Filosofia da Reforma Administrativa Brasileira
Relatório de pesquisa: Filosofia da Reforma Administrativa Brasileira. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 12/10/2014 • Relatório de pesquisa • 7.110 Palavras (29 Páginas) • 407 Visualizações
O advento da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho 1998, implementou a reforma administrativa do Estado Brasileiro. Tal emenda deu respaldo jurídico para a concretização de mudanças que se faziam imprescindíveis para a modernização da máquina administrativa do Estado brasileiro.
Dentre as modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19/98, destacam-se aquelas relacionadas com a estabilidade dos servidores públicos, com o regime de remuneração dos agentes públicos e com a gestão gerencial da administração pública.
A reforma administrativa constitui um dos eixos da reforma do Estado e deve ser analisada a partir de rigorosos critérios técnico-científicos, tendo em vista que se apresenta como uma das maiores reformas no âmbito da administração pública já experimentada pelo nosso país. Este momento, para além das divergências de concepções filosóficas e políticas, exige o empenho, a seriedade e a técnica dos profissionais das diversas áreas a fim de que, afinal, sejam solidificadas modificações efetivamente proveitosas, e a empreitada não se perca em um duelo de agressões políticas e filosóficas.
O presente estudo tem por finalidade explicitar as principais mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19/98 e, com isso, tentar colaborar com o esforço de informar o cidadão brasileiro acerca das regras jurídicas que o regulam. Com esse propósito vai-se analisar, em primeiro plano, a filosofia da reforma administrativa materializada com a Emenda nº 19/98. Ora, uma reforma ampla como esta envolve uma concepção de Estado que merece ser iluminada para que possa ser melhor entendida. Vai-se analisar também os principais pontos da reforma administrativa, tratando-se de questões específicas tais como a estabilidade dos servidores públicos, o novo regime de remuneração e os novos paradigmas da gestão da administração pública. Pretende-se, assim, elucidar a estrutura administrativa que se implantou no ordenamento jurídico brasileiro a partir da vigência da Emenda nº 19/98, destacando os direitos e deveres dos administrados, bem como as novidades gerenciais implantadas.
II - A Filosofia da Reforma Administrativa Brasileira
Os mentores da reforma administrativa ressaltam, logo de início, a importância de serem destacadas as características de uma administração pública burocrática, para que sejam distinguidas daquelas referentes à administração pública que se chama gerencial.
Atualmente, é pacífico entre os profissionais das diversas áreas que o problema da capacidade gerencial do Estado é um problema permanente, que ultrapassa a eficiência ou ineficiência dos mandatos que se sucedem nos Governos. É um problema que atinge a todos os cidadãos e está sempre a merecer a devida atenção dos governantes.
Assim, não se pode perder de vista que um Estado, como o Brasil (em crise fiscal, com poupança pública negativa, sem recursos para realizar investimentos), não tem, nem nunca teve, como manter em bom funcionamento as políticas públicas, de modo que se faz imprescindível refletir, sempre e cada vez mais profundamente, sobre o funcionamento de sua máquina administrativa.
Entretanto, apesar do problema gerencial do Estado ser perene, estar sempre presente nas pautas dos governos que se sucedem no tempo e não ser exclusivo do Brasil ou de países periféricos, ainda não se tem um caminho certeiro para a sua solução.
Na verdade, os especialistas afirmam que todo o período capitalista só conheceu duas reformas administrativas de relevo:
a. a primeira, de implantação da administração pública burocrática, em substituição à administração pública paternalista, que ocorreu no século passado nos países europeus, na primeira década deste século nos Estados Unidos, e nos anos 30 no Brasil.
b. a segunda, de implantação da administração pública gerencial, que tem seus primeiros precedentes comparados ainda nos anos 60, mas que, de fato, só começou a ser implantada nos anos 80 no Reino Unido, na Nova Zelândia e na Austrália, e nos anos 90 nos Estados Unidos, a partir de quando o tema ganhou dimensões mais amplas pela adesão do grande público. Até hoje os dois países em que a administração pública gerencial foi mais amplamente praticada foram o Reino Unido e a Nova Zelândia, no primeiro caso sob um governo conservador e, no segundo, sob um governo inicialmente trabalhista.
Sobre o assunto sustenta Bresser Pereira:
"A administração burocrática clássica, baseada nos princípios da administração do exército prussiano foi implantada nos principais países europeus no final do século passado, nos Estados Unidos no início deste século, e, no Brasil, na década de 30, com a reforma administrativa promovida por Joaquim Nabuco e Luís Lopes Simões.
(Exposição no Senado sobre a reforma da administração pública. Caderno nº 03 do MARÉ, p. 9.)
Ensina-nos a história contemporânea que a administração pública burocrática foi adotada para substituir a administração patriarcal, que caracterizou as monarquias absolutas, na qual o patrimônio público e o privado confundiam-se. Surgiu como o antídoto contra o nepotismo e o empreguismo e, também, contra a corrupção, que constituíam a regra trina vigente nos Estados absolutos.
A administração pública burocrática nasceu, portanto, da necessidade de desenvolver-se um tipo de administração que partisse não apenas da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação entre o ser político e o administrador público. Desenvolveu-se, portanto, a partir da concepção de uma organização burocrática capitalista, baseada na centralização das decisões, na hierarquia e no princípio da unidade de comando, na estrutura piramidal de poder, no controle passo a passo dos processos administrativos. Consistia, na verdade, em uma burocracia estatal de administradores formados especialmente para desconfiar de tudo e de todos, tendo em vista que a tradição informava que, se assim não fosse, os "fantasmas" do patriarcalismo e do nepotismo poderiam ressuscitar.
