O Queijo e os Vermes
Por: Raquel Carvalho • 4/3/2021 • Resenha • 1.256 Palavras (6 Páginas) • 292 Visualizações
Universidade Federal do Rio de Janeiro[pic 1]
Instituto de História
Professor: Carlos Ziller Camenietzki
Curso: Moderna I
Discente: Raquel Bravo
DRE: 118106900
As possibilidades de cosmovisão do homem comum no período moderno: Resenha - “O Queijo e os Vermes” GINZBURG, Carlo.
Carlo Ginzburg é um dos nomes mais notáveis da historiografia contemporânea. Nascido em abril de 1939, originário de Turim, na Espanha, formou-se em História na Escola Normal Superior de Pisa, com grande influência de disciplinas da área da literatura e filosofia no curso de sua graduação. Professor na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e na Escola Normal Superior de Pisa, seu trabalho ajudou a moldar a história cultural no século XX, através de sua percepção centrada nos detalhes e na forma com que as micro e macroquestões são articuladas dentro dos contextos históricos. Especialista na análise dos processos da Inquisição nos séculos XVI e XVII, é conhecido do público brasileiro especialmente por sua obra “O queijo e os vermes” (1987), publicados pela Companhia das Letras.
Nesta obra, o autor mobiliza questões sobre relação do indivíduo com a religiosidade no período moderno através de um enfoque micro: analisando a coletânea de relatos e documentações sobre o caso inquisitório de um moleiro. Seu nome era Domenico Scandella, mais conhecido como Menocchio. Nascido em 1532, em Montereale, era um simples arrendador de terras, mas dono de uma visão cosmológica única o suficiente para incomodar as estruturas do antigo regime. Em 28 de setembro de 1583, Menocchio foi denunciado ao Santo Ofício, sob a acusação de ter pronunciado palavras “heréticas e totalmente ímpias sobre Cristo”, sendo a acusação agravada pela postura de Menocchio em tentar ativamente difundir suas ideias.
O primeiro ponto de destaque do processo é justamente a forma em que ele se inicia. Foi através do denúncia do pároco de Montereale, Odorico Vorai, que o Tribunal do Santo Ofício toma ciência do caso, mas ao iniciarem as investigações percebem que, segundo relatos da comunidade de Menocchio, seus comportamentos supostamente heréticos iniciaram-se décadas antes. Quase todos os interrogados declararam conhecer Menocchio havia muito tempo, alguns chegando a 25 e quarenta anos. As justificativas sobre a resistência da comunidade em denunciar as posturas blasfemas do moleiro circundavam a ideia de que ele seria um “bom homem, apenas com as ideias fora do lugar”. Mas o fato dele difundir amplamente suas ideias para quem quisesse ouvir, ser um homem relativamente conhecido em sua província, e demorar décadas até ser denunciado nos trás pistas sobre a relação desta comunidade com sua religiosidade. Não apenas demonstraram significativa tolerância a ideias que muitas vezes iam diretamente em oposição aos sacramentos ensinados na Igreja, como também uma possível abertura para sincretismos e interpretações alternativas da doutrina que lhes eram passados.
Tais crenças podem ser observadas de forma detalhada nos anais das investigações do caso. Contra a indicação de amigos, e até de seus filhos, o moleiro não acatou o conselho de apelar suas ideias como um caso de estar fora de suas razões mentais, ou então possesso. Pelo contrário, afirmou que ser interrogado pelo Tribunal do Santo Ofício era a oportunidade de realizar um desejo de longa data seu: finalmente poder indagar o alto escalão da Igreja tudo que lhe incomodava e expor seus pensamentos. O primeiro tópico foi a opressão dos ricos contra os pobres, atacando o fato dos julgamentos nos tribunais serem em latim, uma linguagem completamente inacessível para o homem comum. Isso aumentava as disparidades sociais, pois “se o homem quer falar quatro palavras, precisa de um advogado”. A Igreja seria cúmplice dessa desigualdade ao limitar os sermões em latim, e mais do que isso, seria cúmplice da ruína de muitos pobres, devido à sua prática de amplo arrendamento de terras. Além disso, a raiz de sua rejeição a tantos sacramentos estava na crença de que não passavam de outras mercadorias com a qual a Igreja deleitava-se.
A perspectiva de Menocchio defendia uma fé que era menos dogmática e ritualística, focando mais em preceitos gerais e universais tais qual “ame o próximo como a ti mesmo”. Torna-se mais coerente essa defesa quando entendemos que pela compreensão do moleiro, não existia apenas uma fé verdadeira assim como a Igreja defendia. Chegou a afirmar em interrogatório que, tanto cristãos, quanto turcos e judeus, poderiam ir ao céu, pois Deus deu o dom da espiritualidade para todos os povos, e cada um interpretou conforme sua cultura.
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