A Critica da Razão Negra
Por: Thiago De Freitas Barreto • 20/6/2019 • Resenha • 1.955 Palavras (8 Páginas) • 324 Visualizações
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
CÂMPUS FORMOSA
CURSO DE HISTÓRIA
DATA:25/04/2019
FICHAMENTO
Referência bibliográfica: ACHILLE, Mbembe. Crítica a Razão Negra. Lisboa: Antígona, 2014. |
ACADÊMICO: Thiago de Freitas Barreto
Tópicos | Conteúdo | |
Sobre o autor | Achille Mbembe é um pensador camaronês PhD em História na Université Panthéon-Sorbonne de Paris em 1989. Leitor de Frantz Fanon e Michel Focault, seus principais tópicos de pesquisa são história africana, estudos pós-coloniais e política e ciências sociais. É um acadêmico comprometido com seus temas e sua teoria está permeada por uma filosofia política encoberta. Em Joanesburgo, África do Sul foi professor de História e de Ciências Políticas e diretor de Pesquisa Social e Econômica do Instituto Witwatersrand, lecionou também em universidades dos Estados Unidos. Entre suas principais obras estão: Les jeunes et l'ordre politique en Afrique noire (1985); De La Postcolonie, essai sur l’imagination politique dans l’Afrique contemporaine (2000); Sortir da Grande Noite: Essai sur l'Afrique décolonisée (2003); A Crítica a Razão Negra (2014). Atualmente é professor pesquisador da Harvard University’s no Instituto WEB Du Bois para pesquisa africana e afro-americana. | |
Síntese Seletiva
| Na primeira parte do livro Crítica da Razão Negra, Achille Mbembe indaga sobre a questão racial, fazendo uma crítica histórica a colonização e o eurocentrismo, abordando o racismo de frente. Mbembe cita: “a raça é também o nome que deve dar-se ao ressentimento amargo, ao irrepreensível desejo de vingança, isto é, a raiva daqueles que lutaram contra a sujeição e foram, não raramente, obrigados a sofrer um sem fim de injúrias ofensas.” e é sobre a natureza desse ressentimento tratado ao longo do capítulo. Para alcançar a essência desse ressentimento, Mbembe elucida que a expressão “negro” surge com a modernidade, e acaba tornando-se uma categoria social que se confunde com os conceitos de escravo e de raça. Para Mbembe, observando o enquadramento histórico, percebe-se que os conceitos foram fundidos, sendo que o termo negro é usado para exclusão e não foi em momento algum desagregado ao termo “escravo” sendo utilizados como sinônimos. A objetificação e submissão de tal à mercadoria, promove o capitalismo que necessita de pressupostos raciais para subsistir. E a África, tomada por animais é forçada a submissão, claro que não tão passiva. A afirmação da superioridade racial do ocidente, berço dos direitos civis e políticos, é onde vive o humano civilizado e têm-se o resto, entre eles o negro, uma entidade humana incapaz de despir-se de vez da figura animal com o qual se mistura, animalizando assim africano, numa tentativa de assegurar a supremacia do europeu. Essa ideia África ausente de civilização, perpetua-se até tempos atuais. Partindo da premissa que o africano apenas tornou-se negro após o europeu nomeá-lo de tal forma, Mbembe esclarece que ao classificar todo um continente como negro é trivial, pois nem todo africano é negro e nem todo negro é africano. Por consequência há o alterocídio, uma vez que ao constituir o outro como não semelhante e sim como um objeto ameaçador, do qual é preciso proteger-se, desfazer-se, ou destruir (quando não se pode controlar) como escreve Mbembe; De tal forma, além de explorado o negro é ignorado como humano, no século XVI nas colônias, o negro deixa de existir enquanto pessoa, isto é, torna-se invisível e essa invisibilidade está enraizada no racismo, ao negar a humanidade do outro desenvolve-se o modelo legitimador da opressão e da exploração, diante disso, estabelece sucessivamente que diferenças são mais importantes do que semelhanças. Essas diferenças nas Américas difundiam-se culturalmente, mas as contribuições africanas são desconstruídas, ocultadas ou simplesmente apagadas pelos colonizadores europeus, construindo o conceito de negro que vigora ainda hoje. Além de transformar-se em apenas uma mercadoria, o negro é descaracterizado de sua cultura. O estereótipo étnico que o europeu incansavelmente reproduz em relação ao negro, criou-se tal naturalização da ideia de sua inferioridade que ela está inscrita no inconsciente coletivo. Tanto, que, apenas quando a Europa deixa de ser o centro da civilização e da produção do saber é que se é capaz de formatar um pensamento crítico em torno do negro, como indica Mbembe. O desafio de se reconstruir uma identidade negra passa necessariamente pela superação do ideário escravista. Mbembe aponta para um futuro livre do peso da “raça” e, por conseguinte, do ressentimento, mas isso só seria possível por meio da justiça, da restituição e da reparação. Na segunda parte do livro, o autor apresenta a perspectiva de que o racismo é mais estruturante na sociedade do que a própria ideia de classe social, a própria concepção de classe social é estruturada pela questão de raça. Dentro desta perspectiva da, o autor apresenta como os europeus criaram a representação da África e do africano através de determinados elemento, como a escrita, que seria a base de uma sociedade civilizada, e como o continente africano, a oralidade e a experiência empírica tinha papel central na vida cotidiana e pública, os europeus observavam isso como um reflexo de uma sociedade selvagem, não civilizada (não civilizada aos moldes eurocêntricos, obviamente). O interessante é perceber que o próprio autor apresenta que a aceitação do termo negro, não como conceito europeu, mas uma subversão deste valor para que aja um fortalecimento deste grupo, para que assim seja alcançada a universalidade, não que acabe com diferenças, mais que aceite as multiplicidades dos sujeitos. Outro aspecto que vale ser destacado, é que a própria modernidade, surge paralelamente ao conceito de raça, a exploração