Já a administração pública gerencial surgiu tendo por fundamento uma concepção de Estado e de sociedade democrática e plural, que pensa na sociedade como um campo de conflitos e incertezas, na qual os cidadãos defendem seus interesses e afirmam suas posições ideológicas. Neste modelo de administração pública, as concepções da sociedade devem ser levadas em conta para que seus interesses sejam respeitados pelo Estado.
No Brasil, a idéia de uma administração pública gerencial não é novidade desta década. Os estudiosos do tema afirmam que tal reforma começou a ser delineada ainda na reforma administrativa desencadeada a partir dos anos 60, revelando-se, porém, mais visível com a edição do Decreto-lei 200, por ocasião da reforma ocorrida em 1967.
Vale registrar que os princípios da administração burocrática clássica foram introduzidos no país por intermédio da criação, em 1936, do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, que representou não apenas a primeira reforma administrativa do país, mas também a sedimentação dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica.
Já os princípios da reforma gerencial da administração pública brasileira só foram trazidos para o nosso meio com a edição do Decreto-lei 200/67, que constituiu, em essência, uma tentativa de superação da rigidez burocrática anteriormente praticada. Foi este, certamente, o primeiro momento que se tentou implantar uma administração gerencial no Brasil.
O Decreto-lei 200/67 destinou toda a ênfase da administração pública para a eficiência e para a descentralização administrativa, com base na autonomia da administração indireta. Por ocasião de sua edição, instituíram-se os princípios da racionalidade administrativa, do planejamento, do orçamento, da descentralização e do controle dos resultados.
Muito embora não se possa negar a expansão da administração pública implantada pelo Decreto-lei 200, este diploma teve duas conseqüências inesperadas e indesejáveis: de um lado, permitiu a contratação de servidores sem concurso público, facilitando a sobrevivência de práticas patriarcalistas e nepotistas; de outro, não se preocupou com mudanças na estrutura da administração direta ou central, não conferindo a devida importância para as carreiras de altos administradores, bem como deixando de considerar os funcionários públicos como profissionais engajados no mercado de trabalho. Com esta prática, como seria previsível, a reforma administrativa embutida no Decreto-lei 200 ficou pela metade e acabou por fracassar.
Foi nesse cenário que tomou pé a jornada de mudanças que culminou com a Constituição Federal de 1988. A estrutura da administração pública a partir da Constituição de 1988 inaugurou um período de clara reação ao nepotismo e ao autoritarismo militar. A Constituição de 1988 avançou ao estabelecer a exigência de concurso público para todos os cargos, porém retrocedeu ao rejeitar a descentralização, por julgá-la vinculada ao autoritarismo militar.
Dessa forma, retomando a reflexão sobre os problemas da administração pública, a reforma administrativa ora sob comento tomou fôlego com o objetivo de promover e estimular, principalmente, a eficiência dos serviços prestados aos cidadãos pela administração pública procurando, de um lado, viabilizar o fortalecimento da administração pública direta (que faz parte do chamado "núcleo estratégico do Estado") e, de outro, descentralizar as atividades não-exclusivas ou privadas do Estado. (chamado de "serviços não-exclusivos e produção para o mercado"), através das agências autônomas e das organizações sociais controladas por contratos de gestão.
Nesses termos, a reforma administrativa inaugurada juridicamente pela Emenda nº 19/98 não pode ser considerada centralizadora (como foi a de 1936) ou descentralizadora (como pretendeu ser a de 1967). Também não pode ser taxada de contra-reforma ao modelo instaurado pela Constituição de 1988. Na verdade, a sua pretensão não é a de continuar o processo cíclico que caracterizou o desenvolvimento da administração pública brasileira, a qual sempre alternou períodos de centralização e descentralização, mas, sim, a de fortalecer a competência administrativa do centro de direção administrativa do Estado brasileiro e estimular a autonomia das agências e das organizações sociais (entidades periféricas da administração pública).
Feitas estas considerações iniciais, imprescindíveis para o esclarecimento geral do tema, passaremos ao exame dos principais aspectos dessa reforma administrativa implantada a partir da Emenda nº 19/98.
III - Principais Pontos da Reforma
1) Revisão das Regras de Estabilidade
O artigo 41 da Constituição Federal é o que trata da estabilidade dos funcionários públicos. Foi alterado pela Emenda nº 19/98 passando a exigir o período de três anos para aquisição da estabilidade (art. 41, caput, da CF/88), o que teve como principal conseqüência tornar a estabilidade uma prerrogativa exclusiva dos servidores ocupantes de cargo efetivo.
A principal diferença entre o texto atual e o antigo, neste particular, está no fato de que, antes, o servidor público estável só perdia o cargo por ter cometido falta grave, definida em lei, e apurada mediante processo administrativo e, a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, o servidor estável também pode perder o cargo por insuficiência de desempenho no serviço público (art. 41, §4º da CF/88), ou por excesso de despesas (art. 169, II, §§ 4º a 7º da CF/88).
