O ESPAÇO GEOGRÁFICO: DA PERSPECTIVA GEOMÉTRICA À PERSPECTIVA EXISTENCIAL
Por: Natália Fantin • 20/11/2017 • Resenha • 1.592 Palavras (7 Páginas) • 259 Visualizações
O ESPAÇO GEOGRÁFICO: DA PERSPECTIVA GEOMÉTRICA À
PERSPECTIVA EXISTENCIAL
Maria Laura Silveira*
*Professora Doutora no Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP.
E-mail: laurasil@usp.br
RESUMO:
Historicamente, a geografia tem se preocupado com a extensão e sua operacionalização – a
distância. Os esforços de compreensão orientaram-se, sobretudo, aos resultados – extensão, forma, tamanho, limites – e o espaço foi visto como inerte, como o final de um processo cuja indagação não nos pertence. Todavia, hoje, a existência, muito mais que a distância, parece ser o verdadeiro problema do homem e, especialmente, dos mais pobres. Uma geografia preocupada com a existência é, ao mesmo tempo, uma indagação sobre os eventos, as possibilidades e a ação humana que se tornou capaz de criar uma extensão planetária, mesmo que isto pretenda mascarar as demais formas de existência. É a ação humana que transforma as possibilidades em extensões. Por isso o centro de uma geografia da existência é o espaço banal, onde cada ação se dá segundo seu empo, mas todas elas têm lugar.
- Dentre outras, duas grandes preocupações podem orientar a nossa discussão sobre o espaço geográfico:
A primeira é a de revelar a natureza ou constituição do espaço
A segunda é a de ver as formas de relação dentro dos níveis desse espaço, aquilo que tradicionalmente chama-se escala. PAG 1
- Buscaremos discutir, inspirados na teoria de Milton Santos, uma epistemologia da existência que possa ser a base de uma geografia mais preocupada com a produção de um concreto pensado cuja cisão seja parte do processo de compreensão da história. PAG 2
- Nos primórdios da humanidade a distância e como superá-la era um problema existencial.
Estava no cerne da idéia de sobrevivência e, com ela, a idéia de limite. PAG 2
Em geral, no período contemporâneo, as idéias de distância, limite, fronteira são postas em questão. PAG 2
O centro da reflexão epistemológica parece ser a extensão, um conceito-chave ou, mesmo, uma categoria, que leva a uma resignificação do vocabulário tradicional. A preocupação epistemológica é a extensão e a forma de sua operacionalização, a distância, autorizando a falar de distância-tempo e de distância-custo na geografia, amparados também nas reflexões das ciências econômicas. PAG 2
- Um geógrafo como Antoine Bailly (1991) assevera que, a concepção geométrica não é mais suficiente quando falamos de distância. PAG 2
- O conceito central é a distância. Para Pinchemel, estE é o primeiro fator da relação dos homens na superfície da Terra porque é o princípio de suas relações com tudo o que existe. Não há relação humana que não seja mediada pela distância que, inclusive, permite criar outros conceitos centrais, como periferia. PAG 3
- Todavia, as distâncias que são hoje a base da organização do espaço não são mais as distâncias euclidianas, mas as distâncias humanas, aquelas relativas ao tempo, à atividade do homem. PAG 3
- A uma certa escala Paris é um ponto, um lugar, porém a outra escala Montmartre é um ponto e um lugar. Eis aí a antiga e renovada idéia da escala como zoom (Silveira, 1999a; 2004). PAG 3
- Desse modo, para Brunet (2001), o lugar é um ponto e o espaço é uma porção e, desse modo, a diferença entre ambos é determinada pela extensão. Mais uma vez, a idéia de escala está recedendo a definição do lugar e do espaço. Em outras palavras, o zoom que aplicamos sobre o nosso objeto de pesquisa é o que nos dirá o que é o lugar, o espaço geográfico particular e quais atributos enxergamos. PAG 3
- Ainda na França, outros autores têm desenvolvido uma perspectiva mais crítica do espaço em relação à extensão e à escala. PAG 4
- Grataloup (1979), por exemplo, questiona o que ele chama de raciocínio inverso da lógica geográfica, isto é, partir da dimensão para chegar à qualificação. Partimos dos limites, para depois qualificar o espaço ou um lugar. PAG 4
- Enquanto Jacques Lévy (1997, p. 349) alertanos: a escala é uma preocupação valiosa desde que compreendamos que “a medida da distância é um enjeu e não uma condição prévia da reflexão geográfica”. PAG 4
- No Brasil, discutindo questões de escala e regionalização, Rogério Haesbaert (2002, p. 104) propõe ultrapassar a definição de escala como mera “delimitação física, cartográfica, de um espaço passível de ser matematicamente medido” e entendê-la sobretudo como conteúdo. PAG 4
- É preciso, segundo Werlen, olhar o espaço a partir da ação. O espaço, dirá ele, não existe materialmente, é um conceito classificatório, um quadro de referência para os conteúdos físicos das ações. Sua proposta é formular uma nova epistemologia geográfica a partir da ação. PAG 4