do corpo negro, como mercadoria e força motriz dos meios de produção. O negro, como mercadoria, assume o valor de produto, e passa a ser produto de um capitalismo. Mbembe, nesta parte, apresenta o “racismo a francesa”, um racismo despreocupado e negligente, como se estas questões fossem pormenores a comunidade francesa. A também uma erotização das mulheres negras pelos escritores franceses, apresentando sempre um caráter místico sobre a África e os africanos, apresentando sempre duas perspectivas do continente, uma África exótica, pobre e desértica, e outra África erótica, mística e repleta de prazeres desconhecidos. Ambas estas perspectivas, repletas de preconceitos e elucubrações que nada condiziam com a realidade do continente, mas que fomentavam no imaginário francês esta visão distorcida, e este seria o racismo a “francesa que o autor apresenta”. Conseguintemente na obra, o autor se detém a pensar sobre a identidade do homem negro, e como o processo de colonização e dominação acaba por remover do indivíduo tal identidade. Esse esvaziamento, tanto individual, como coletivo de negros e negras, implica num distanciamento dos mesmos com a realidade concreta, com uma vida sem proposito aparente, já que é a partir desta concepção indenitária sobre si, que os indivíduos se impõe no mundo, e sem ela, as práticas de dominação e exploração são disseminadas de maneira mais palatável no imaginário social. Outra reflexão interessante diz respeito a ideia de liberdade, liberdade essa, que segundo o autor só existe numa relação de dependência entre determinados indivíduos, pois a partir do momento que se detém o controle de outro ser, estaria livre para outras atividades. Pensando nisso, o homem branco, para manter sua liberdade, usa do corpo negro, como força de trabalho e como realizador de seus meios de subsistência. Logo para manutenção desta relação, criasse sobre a figura do negro uma incitação ao medo e ao perigo que esses indivíduos podem causar quando não estão sobre controle, justificando assim, mais uma vez, essa imposição e domínio sobre outro ser. Voltando a questão da identidade, Mbembe explana a concepção da diáspora africana, ou seja, a retirada de africanos de sua terra nativa contra usa vontade e foi levado para outros lugares do mundo, e como essa relação deste indivíduo, ao sair de seu berço materno, e usado como força braçal em terras que não eram as dele, acabava por se deparar com esta perca de identidade, esta falta de pertencimento, já que não era nem africano, e nem americano, nem europeu, não pertencia mais a sua terra natal, e nem ao local atual onde se encontrava, onde era enxergado como mercadoria e força motriz na produção daquele local. Com o fim dos regimes escravocratas, na América e em outras partes do globo, surgiram processos de uma tentativa de embranquecimento racial, ou seja, de assimilar, ainda que de forma preconceituosa e excludente, estes indivíduos a cultura vigente, a cultura branca, seja pela miscigenação, seja pelas migrações populacionais (como fez o Brasil no início do século XX), e estas práticas contribuíram ainda mais para a exclusão deste indivíduos, como também ressaltavam as mazelas indenitárias dos mesmo. Diante disso, pensar na identidade do povo negro, o que é ser negro (não a partir de uma concepção eurocêntrica), não basta apenas um construção de um imaginário indenitário, mas também uma consciência racial, ou seja, uma concepção e valorização destas comunidades dentro da sociedade, e seus papeis como agentes sociais dentro de destes contextos. Mesmo, após o fim da escravidão as populações negras ainda enfrentaram uma dificuldade tremenda de adequação a essa sociedade, devido à violência dos processos de colonização, diáspora africana, eventos que suprimiram e reduziram a imagem do homem negro. Segundo a visão do autor, e difícil para o negro se desenvolver fora da máscara europeia que lhe foi colocada, onde eram os outros que definiam o que ele era, por que era e como era, retirando sua autonomia e liberdade, interpretando o mundo pela ótica dos colonizadores e se enxergando a partir dos olhos deles. A obra de Achille Mbembe nos ajuda entender o mundo contemporâneo, e como o europeu construiu a ideia do homem negro na modernidade, por meio de representações, da religião, da política, das relações de poder entre os indivíduos, da exploração e da ressignificação do que ser na sociedade. No livro, nos deparamos com uma dominação tanto simbólica, como física, onde a ideia de progresso disseminada na Europa era o pano de fundo para uma das maiores atrocidades da humanidade como o processo de escravização de negros e negras, e suas heranças que são percebidas na contemporaneidade. Crítica da razão negra vai além do que simplesmente expor os processos que construíram o negro na modernidade, mas apresenta reflexões acerca da ressignificação deste conceito e da figura do homem e da mulher negra, do resgate de conceitos que foram descartados durante a colonização, da valorização e construção de uma identidade negra, de uma consciência racial, para que negros e negras, descendentes de um passado exploratório, possam viver sem mascaras que imponham sobre eles o que são, o que devem ser, e que embora seja um processo difícil de ser rompido, é possível, graças a trabalhos a obra como esta, que visam mais do que elucidar tais processos violentos na trajetória humana, mas constrói um discurso que dá voz a história que muitas vezes é silenciada, colocada como secundaria nos meios acadêmicos, mas que possui um papel fundamental, tanto para compreender a construção da realidade atual, como o papel do negro neste processo. Por meio de obras como essa, pode-se pavimentar um caminho para uma representatividade, empoderamento e construção de um mundo que mais do que igualitário, compreende as multiplicidades da vida humana.
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