Vale assinalar que a perda de cargo em razão da avaliação de desempenho (cujo resultado seja insuficiente) tem a finalidade de afastar do serviço público os servidores descompromissados com o trabalho. Desta forma, o principal objetivo da alteração não é avaliar apenas o servidor no período em que está em estágio probatório, mas permitir que a sua avaliação funcional dure todo o período de sua carreira. Vale registrar, no entanto, que o afastamento do servidor, cujo rendimento for considerado insuficiente, dar-se-á por meio de um processo específico a ser regulamentado em lei complementar, diverso nas hipóteses em que o servidor estiver em estágio probatório e naquele em que ele já gozar de estabilidade administrativa.
Ainda merecem destaque especial as modificações no texto constitucional que, neste contexto, tratam da avaliação periódica de desempenho do servidor (art. 41, §1º, III da CF/88) e da disponibilidade com remuneração proporcional (art. 41, §§2º e 3º da CF/88), pois esta última, já prevista na Constituição na sua redação anterior à reforma, não era bem compreendida e gerava controvérsia no momento de ser aplicada. A questão da avaliação periódica, conforme já assinalado, foi deixada para discussão em lei complementar, norma em que será especificado o procedimento pelo qual será efetivada a avaliação. No que tange à remuneração do servidor em disponibilidade, o texto constitucional apenas explicitou o que antes era implícito e que, por causa disso, gerava muita controvérsia doutrinária e jurisprudencial, ou seja, que a remuneração do servidor posto em disponibilidade será proporcional ao seu tempo de serviço.
No que tange à perda do cargo por excesso de despesas (prevista no art. 169, II da CF/88 com a nova redação), esta permite que, para a redução de despesas com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios o administrador público dispense servidores, com a finalidade de que não se excedam os limites de gastos com pessoal fixados em lei complementar. Registre-se que o administrador público só poderá exonerar servidores estáveis, após ter reduzido em pelo menos vinte por cento as despesas com cargos em comissão e funções de confiança e após ter exonerado servidores não-estáveis.
Na verdade, a principal mudança introduzida com a Emenda nº 19/98, neste particular, foi a prerrogativa de o administrador público, em condições especiais especificadas em lei, exonerar também o servidor estável. Mas o texto constitucional introduzido pela Emenda deixou assente que a perda do cargo, nesta hipótese, decorrerá, necessariamente, de ato em que estejam especificadas a atividade e órgão ou unidade administrativa em que se dará a redução do quadro e o pagamento de uma indenização proporcional ao tempo de serviço (art. 169, II, §5º da CF/88).
Vale anotar que o § 6º do inciso II do art. 169 estabelece certas garantias contra a utilização indevida da exoneração de servidores estáveis, nas hipóteses mencionadas. Segundo este dispositivo, o cargo deixado vago com o afastamento de servidor estável deverá ser automaticamente extinto, não podendo ser recriado durante o período de quatro anos. E impõe o texto constitucional ainda que, nesse período, também fica proibida a criação de cargo ou emprego com atribuições similares. O § 7º do mesmo dispositivo determina que a lei deverá estabelecer os critérios e procedimentos para a regulamentação da demissão do servidor estável, especificando, em particular, os critérios para a seleção dos servidores a serem desligados, observada a exigência estrita da impessoalidade.
Por fim, ainda com referência ao tema "estabilidade do servidor público" e com o intuito de deixar bem claras as regras que se estavam introduzindo, a Emenda nº 19/98 acrescentou ao texto constitucional de 1988 o art. 247 (o último de nossa Constituição), determinando que podem ser estabelecidos critérios e garantias diferenciadas na demissão por insuficiência de desempenho (art. 41, §4º da CF/88) ou o excesso de despesas (art. 169, II, §§ 4º a 7º da CF/88), no caso de servidores ocupantes de cargos com atribuições exclusivas de Estado, ou seja, aquelas do núcleo estratégico (Legislativo, Judiciário, Presidência da República, cúpula dos ministérios) e das atividades exclusivas propriamente ditas (polícia, regulamentação, fiscalização, fomento, seguridade social básica). Tal diferenciação justifica-se porque estas são atribuições cujo exercício impõe uma regulamentação rígida, visando reforçar garantias contra a utilização persecutória da demissão.
Assim, não há como deixar de ressaltar a importância da reflexão e do debate que ainda está por vir neste tema, pois, a Emenda Constitucional, em matéria de procedimento para a exoneração de servidores públicos (estáveis e não estáveis, por insuficiência de desempenho ou por excesso de despesas), deixou a regulamentação a cargo de lei complementar, a qual merece toda a atenção dos órgãos responsáveis pela iniciativa legislativa, do Congresso Nacional e também da sociedade civil, pois todos são diretamente interessados no futuro dos servidores públicos, que, por fim, existem para servir a todos e por todos são custeados.
2) Modificações no Regime de Remuneração
Dentre as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19/98, no bojo da reforma administrativa, algumas delas ganharam importância diferenciada na reflexão jurídica. Entre estas questões está a previsão de subsídios em substituição aos vencimentos ou remuneração de alguns agentes públicos. Também o teto remuneratório e o direito adquirido a vencimentos são temas que dizem respeito à remuneração dos agentes públicos, e que merecem detida consideração.
2.1 Subsídio
O termo "subsídio", introduzido no texto constitucional de 1988 pela Emenda nº 19/98, vem substituir, para determinadas categorias de agentes públicos, os termos remuneração ou vencimentos, consubstanciando-se em importância salarial retributória de natureza alimentar paga pelo Estado em retribuição de serviços prestados. (Este conceito foi dado por Alexandre Moraes, Reforma administrativa. São Paulo: Atlas, 1999, p. 63.)