- Uma epistemologia assim idealizada parte de separar processos e resultados. O problema é quando uma disciplina se propõe, como ponto de partida, aquilo que é um resultado e desiste de entender os processos, ficando satisfeita somente com a representação dos resultados. Há uma espécie de recusa ao processo que é, afinal, a recusa à atualidade. PAG 5
- Vemos as coisas, porém temos que ver como elas são presentificadas pela ação (Sartre, 1979; Santos, 1996a). E assim, quando nos contentamos com os resultados, recusamos a teorização, que é a atualização das formas materiais e imateriais do mundo. Quando se faz uma geografia de resultados, de formas, tamanhos e limites, dificilmente se pode teorizar. Nesse movimento, não são poucos os que começam a descobrir que a falta de teorização está reduzindo a geografia a uma ciência secundária. PAG 6
- Uma certa insatisfação advém desse conjunto de idéias que estamos chamando epistemologia da extensão , ou seja a consideração do extenso, da distância, como base ontológica, a partir da qual partimos e somos capazes de criar uma matematização e uma simbologia para o espaço. O espaço geográfico é visto apenas como um cenário, onde a vida se desenvolve. Ocupa-se, assim, nossa disciplina mais do cenário e menos da vida. PAG 6
- Não buscamos aqui dar respostas, mas apenas levantar algumas questões para o debate. Nossa proposta é partir de uma outra premissa para a reflexão, a idéia de existência. A palavra “existência”, que vem do latim existentia, significa exatamente estar fora, estar no mundo (Borzaga, 1966). PAG 6
- A existência é um conjunto de situações. PAG 6
- Estar no mundo não é apenas um problema de distância, de limites, de razão ou de resultados. A pergunta pela existência que parece bastante teórica ou abstrata não o é, porque diz respeito ao que há de mais básico na vida de cada um de nós e na vida de uma sociedade. E isso nos conduz, de forma mais concreta, ao espaço. Talvez a extensão e a distância sejam um esforço de abstração maior. PAG 7
- Mas aqui também ganha um lugar importante a idéia de evento. Para Milton Santos (1996b), o mundo é uma latência, um conjunto de essências, um universo de meios ainda nãorealizados, um conjunto de possibilidades. Os eventos transformam as essências em qualidades e quantidades, produzem a extensão. PAG 7
- Como diz Milton Santos (1996b), o espaço é o existir, a sociedade é o ser. A sociedade só se realiza no espaço. O mundo só existe nos lugares, pois a história se constrói nos lugares. PAG 8
- É a história que produz extensões diferenciadas, portanto não é aconselhável que uma geografia que se pretende uma disciplina histórica e crítica, parta sempre da extensão, que considere como dado aquilo que é um produto histórico. PAG 8
- As variáveis que comandam o período atual são capazes de produzir uma extensão tal que puseram em xeque a nossa disciplina, anunciando que a região não existe mais, que o espaço não existe mais e toda uma profusão de outras metáforas. PAG 8
- Em outras palavras, quando as possibilidades se encontram com o que já existe, com esse prático-inerte, com essa extensão, tornam-se novas existências, mudam as formas-conteúdo, criam especializações. Só que este mundo que nós temos diante de nós para ser investigado, não é apenas um mundo de especializações produtivas modernas, mas sobretudo um espaço banal. Trata-se do espaço onde as ações e os objetos modernos e perfeitos coexistem com os objetos imperfeitos, envelhecidos, “atrasados” PAG 9
- A extensão não é uma coisa dada, é historicamente produzida; há um processo histórico e lógico que dá como resultado a extensão. PAG 9
- Por essa razão, nossa geografia, se pretende continuar sendo crítica, não pode desconsiderar aspectos do espaço nem continuar a analisá-lo como se fosse estático. O espaço banal é o lugar do acontecer solidário (Santos, 1996a; 1996b), independentemente da força que os atores tenham para criar extensões. É o espaço da emoção porque nem todas as ações nem todos os objetos aderem à racionalidade do período. PAG 10
- Uma epistemologia dos processos busca captar a vida nas formas, as formas da existência, mesmo que elas não tenham força suficiente para criar o extenso. É a totalidade da existência o que interessa a essa geografia. E, para isso, o mundo não pode ser cindido a partir de enfoques inquestionáveis, como os setores da economia, as redes, as regiões pétreas, mas a partir do nosso concreto pensado: a existência em situação no seu respectivo período histórico. PAG 10
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