O SUJEITO, A SOCIEDADE CIVIL E O ESTADO DIRETO NO PENSAMENTO KANTIANO
Por: wlauberoramos • 6/4/2015 • Artigo • 1.059 Palavras (5 Páginas) • 377 Visualizações
O SUJEITO, A SOCIEDADE CIVIL E O ESTADO DIRETO NO PENSAMENTO KANTIANO
Os conceitos de pessoa, sujeito e coisa estão intimamente relacionados à idéia de imputação. Para Kant, a pessoa é o sujeito cujas ações são suscetíveis de imputação. A pessoa, dotada de personalidade moral, é um ser livre, racional e responsável, que somente encontra-se submetida às leis que ela mesma se dá31. É um ser livre no sentido de que somente obedece às leis da razão, protegido contra o arbítrio das outras pessoas, que por suas ações não podem ferir a sua liberdade. Uma coisa, inversamente à pessoa, é aquilo que se mostra insuscetível de qualquer imputação, que não possui liberdade, no sentido positivo, um objeto do livre-arbítrio. Nesse sentido, os servos e os escravos não são pessoas, são seres humanos sem personalidade, porquanto não possuem direito algum. Outro ponto relevante na doutrina do Direito do Filósofo de Koenigsberg é o seu modelo de contratualismo. A doutrina contratualista pode ser dividida, no que toca ao conteúdo do contrato social, em duas posições distintas: uma teoria contratualista que considera o contrato como um ato de total alienação dos direitos naturais em favor do Estado, com a extinção do estado de natureza, como no pensamento de Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau; em contraposição, para outra corrente há uma limitação recíproca dos direitos naturais, com a correção e não a extinção do estado de natureza, constituindo-se um poder coercitivo capaz de garantir o livre exercício desses direitos, como no modelo descrito por John Locke32 . No que concerne à instituição do contrato social, no pensamento kantiano o estado natural é aquele em que não há nenhuma justiça distributiva, em que não existe um tribunal incumbido de decidir o que é de direito, ou seja, o estado não-jurídico. Ninguém está seguro do “seu” contra a violência, quando da inexistência de um juiz imparcial com poderes para legitimamente dizer o que é de direito. A este estado opõe-se o estado civil, submetido à justiça distributiva33 . Não se pode dizer, entretanto, que o estado de natureza kantiano aproxima-se do modelo descrito por Thomas Hobbes34, onde os homens aderem ao contrato para garantir suas vidas, fugindo da insegurança e do constante estado de guerra de todos contra todos a que estão expostos. Segundo Kant, os homens não têm por máxima a violência e o estado de guerra. Por outro lado, é certo que o estado não-jurídico sugere uma situação de constante insegurança e de justiça negativa, uma vez que não existe um juiz competente para decidir de forma legítima um caso cujo direito se mostra controvertido35 . O primeiro princípio que deve ser decretado, a fim de manter as noções de Direito, é o seguinte: “É preciso sair do estado natural, no qual cada um age em função de seus próprios caprichos, e convencionar com todos os demais (cujo comércio é inevitável) em submeter-se a uma limitação exterior, publicamente acordada, e, por conseguinte, entrar num estado em que tudo o que deve ser reconhecido como o Seu de cada qual é determinado pela lei e atribuído a cada um por um poder suficiente, que não é o do indivíduo e sim um poder exterior”36 . No estado civil há uma relação mútua dos particulares submetidos ao estado jurídico. O contrato social é ato originário, constitutivo da sociedade. O contrato é fruto da razão prática e o sujeito que a ele adere não renuncia à liberdade, pelo contrário, tem na obediência à lei consubstanciada no pacto a expressão máxima da sua liberdade, uma vez que somente obedece à lei que ele mesmo se dá. Em Kant, a passagem do estado de natureza para a sociedade civil (estado civil) assemelha-se ao pensamento de John Locke37. A idéia kantiana de contrato social é sustentada, até certo ponto, no modelo liberal de defesa do direito à propriedade. Assim prescreve o autor: “Entra num estado em que cada um possa conservar o seu contra os demais (lex justitiae)”38 . Nada obstante, o direito à propriedade que em John Locke é um direito natural, no modelo kantiano somente existe de forma plena e oponível a todos no contrato, não se constituindo em direito natural. Para o Filósofo de Koenigsberg, somente há um único direito natural (a liberdade), na medida em que possa subsistir com a liberdade de todos, segundo uma lei universal da razão. A concepção de defesa da liberdade aproxima o pensamento kantiano acerca do contrato social do modelo defendido por Jean-Jacques Rousseau39. Ainda que existam diferenças na forma de pensar a passagem do estado de natureza para o estado civil, tanto em Kant como em Rousseau, o homem não perde sua liberdade com o contrato, apenas abandona sua liberdade natural e selvagem para receber a liberdade civil, a liberdade positiva de somente obedecer à lei decorrente de sua própria vontade de legislar. O homem é livre porque está limitado apenas pela lei que ele deu a si mesmo. Estado de direito kantiano tem um traço marcadamente jurídico. O que caracteriza a atividade do Estado é a atividade jurídica, a instituição e manutenção de um ordenamento jurídico como condição para a coexistência das liberdades externas. Não se fala em Estado de direito como o Estado regulado ou limitado pelo Direito. Trata-se, sim, de uma idéia de Estado em que haja a possibilidade de coexistência mútua entre os indivíduos, segundo uma lei universal de liberdade40 . Pode-se buscar, ainda, no pensamento kantiano um modelo de Estado de direito que assegura “o seu” de cada um, em decorrência do princípio jurídico da liberdade que pode ser assim exposto: “Lesa-me qualquer um que aja conforme uma máxima segundo a qual é impossível ter como meu um objeto de meu arbítrio”; porque uma constituição civil é tão-somente o estado de direito que assegura a cada um o Seu; mas sem que esse estado o constitua nem o determine, propriamente falando”41 . A idéia de liberdade é a marca distintiva do Estado de direito kantiano. Um estado de coisas em que o arbítrio de cada um é limitado pelo arbítrio dos demais, segundo um imperativo da razão. O Estado de direito que garante as liberdades externas dos indivíduos, segundo uma lei universal de liberdade, na doutrina kantiana constitui-se em um Estado paulatinamente mais igualitário, vez que a idéia de liberdade em Kant encerra um postulado igualitário, a liberdade como princípio que deve valer para todos.
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