Conforme lembra a professora Dinorá Adelaide Grotti (Remuneração dos servidores. In: DCAP/IOB, nº 01/99, jan/99, p. 36), este termo era usado pela Constituição anterior (1967/69) para designar a remuneração dos agentes políticos, constituindo-se de uma parte fixa e uma variável de acordo com o comparecimento do titular às sessões legislativas. Na redação atual da CF/88, com a modificação introduzida pela Emenda nº 19/98, o art. 39, §4º prevê o subsídio como parcela única, à qual não pode ser acrescida vantagem pecuniária alguma, tais como gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.
O subsídio, portanto, constitui parcela única que deve obedecer, em qualquer caso, ao disposto no art. 37, X e XI ( necessidade de lei específica para a fixação ou majoração dos subsídios e respeito ao teto remuneratório máximo).
Segundo Georgenor de Sousa Franco Filho (O servidor público e a reforma administrativa : emenda constitucional nº 19/98. São Paulo : LTR, 1998, p. 42):
"Subsídio pode ser definido como remuneração irredutível devida aos agentes políticos da Administração Pública, representada por parcela única, defeso acréscimo em espécie de qualquer natureza, fixada por lei específica, sujeito à revisão anual, limitado em qualquer caso, pelos valores percebidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal."
Estão submetidos ao regime de subsídio: os membros de quaisquer dos poderes, os detentores de mandato eletivo, os ministros de estado, os secretários estaduais e municipais, bem como os membros do Ministério Público, os integrantes da Advocacia Geral da União, os procuradores dos Estados e do Distrito Federal, os defensores públicos, os Ministros do Tribunal de Contas da União e os servidores públicos policiais. Além desses, o artigo 39, §8º da CF/88 prevê que o servidores públicos organizados em carreira poderão ser remunerados mediante subsídios, conforme opção do legislador de cada ente federativo.
A questão da remuneração dos servidores públicos sempre foi tema tormentoso em nossa literatura jurídica. Já a Lei 8.112/90, nos seus artigos 40 e 41, conceitua vencimento e remuneração, muito embora todos saibamos que não é próprio dos textos normativos a enunciação de conceitos:
"Art. 40. Vencimento é a retribuição pecuniária pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei.
Parágrafo único. Nenhum servidor receberá, a título de vencimento, importância inferior ao salário-mínimo.
Art. 41. Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei. (...)"
O resgate da figura do subsídio, no âmbito da reforma administrativa impulsionada pela Emenda nº 19/98, teve por escopo corrigir distorções ocasionadas pela falta de precisão conceitual dos termos "vencimento" e "remuneração", de forma a tornar mais transparentes os salários de agentes públicos ocupantes de cargos de alta relevância para a administração pública. Resta evidente que o intuito da reforma, neste particular, foi evitar controvérsias e discussões que, muitas vezes, levavam a interpretações judiciais equívocas sobre temas relacionados aos salários dos agentes públicos.
Entretanto, a precisão expressa no texto da emenda ainda não foi suficiente para espancar todas as dúvidas acerca do tema. Os doutrinadores que já se pronunciaram sobre o assunto são uníssonos na idéia de que ao vedar o acréscimo de quaisquer vantagens pecuniárias ao subsídio, o legislador buscou quebrar o sistema anteriormente vigente, segundo o qual a remuneração compreende o valor fixo determinado em lei mais as vantagens pecuniárias de diversas naturezas prevista na legislação estatutária. Porém, estes autores afirmam que o legislador não deixou claro o que efetivamente queria fazer significar o novo padrão salarial.
Desta forma, a vontade do legislador constituinte derivado, que parece ter sido a de revogar todas as normas infraconstitucionais que preveêm vantagens pecuniárias remuneratórias como parcela integrante da remuneração, pode restar esvaziada acaso não se cuide do tema com o rigor científico que ele merece. Se se quiser remunerar de forma diferenciada os ocupantes de cargos de chefia, direção e assessoramento, bem como os cargos em comissão dos agentes políticos que obrigatoriamente devem receber subsídios, a lei terá que fixar uma parcela única compatível com os diferentes cargos e as funções nele embutidas. De outra maneira, as distorções permanecerão.
Vale salientar que existem outras parcelas que, por não serem de natureza remuneratória, ou seja, por não integrarem a remuneração em si mesma considerada, podem ser pagas também aos agentes públicos que percebem subsídios. São elas: o décimo terceiro salário; o adicional noturno, o adicional de horas extras, o adicional de férias. O mesmo ocorre com as vantagens de caráter indenizatório, tais como as diárias, ajudas de custo, despesas de transporte. Veja-se que, com isso, não se está flexibilizando o comando constitucional, pois todas estas parcelas não têm natureza remuneratória, ou seja, não integram a remuneração (agora chamada de subsídio).
O professor Carlos Ari Sundfeld leciona com propriedade nesse sentido:
"o fato de ter o seu trabalho remunerado por subsídio, que deve ser versado em parcela única, não impede o servidor de receber dos cofres públicos outras importâncias, sem caráter remuneratório do específico exercício de seu cargo. São exemplos: uma indenização por gastos de transporte, um bolsa de estudos para completar a sua formação, um prêmio em concurso de monografias, um abono pela apresentação de idéia que gere economia de recursos públicos, uma gratificação pela participação em banca de concurso universitário, um adicional pelo comparecimento em sessão do "Conselho de Cidadãos", uma verba de representação pela atuação em jugo esportivo, como integrante de time formado pelos servidores do órgão; bem assim um subsídio, um salário ou um vencimento pelo exercício, em regime de acumulação lícita, de outro cargo ou emprego; ou um provento de aposentadoria ou uma pensão".
