Resenha Crítica - O Queijo e os Vermes de Carlo Ginzburg
Por: jlthe • 9/12/2017 • Resenha • 1.778 Palavras (8 Páginas) • 1.144 Visualizações
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. 8 ed. São Paulo: Shwarcz, 1976.[pic 1]
UMA MICROHISTÓRIA EXCEPCIONAL DE UM MOLEIRO SINGULAR[1]
Carlo Ginzburg é um historiador e antropólogo italiano, nascido no dia 15 de abril de 1939 na cidade de Turim, foi aluno da escola normal superior de Pisa e após se formar em história passou a lecionar na universidade italiana de Bolonha. Tempos depois se mudou para os Estados Unidos da América e começou a lecionar em universidades como Harvard, Yale, Princeton e a Universidade da Califórnia, ocupando durante duas décadas a cadeira de renascimento italiano do departamento de história. No início do século XXI retornou à Itália para lecionar cultura europeia no mesmo local onde se formou, ganhou destaque com a produção da microhistória, como é o caso do livro “O Queijo e os Vermes” aqui resenhado.
A microhistória proposta por Carlo Ginzburg e Giovanni Levi tem em sua essência a escrita de uma história com uma escala bastante reduzida, logo, a ênfase se dá no indivíduo, e não nas estruturas, como propunha Fernand Braudel na França, por conseguinte, a história deixa de lado os números e passa a trabalhar em cima da vida de homens comuns, tal tipo de estudo terminaria por demonstrar os diversos furos no estruturalismo e levaria também a uma maior aproximação da história com a literatura, como é o caso da obra de Ginzburg O Queijo e os Vermes.
O livro, conta com um prefácio, um posfácio e entre eles um corpo com 62 capítulos, onde está disposta a história de um moleiro (pessoa que trabalha em um moinho) que existiu durante a idade média, porém diferente de outros moleiros e de quaisquer outros membros da classe mais inferior da sociedade medieval, Domenico Scandella, mais conhecido por Menocchio, e protagonista da história, sabia ler e escrever, e o que fez ele segundo Ginzburg com esse poder, foi algo que mostra na prática como o monopólio do conhecimento pelo clero é essencial para manter ativo na mente do povo o que o autor vai chamar no prefácio do livro de “literatura destinada ao povo” (GINZBURG, 1976. p. 20) ou seja, classes dominantes produzindo uma cultura que no seu processo de legitimação seria necessário impô-la à população, sendo necessário domar as classes subalternas. Suas ideias muitas vezes se mostram revolucionárias para a época, como alguns argumentos panteístas que vão surgir no capítulo 32 e 33 do livro, mostrando como o simples hábito de ler mudaria todo o paradigma de pensamento medieval.
Menocchio nasceu e se criou em Montereale uma aldeia da região do Friuli. Segundo o autor, em 1583, aos 52 anos, ele foi denunciado ao Santo Ofício pelo pároco de Montereale, Odorico Vorai por “ter pronunciado palavras ‘heréticas e totalmente ímpias’” (GINZBURG, 1976. p. 41), e assim se inicia o primeiro processo dos três que culminariam em sua morte. Durante o primeiro processo, o autor comenta a disposição e o desejo de Menocchio de expressar suas ideias, queria falar para príncipes e até para o próprio papa, queria mostrar que a hierarquia social e eclesiástica estava desfigurada e, por conta desse tipo de pensamento foi taxado pelos seus inquisidores de protestante. Uma das ideias de Menocchio, a que deu nome ao livro, foi a noção de que o universo surgiu da putrefação do queijo, e os vermes seriam os anjos, e Deus o mais poderoso desses anjos, associando assim conceitos avançados da abiogênese ao surgimento do cosmo.
No capítulo 12 o autor vai citar os livros que Menocchio teve acesso, e desses livros quero ressaltar 3 que mais aparecem no decorrer do livro, Il Fioretto della Bibbia, Il Lucidario della Madonna (que fala sobre a virgem maria), Decameron e outro que não é citado nesse capítulo, mas que foi diretamente responsável por uma de suas maiores “transgressões”, tanto que ele próprio admitiria isso ao escrever sua súplica ao fim do segundo processo, as viagens de Mandeville.
É bem verdade que Menocchio tinha uma maneira bastante peculiar e assistemática de analisar os livros e formular suas ideias, a parcialidade e a ausência de um método sempre foi perceptiva, afinal ele era um simples moleiro sem educação. Porém foi essa criatividade que o levou a ir contra todo o pensamento cristão da época e fez suas ideias se espalharem rapidamente. Menocchio desenvolveu habilidades de retórica muito boas, mesmo sem saber o que é, e isso se torna claro quando ele escreve, ao fim do segundo processo, dois anos após ser condenado à prisão perpétua, uma carta, citada no parágrafo anterior, para seus inquisidores pedindo perdão pelos seus pecados. Seus pedidos são atendidos e ele é solto, sendo proibido de sair de Montereale, falar sobre suas ideias e obrigado a usar um hábito com a cruz.
Porém, com o passar do tempo Menocchio volta a falar sobre suas ideias, se tornando aparentemente mais radical, numa conversa com Lunardo Simon, reafirma todas as suas ideias mais polêmicas, falando que os cristãos só acham certo ser cristãos porque são cristãos (ideia retirada do conto dos três anéis), que cristo não tinha o poder de descer da cruz e que foram os padres que escreveram o evangelho ao invés de Deus. Após esse diálogo ele começou a se descuidar e espalhar suas ideias até que foi denunciado e preso mais uma vez.
Durante o interrogatório os inquisidores foram impetuosos, encurralando Menocchio, deixando-o sem respostas, tentando encontrar contradições em sua fala, após o interrogatório e com a ajuda de um advogado ele mais uma vez escreveu uma carta clamando por sua absolvição, porém sua condenação foi primeiramente à tortura, para que tentassem arrancar à força de Menocchio quem foram seus cumplices, porém ele não fala nada de útil. A congregação do Santo Ofício em Roma é informada e o cardeal de Santa Severina responde afirmando que Menocchio seria um ateu, então, enfim, ele é sentenciado à morte.
Devido à grande quantidade de capítulos no livro, existe dentro dele uma constante quebra de temática. Entretanto, entre as várias questões, algumas ganham destaque no decorrer da narração, principalmente alguns pensamentos metafísicos que revolucionam a mentalidade cristã medieval, os pensamentos referentes à hierarquia e a quebra da estrutura medieval dos processos inquisitoriais.
Logo no prefácio do texto o autor traz um assunto que é amplamente discutido por sociólogos como Pierre Bourdieu, porém numa perspectiva histórica, e que nessa obra de Ginzburg ganha um papel determinante, a análise das hierarquias culturais e sociais. Para Bourdieu, seria “o elemento da herança familiar que teria o maior impacto na definição do destino escolar” (NOGUEIRA, 2009. p. 52), e com destino escolar quer falar do nível cultural que vai atingir o indivíduo alvo do processo educacional. No contexto da idade média essa herança cultural seria algo como o sistema de castas medieval, que determinava a classe social de toda a população, com a grande diferença de que na idade média as classes populares eram impedidas pelas classes dominantes de ascender.
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