles que defendem a pura e simples redução da imputabilidade para a faixa de 14 (catorze) anos, como, salvo engano, consta de projeto de autoria do então deputado Cunha Bueno (PPB-SP). DA EMANCIPAÇÃO PENAL: Como forma de criar mecanismo de ordem não só estritamente objetiva para punição daqueles que são contumazes infratores da lei, mas também com ingrediente de conteúdo subjetivo, o qual, entretanto, não depende de laudos de assistentes sociais, criminologistas ou médicos, entendemos deva ser instituído no Brasil o instituto jurídico da emancipação penal. A emancipação penal, por óbvio, não poderia ser instituída com os mesmos mecanismos da emancipação civil, nos moldes do vigente até janeiro de 2003. Por certo, tal instituto exigiria mecanismo próprio e adequado a finalidade que se propõe, sendo conveniente, até pelos direitos que estão em jogo, exigir-se a elaboração de etapas, que necessariamente deveriam ser cumpridas por Juízes ou Tribunais distintos para sua consecução. É inquestionável, num primeiro momento, que apenas o Juiz, enquanto integrante do Estado, mais especificamente da função jurisdicional estatal, e só ele, possa emancipar alguém com idade inferior a 18 (dezoito) anos, permitindo que a ele seja aplicada reprimenda, preenchidas diversas outras condições, como se imputável fosse. 5 “Manual de Direito Penal”, volume 1, 7ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, pág.307. 8 ntretanto, como forma de segurança e garantia do integral cumprimento dos direitos fundamentais e daqueles inerentes a dignidade da pessoa humana, pugnamos pela atuação de dois diferentes órgãos do Poder Judiciário para que se possa aplicar sanção a pessoa menor de 18 (dezoito) anos. Desta forma, como quem aplica sanção penal no Judiciário brasileiro é o Juiz Criminal, por via de conseqüência lógica, somente tal órgão poderia estar incumbido do desiderato final, o que não se discute. Todavia, para que seja possível tal apreciação por parte da Justiça Criminal, como forma de garantir os direitos acima expostos, evitar-se abusos e não se ter, principalmente, como critério exclusivo o limitador etário, de 12, 14 ou 16 anos, conforme pregam atualmente os defensores da redução da capacidade penal, mister que se imponha a tal procedimento, como antecedente necessário e indispensável, a atuação de um outro Magistrado. Questiona-se, destarte, qual seria este órgão ou componente do Poder Judiciário. A solução, ao que nos parece, é ao mesmo tempo óbvia e prática, qual seja, os Magistrados que possuem competência para apreciação das causas atinentes à Infância e Juventude, que no Estado de São Paulo estaria restrito aos Juízes da Infância e Juventude e a Câmara Especial do Tribunal de Justiça. Indaga-se, por oportuno, como se daria tal atuação dos Magistrados, com vistas a tornar possível a atuação do Ministério Público, da área criminal, e da Justiça Criminal em fatos provocados e condutas realizadas por agente com idade cronológica inferior a 18 (dezoito) anos. Também aqui a resposta possui conteúdo eminentemente lógico e restrito aos preceitos jurídicos atinentes à espécie. Como requisito básico, por primeiro, até em respeito a nossa cultura jurídica, necessário criar-se um limite cronológico para a aplicação de tal possibilidade (emancipação penal). Em atendimento ao critério estabelecido pela Legislação em vigor, ou seja, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), entendemos, prefacialmente, que a sobredita emancipação deva ficar restrita aqueles considerados adolescentes, excluindo-se aqueles que são considerados crianças pela Lei 8.069/90 (art.2º, “caput”). Assim, teríamos a possibilidade de aplicar sanção penal, numa primeira visão, somente aqueles maiores de 12 (doze) anos, não permitindo, até por questão de racionalidade, além da estrutural, que o instituto venha a ser aplicado aos que pertençam a faixa etária inferior aquela. 9 inda como garantia da preservação dos direitos da pessoa humana, além de atender ao princípio constitucional da presunção de inocência, entendemos que o instituto não deva ser aplicado indistintamente a todo e qualquer indivíduo que esteja dentro do limite temporal acima citado, devendo o legislador, em caso de adoção da sugestão, criar mecanismos que possibilitem a aplicação de maior punição somente aqueles que revelem instinto excessivamente violento, os reincidentes em infrações graves, os que não demonstrem possibilidade de recuperação perante os institutos hoje existentes para correção de adolescentes infratores. Assim, presente o ingrediente de ordem cronológica, ou seja, em sendo o adolescente maior de doze (12) anos, mesmo que só por um dia ou algumas horas, também se faz necessário que tenha cometido outras infrações anteriores para que possa ser punido como adulto. É evidente que nem toda e qualquer infração possa conduzir a emancipação, sendo necessário, a nosso ver, que as infrações anteriores sejam consideradas graves, comportando tal conceito todas aquelas infrações não só cometidas com violência ou grave ameaça, além do nefando comércio, como aquelas punidas, pela legislação penal tradicional, com penas em regime de reclusão (preceito secundário), como, verbi gratia, é o caso do furto. De se destacar, contudo, que se faz necessária a distinção entre as infrações cometidas com violência ou grave ameaça (além do tráfico de entorpecentes) e as demais infrações consideradas graves face a sua punição em regime de reclusão, as quais, por