Para concluir estas considerações, deve destacar-se que a enumeração feita serve para esclarecer que o que não se pode acrescer ao "subsídio único" é uma outra parcela remuneratória, ou seja, uma parcela pecuniária destinada a compensar o agente público pela função que exerce no seu cargo público.
Feitas estas observações, vamos examinar uma outra questão intrigante neste contexto: o teto remuneratório.
2.2 Teto Remuneratório
Uma das grandes preocupações dos autores da reforma administrativa (e um dos maiores temores dos agentes públicos) diz respeito ao limite dos seus salários. Trata-se do problema relativo ao teto de vencimentos, e agora, teto de subsídios.
De acordo com a nova redação do art. 37, XI da CF/88 ninguém poderá receber mais, em espécie, do que o que recebem os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Conforme já é sabido de todos, os vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, após as modificações introduzidas pela Emenda nº 19/98, passaram a ser chamados de subsídios, desaparecendo com isso a série de itens que constavam dos contracheques desses (e de todos os outros) magistrados brasileiros, como forma de tentar eliminar as distorções existentes e fazê-los receber um ganho digno e correspondente às suas altas funções.
Uma das novidades introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19 foi a instituição de um teto de remuneração único para os três Poderes e para todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Assim, estabeleceu-se que o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal é o limite máximo para a remuneração de qualquer agente público (abrangidos aí o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos, Ministros de Estado, Deputados Federais e Senadores, e outros).
Na nova regra, o teto não permite nenhuma exceção, ou seja, engloba efetivamente todas as parcelas remuneratórias, inclusive as vantagens pessoais.
A fixação do subsídio dar-se-á por lei de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente do Senado Federal, do Presidente da Câmara dos Deputados e do Presidente do STF. Essa lei de iniciativa conjunta deverá ser lei ordinária, de tramitação normal, e necessariamente deve ser revista a cada ano (revisão geral anual).
Neste ponto reside o ponto nodal da reforma que está a merecer críticas de toda a doutrina especializada: em sessão administrativa do dia 24 de junho de 1998, o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria (7 votos a 4) que "não são auto-aplicáveis as normas do art. 37, XI e 39, §4º da Constituição com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, porque a fixação do subsídio mensal, em espécie, de Ministro do Supremo Tribunal Federal – que servirá de teto – depende de lei formal."
A questão do teto, portanto, ainda está pendente de decisão do Supremo Tribunal Federal. A discussão sobre a fixação do subsídio máximo dos Ministros repousa na dúvida se se deve ou não incorporar a este teto a gratificação que os Ministros do Supremo que atuam junto ao Tribunal Superior Eleitoral (R$ 1.200,00) recebem. Uma vez fixado este teto, ele há que ser respeitado por todos, e não deverá admitir exceção.
2.3 Direito Adquirido à Remuneração
Uma outra discussão que surge neste âmbito diz respeito ao direito adquirido à remuneração, naquelas hipóteses em que tal remuneração seja superior ao teto estabelecido pelo texto constitucional pela redação que lhe emprestou a Emenda nº 19/98.
Há quem defenda que em relação a esta questão há de se interpretar a norma constitucional nova referente ao teto remuneratório de forma que se respeite o direito adquirido à remuneração atualmente percebida. Sustenta-se que seria uma interpretação conforme a Constituição sem redução de texto, de modo a reduzir o alcance valorativo do dispositivo que trata do teto de vencimentos (hoje subsídios), excluindo-lhe a interpretação que concede retroatividade em relação às situações jurídicas já consolidadas antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98.
A doutrina constitucional pátria tradicionalmente rejeita a existência de direito adquirido em face de norma constitucional. O Supremo Tribunal já tem jurisprudência firme no sentido de que não se pode falar em direito adquirido a regime jurídico, nem em direito adquirido contra a Constituição. Neste contexto, revela-se importante analisar dois pontos: a natureza do regime jurídico que vincula o agente público e a distinção entre a eficácia imediata e a eficácia retroativa das normas constitucionais.
O agente público que ocupa um cargo público não se apropria do seu regime jurídico, tendo em vista que a disciplina de seu cargo deve adequar-se ao comando legal que o cria, o regulamenta e o extingue nos termos do que dispõe a lei. Ora, o princípio da legalidade tem relevância ímpar para o direito público, a qual se acentua no âmbito do direito administrativo. O administrador tem o poder-dever de observar a lei e só pode agir nos limites que ela o permitir. O regime jurídico do agente público constitui um conjunto de normas que pode ser definido e alterado pelo Estado em vista do interesse público e que uma vez alterado, só resta ao agente público adequar-se ao conjunto de normas novas.
Aqui há de se fazer uma distinção entre o regime jurídico e os direitos que dele provêem. O resguardo ao direito adquirido não pode, a pretexto de resguardar direitos e vantagens individuais já incorporados ao patrimônio do servidor, condenar o sistema constitucional a imutabilidade perpétua. O Estado goza (e sempre gozará) da prerrogativa de organizar o seu sistema administrativo da forma que o interesse público exigir e do modo como o legislador dispuser. O agente público tem resguardado, nos termos do que preconiza a Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º), os direitos subjetivos incorporados ao seu patrimônio jurídico em decorrência do regime jurídico, porém, ele jamais terá direito ao regime jurídico enquanto sistema ordenado de normas que regem a sua vida funcional.
Esclarecido que o agente público não pode pretender engessar a administração pública sob o pretexto de existência de direito adquirido a regime jurídico, passemos ao exame do direito adquirido à remuneração.
A discussão que certamente virá a lume no contexto da reforma administrativa, quando a lei estabelecer o valor do teto de remuneração, diz respeito ao direito adquirido à remuneração, em face do teto constitucional estabelecido. Quando se fala em direito adquirido à remuneração é preciso levar em conta a doutrina sobre eficácia imediata e retroeficácia das normas constitucionais.
A norma constitucional tem eficácia imediata, passando a regular todas as situações presentes e futuras. Isso é pacífico. Entretanto, há casos excepcionais em que o legislador constituinte (originário ou derivado) faz retrotrair as normas constitucionais para alcançar relações jurídicas no passado.
Em trabalho publicado em 1995, o professor Paulo Modesto (Reforma administrativa e direito adquirido ao regime da função pública, RIL, a. 32, n.128, out./dez. 1995) trata do tema com percuciente cuidado. O professor baiano traz dois exemplos em que o legislador constituinte expressamente previu hipóteses de eficácia retroativa de normas constitucionais: os artigos 17 e 18 dos atos das disposições constitucionais transitórias.
"Art. 17 Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.
Art. 18 Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou administrativo, lavrado a partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, que tenha por objeto a concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso público, da administração direta ou indireta, inclusive das fundações instituídas e mantidas pelo poder público."
O primeiro exemplo nos interessa mais de perto. A invocação de direito adquirido à remuneração em face das mudanças do teto remuneratório não logrará êxito por três fundamentos e o último, e mais contundente deles, diz com o art. 17 do ADCT.
O primeiro, que pode ser considerado o mais frágil, é o de que o direito à remuneração nasce mês a mês e, portanto, não se pode invocar direito adquirido tendo em vista que não houve incorporação de um direito ao patrimônio do servidor. Da mesma forma que argumentamos no sentido de que o agente público não pode invocar direito adquirido a regime jurídico enquanto conjunto de normas que regulam a sua atividade funcional (seu cargo e sua função), também aqui ele não pode invocar direito adquirido à disciplina legal de sua remuneração, tendo em vista que a nova disciplina vai passar a valer a partir daquele momento, até porque qualquer aumento de salário seria impossível se a regra fosse esta. Entretanto, pode-se aqui argumentar com o princípio também constitucional da irredutibilidade salarial, segundo o qual é vedada a redução de salário (art. 37, XV da CF/88 ).
Para afastar este contra-argumento (o da irredutibilidade salarial), deve-se ter em mente a doutrina de interpretação constitucional que informa que dois princípios constitucionais não podem anular-se. Neste ponto reside o nosso segundo argumento, ou seja, se aparentemente antinômicos dois princípios constitucionais, o intérprete deve buscar o sentido que confira um mínimo de eficácia possível a cada um deles, fazendo um juízo de ponderação de modo a adequar o produto da interpretação, da melhor forma possível, ao sistema da Constituição.
Ora, se a regra do teto salarial foi introduzida para evitar as grandes diferenças salariais entre os diversos cargos públicos, revela-se nítida a presença do interesse público nesta norma. Ademais, a existência de remunerações que ainda hoje (tendo em vista o avanço que a CF/88 na sua redação original já deu ao tema) encontram-se acima do teto a ser estabelecido revela-se uma excrescência do sistema, a qual deve ser extirpada. Portanto, a partir de uma interpretação sistemática e de um juízo de ponderação entre as normas constitucionais, parece claro que prevalecerá a imposição de adequação da remuneração dos servidores à regra do teto constitucional, bem como sua conformação com o sistema de subsídio, se for o caso.
E ainda, para reforçar este segundo fundamento, tem-se a regra do art. 17 do ADCT (nosso terceiro argumento) que revela cristalinamente a vontade do legislador constituinte de 1988, ao conformar o sistema constitucional já naquela época, de adequar todas as remunerações às regras que passariam a viger na nova ordem constitucional. Muito embora este artigo tenha sido escrito em outro momento histórico, ele pode perfeitamente ser invocado no atual momento, pois o caso, infelizmente, é idêntico. E ressalto "infelizmente" porque esta discussão não estaria sendo travada se, desde 1988, os agentes públicos (de todos os Poderes) tivessem adequado a política remuneratória às regras do teto (sem as distorções que ocorreram).
Desta forma, não há como defender a tese de direito adquirido a uma remuneração que esteja acima do teto estabelecido pela Constituição. Necessariamente, aqueles que percebem mais do que o montante que ficar estabelecido em lei como o valor em espécie do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal terão que ver diminuída sua remuneração para adequarem-se às novas regras.
3) Gestão da Administração Pública
A gestão da administração é tema dos mais instigantes vindo à tona com a reforma da administração pública brasileira impulsionada pela Emenda Constitucional nº 19/98. A introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, das agências executivas e das organizações sociais (lei 9649/98 e 9637/98) representou significativa mudança na estrutura e no modo da administração pública no Brasil. Associada a isso, a previsão da descentralização dos serviços públicos, por meio de convênios de transferência entre os entes federados (art. 241), deram uma nova dinâmica ao modo de conduzir os serviços públicos.