evidente, necessitam de tratamento diversificado. As cometidas mediante violência ou grave ameaça e o tráfico de drogas, em primeira análise, devem ser tratadas com maior severidade por parte do legislador, em consideração a relevância social de tais condutas, que demonstram maior periculosidade do agente, tanto que tais condutas são punidas com maior rigor pelo legislador penal. As denominadas demais infrações graves, conforme acima se explicitou, comportariam definição legislativa condizente com sua menor relevância social. Destarte, pergunta-se qual a definição que deveria ser dada pelo legislador em sopesamente da distinção acima exposta, chegando-se a conclusão, na nossa visão, que o número de três (03) infrações, cometidas mediante violência ou grave ameaça, além do tráfico, deveria levar a emancipação penal, enquanto que cinco (05) infrações graves, conforme acima conceituado, deveriam levar a aplicação do instituto. 10 ontudo, ainda remanesce a possibilidade do adolescente cometer infrações graves, além de infrações com violência ou grave ameaça e o tráfico de entorpecentes, não chegando a soma de cada qual ao número necessário acima especificado. Neste caso, entendemos que o número total de infrações praticadas, somadas as duas hipóteses elencadas, não poderia exceder o número total de quatro (04) infrações. Necessário ponderar, nesse passo, segundo os estudos pragmáticos que destacamos, que não é toda e qualquer infração grave ou cometida com violência ou grave ameaça, além do comércio espúrio, que deva possibilitar que a Justiça Penal aplique sanção penal ao infrator, não nos contentando o mero cálculo aritmético das infrações, segundo o que constar da ficha de antecedentes do infrator. Curial e indispensável, na nossa concepção, que nas infrações praticadas anteriormente pelo maior de doze (12) anos tenha impreterivelmente sido cominada ao infrator a medida sócio-educativa, dentre todas as outras previstas no ECA, de INTERNAÇÃO e somente dela. Com tal exigência, longo será o caminho do infrator para que possa chegar a possibilidade de punição como adulto, o que, por si só, já demonstra a necessidade de adoção da medida e o resguardo dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, estando patenteado, demais disso, não haver qualquer exagero ou excesso na sua adoção. Postas estas questões antecedentes, necessário explicitar a forma de atuação dos Juízes da Infância e Juventude para implementação do Instituto em análise, posto que foi exigida a prévia atuação ou autorização de tais órgãos para que a Justiça Criminal pudesse atuar. Presentes os requisitos temporal ou etário, bem como existentes previamente o número de decisões da Justiça da Infância onde foi cominada, com trânsito em julgado, a medida sócio-educativa de internação, assim, caberia a sobredito Magistrado, após o cometimento de nova infração por parte do maior de doze (12) anos, na fase da sentença de mérito, não só aplicar outra e nova medida de internação, nos moldes do art.122 da Lei 8.069/90, como também, no bojo da sentença, considerar o infrator, em vista do preenchimento dos requisitos indispensáveis, apto a receber, em caso de nova infração, tutela penal comum, sujeitando-o a futura aplicação de sanção penal, passando a ser considerado imputável em razão da sentença. 11 obredita decisão, desta forma, além de possuir conteúdo condenatório, passaria a também possuir conteúdo constitutivo, posto que o Magistrado da Infância, a fim de possibilitar a aplicação de reprimenda, por parte da Justiça Criminal, ao maior de doze (12) anos, desde que preenchidos os demais requisitos elencados, também modificaria a situação jurídica do infrator, transmudando a sua situação de então inimputável para a de imputável, emancipando-o expressamente através da sentença, para que, no futuro, caso venha a cometer qualquer nova infração, venha a responder por tal fato perante a Justiça Criminal. CONCLUSÃO: Mesmo que supostamente necessite de alguns ajustes ou estudos complementares, com efeito, a presente tese serviria para minorar a crescente impunidade entre os jovens, tendo-se em consideração que a persistência da conduta poderá levar a punição como adulto, tendo a tese amplo suporte no mundo jurídico, bem como na realidade empírica. O subscritor deteve-se à necessidade de instituição de mecanismo adequado à substituição da tão propalada e difundida redução da capacidade penal, a qual, no nosso modesto entendimento, por si só, não atende aos anseios da sociedade, muito menos aos direitos dos nossos jovens e a dignidade do ser humano em fase de crescimento e formação, o que nos levou a pensar sobre o presente mecanismo, mais condizente, a nosso prisma, com a realidade e o direito. Em tal tese, por óbvio, devido a nossa formação jurídica e humanística, procuramos traçar como parâmetros antecedentes, por necessário, os institutos jurídicos existentes, os conceitos indispensáveis a atividade jurisdicional, bem como os nossos modestos conhecimentos da realidade da Justiça da Infância e Juventude, bem como dos conceitos inerentes à nossa atual juventude. O presente trabalho, vale reiterar, não tem qualquer escopo diverso da exposição da “idéia”, sequer tendo por finalidade traçar qualquer explanação jurídica ou mesmo servir como tese acadêmica. O que se pretendeu, exclusivamente, foi dar ensejo ao debate sobre o tema enfocado, criando-se condições para a melhoria do atual status quo
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