É possível dizer que agências executivas e as organizações sociais, através do contrato de gestão, instalaram uma "nova era" na administração pública do Brasil. Trata-se de uma profunda reformulação a qual merece detida consideração. Senão vejamos:
Antes de mais nada, revela-se necessário salientar que a proposta de reforma administrativa consolidou-se a partir da identificação de quatro setores dentro do Estado brasileiro:
1 - o núcleo estratégico: trata-se de um setor relativamente pequeno, formado, no plano federal, pelo Presidente da República, pelos Ministros de Estado e a cúpula dos ministérios (responsáveis pela definição das políticas públicas) pelo Poder Judiciário, pelo Poder Legislativo e pelo Ministério Público.
2 - atividades exclusivas de Estado: são aquelas em que o "poder de Estado", ou seja, os poderes de legislar e tributar são exercidos. Dentre as atividades exclusivas de Estado estão: a polícia, as forças armadas, os órgãos de fiscalização e regulamentação e os órgãos responsáveis pelas transferências de recursos (tais como o Sistema Unificado de Saúde - SUS, o sistema de auxílio-desemprego, etc.)
3 - serviços não-exclusivos: também conhecidos como competitivos do Estado. São aqueles que, embora não envolvam "poder de Estado", o Estado os realiza ou subsidia. O Estado tem interesse nesses serviços ou porque os considera de alta relevância para os direitos humanos ou porque envolvem economias externas. Exemplos desses serviços não-exclusivos: universidades, hospitais, centros de pesquisa, museus, etc.
4 - produção de bens e serviços para o mercado: Empresas Estatais Competitivas no Mercado. É o setor que será privatizado.
No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas de Estado, a propriedade deverá ser, por definição, estatal. O núcleo estratégico, além dos instrumentos tradicionais – aprovação de leis (Poder Legislativo), definição de políticas públicas (Presidência da República e núcleo dos ministérios) e prestação jurisdicional (Poder Judiciário) – aprenderá a lidar com um novo instrumento: o contrato de gestão.
O contrato de gestão é o instrumento por meio do qual o núcleo estratégico do Estado definirá os objetivos das entidades executoras (agências executivas e organizações sociais), bem como os respectivos indicadores de desempenho. Por meio do contrato de gestão serão garantidos a essas entidades os meios humanos, materiais e financeiros para que elas possam atingir seus objetivos. As entidades executoras serão as agências autônomas (também chamadas de agências executivas ou agências reguladoras) - nas atividades exclusivas de Estado - e as organizações sociais - no setor de serviços não-exclusivos de Estado.
No que tange às atividades exclusivas de Estado, em princípio, elas devem ser organizadas pelo sistema de agências autônomas. A agência autônoma deverá ter um dirigente nomeado pelo respectivo Ministro, com quem será negociado o contrato de gestão. Uma vez estabelecidos os objetivos e os indicadores de desempenho – não apenas qualitativos mas também quantitativos – o dirigente terá ampla liberdade para gerir o orçamento global recebido. Esse administrador terá ampla liberdade para gerir o orçamento recebido e administrar seus funcionários com autonomia no que diz respeito à admissão, demissão e pagamento, podendo realizar, inclusive, compras (observando, é claro, os princípios gerais de licitação).
Em relação aos serviços não-exclusivos, ou seja, aqueles que correspondem aos setores onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações privadas – tais como educação, saúde, cultura e proteção ambiental - eles serão otimizados por meio das organizações sociais. As organizações sociais são um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade, regulado por meio dos contratos de gestão. O Estado continuará a fomentar as atividades geridas pelas organizações sociais publicizadas e exercerá sobre elas um controle estratégico: cobrará delas resultados necessários à consecução dos objetivos das políticas públicas.
As organizações sociais constituem uma inovação constitucional, embora não representem uma nova figura jurídica tendo em vista que se revestem da forma de associações civis sem fins lucrativos. As organizações sociais estarão, portanto, fora da Administração Pública, uma vez que constituem pessoas jurídicas de direito privado. A grande novidade repousa mesmo é na sua constituição mediante decreto e sua habilitação para receber recursos financeiros e administrar bens e equipamentos do Estado. Não se deve entender o modelo proposto para as organizações sociais como um simples convênio de transferência de recursos. Os contratos e vinculações mútuas serão mais profundos e permanentes, uma vez que as dotações destinadas a essas instituições integrarão o orçamento da União, cabendo a elas um papel central na implementação das políticas sociais do Estado.
Vale ressaltar que com as organizações sociais o Estado não pretende deixar de controlar a aplicação dos recursos que será transferido a estas instituições. Pelo contrário: o Estado dispõe de um instrumento novo e eficaz (se bem utilizado), que é o controle de resultados, resultados estes que estarão estabelecidos no contrato de gestão.
O contrato de gestão constitui um compromisso institucional firmado entre o Estado, por intermédio de seus ministérios, e uma entidade pública estatal (agências executivas) ou uma entidade pública não-estatal (as organizações sociais). O propósito do contrato de gestão é contribuir para a consecução de objetivos de políticas públicas mediante o desenvolvimento de melhoria da gestão, com vistas a atingir uma superior qualidade do produto ou serviço prestado ao cidadão. O contrato de gestão especifica metas, obrigações, responsabilidades, recursos condicionantes, mecanismos de avaliação e penalidades.
A implantação das organizações sociais ensejará uma verdadeira revolução na gestão da prestação de serviços na área social. A disseminação do formato proposto – entidades públicas não estatais - concorrerá para um novo modelo de administração pública, onde o Estado tenderá à redução de sua dimensão enquanto máquina administrativa, alcançando, entretanto, maior eficácia pelos resultados de sua atuação.
3.1 Gestão Associada (consórcios públicos e convênios de cooperação)
O art. 241 da Constituição Federal, a partir da Emenda nº 19/98, passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 241 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
A legislação prevista neste dispositivo constitucional possibilitará a regulamentação da descentralização da prestação de serviços públicos. Em outras palavras: viabilizará a transferência de serviços públicos de um ente federado para outro. Tal lei, quando aprovada, permitirá a criação de convênios de cooperação entre municípios ou entre estados e municípios para a administração de serviços públicos comuns entre a União e Estados, para a transferência de seus servidores, imóveis e equipamentos, isso tudo em busca de uma maior proximidade dos serviços públicos dos cidadãos.
O direito comparado sinaliza para a necessidade, na atualidade, de uma colaboração entre as diferentes entidades que compõem as federações. No estudo de María Jesús García Morales (Convenios de colaboración en los sistemas federales europeos - Estudio comparativo de Alemania, Suiza, Austria y Bélgica) esta professora espanhola de direito constitucional analisa os instrumentos de colaboração entre os entes federados tanto no plano vertical (União e Estados-membros) quanto horizontal (Estados-membros entre si) em quatro sistemas federativos europeus: a Alemanha, a Suíça, a Áustria e a Bélgica.
Segundo esta jurista, em todos estes países o convênio constitui uma das principais técnicas para canalizar a colaboração entre os distintos centros em que se distribui o poder político. Em virtude disso, tais convênios têm sido um instrumento inerente ao próprio federalismo, aparecendo nos setores mais importantes da atividade estatal. Os convênios representam, nos ordenamentos jurídicos comparados como a Alemanha, a Suíça, a Áustria e a Bélgica, instrumentos inseridos em um conjunto de técnicas a serviço de uma colaboração que tem um significado comum em todos eles, qual seja, a colaboração como alternativa de reorganização territorial e fortalecimento do modelo federal.
Vejamos um trecho da obra desta autora:
"A diferencia del sistema federal alemán o suizo, en Austria y Bélgica la aparicion y desarrollo de los convenios no se inicia de forma espontánea, sino a partir de una voluntad política que pretende impulsar la colaboración convencional vertical y horizontal como instrumento para avanzar en la construcción del Estado Federal."(p. 49)
No contexto da reforma administrativa, a possibilidade de colaboração dos entes federados entre si traz mais eficiência para o serviço público. O que se quis introduzir com o modelo proposto pelo art. 241 da Constituição, após a Emenda nº 19/98, foi a opção de transferência de serviços públicos mediante colaboração entre um ente e outro.
Há um caso concreto específico que traduz bem esta idéia que estamos querendo apresentar. A Lei complementar nº 80/94 previu a criação da Defensoria Pública da União. A partir de então, começou-se uma intensa pressão para que se instalasse esta Instituição. É uma questão que merece reflexão.
A conformação de uma instituição que tem por objetivo garantir direitos dos cidadãos deve levar em conta com muito cuidado o seu papel para a sociedade e suas funções perante o sistema jurisdicional brasileiro. A criação e estruturação de uma instituição como a Defensoria Pública da União não pode prescindir de um mínimo de reflexão sobre a viabilidade de exercício do mister a que se propõe.
Na verdade, a proposta neste âmbito deve ser no sentido de criar-se um núcleo mínimo da instituição no plano federal - que fique responsável exclusivamente para cuidar das causas perante os tribunais superiores - e, por outro lado, estimular que esta Instituição Federal busque a colaboração das Defensorias Públicas existentes nos Estados-membros, a fim de que juntas sejam capazes de atender com eficiência e celeridade às demandas dos cidadãos de baixa renda, no âmbito de suas competências. Seria um caso típico de transferência de serviços públicos, mediante a celebração de um convênio nos moldes em que está prescrito no texto constitucional.
A especialização e eficiência que se está buscando com a reforma administrativa implementada, só viria a ser fortalecida com a instalação da Defensoria Pública da União que já aproveitasse a estrutura das Defensorias públicas estaduais. Desta forma, vai-se evitar gastos desnecessários e o risco de que a Defensoria Pública da União não atenda eficazmente ao seu mister. É preciso ter bem clara a necessidade de implementar-se uma política de esforços conjuntos, entre a União e os Estados-membros, no sentido de melhor aparelhar as Defensorias Públicas de modo que elas possam atingir os seus objetivos constitucionalmente postos.
Não resta dúvida de que, se bem utilizados, os consórcios públicos, bem como os convênios de cooperação, constituirão instrumentos eficazes e adequados ao processo de descentralização política que se intenta levar a cabo. Transferir o serviço público para onde está o cidadão é a principal prioridade da reforma administrativa neste âmbito, pois com isso vai-se economizar e ganhar em eficiência – princípio constitucional expresso que rege a administração pública – e a melhoria da eficiência significa que o Estado será capaz de gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, como os mesmos recursos disponíveis.
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