A Edição e Sedição
Por: brunocamargo25 • 29/5/2016 • Projeto de pesquisa • 2.973 Palavras (12 Páginas) • 205 Visualizações
RESUMO (PAG 31-42)
Em setembro de 1775, quando envia um catálogo de livros filosóficos a Cazim, de Reims, a STN explica-lhe que não pode anotar os preços depois dos títulos, “sendo os preços de obras desse gênero, como o senhor sabe, geralmente bizarro demais e dependentes de diversas circunstâncias”.
Certos catálogos clandestinos trazem preços. Depois de ter impresso sua “Nota de livros filosóficos”, Gabriel Grasset regateia com a STN e acrescenta a mão preços após 33 dos 75 títulos. São obras que aceita trocar a dois soldos a folha, mas recusa-se a ceder as outras 42 obras a essa taxa exigindo uma taxa especial para duas obras de Voltaire que acaba de imprimir, Le Taureau Blanc (o Touro Branco) e Dialogue de Pégase e Du Vieillard (Dialogo entre Pégaso e o Velho).
A novidade do livro, e a notoriedade do título, a qualidade de impressão, a ilustração e as figuras – muito são os elementos que determinam o preço de um livro proibido.
O que os livreiros chamam “preço do particular” varia muito, pois o custo do transporte, o contrabando e o lucro do livreiro são mais que suficientes para dobrar o preço pelo editor ou atacadista.
É, sobretudo, o caso dos vendedores ambulantes, que não têm preço fixos. O livreiro Malherbe os conhece bem, pois os abastece em suas lojas secretas de Loudun, e explica que pedem qualquer preço pelos livros filosóficos: “Os mascates são muito ávidos por esse tipo de obra. Ganham com elas bem mais que com outras, pois seu preço é irreal, fundado no desejo ou na inveja que tal obra suscita”.
Contudo, não se deve imaginar que os preços dos livros proibidos os colocam fora do alcance dos leitores de posses modestas. Nas cartas dos livreiros, encontram-se muitos livros filosóficos, simples volumes in-oitavo, sem ilustração, cotados a uma ou duas libras, isto é, equivalente a um dia de trabalho de um operário qualificado. É verdade que o orçamento de uma de uma família operária é dominado pelo preço do pão e que o livro raramente aparece nos inventários após os falecimentos da arraia-miúda de Paris. No entanto, o exemplo de Jacques-Louis Ménétra, vidraceiro parisiense que lê Rousseau e escreve canções burlescas, não parece muito excepcional: as pessoas do povo – mais homens que mulheres, com mais freqüência no Norte que no Sul, muito mais nas cidades que no campo – sabem ler e lêem cartas, cartazes, impressos, livrinhos da Bibliothèque Bleue e sem dúvida também panfletos e romances, se não tratados de metafísica. Podem permitir-se a compra de várias obras ditas filosóficas. E, se não podem gastar trinta soldos por um exemplar das Anecdotes sur mme. La comtesse Du Barry (Anedotas sobre a sra. Condessa Du Barry), podem lê-lo, assim como as obras de Voltaire e Rousseau e o Portier dês Chartreux, nos gabinetes literários, que põem à disposição de seus membros uma boa seleta da literatura filosófica.
Para que chegue ao leitor, o livro deve passar do impressor ao livreiro, etapa crucial e mal conhecida, na qual a matéria “filosófica” é sempre tratada de uma maneira que a diferencia das outras obras saídas da impressora. Sigamos um representante comercial da STN, Jean-François Favarger. Em 1776, ele atravessa o Franche-Comté, o Lyonnais, o Dauphiné e a Borgonha, parando em todas as livrarias. Leva com ele dois tipos de catálogos, alguns prospectos e diversas páginas de títulos. Quando trata com livreiro, oferece-lhes os livros do catálogo normal; depois, se esta seguro do homem, puxa dentro do casaco o catálogo clandestino e propõe ao comerciante fornecer-lhe os livros filosóficos ali contidos. O gesto não deve surpreender o livreiro, tantas vezes confrontado com semelhantes propostas por representantes de outras firmas.
Vê-se a especificidade desse tipo de negócio até a maneira pela qual os livreiros fazem encomendas. Alguns, o sabemos agora, levam os títulos de livros filosóficos em pedaços de “papier volant”; outros utilizam códigos secretos, normalmente em cifras. Com mais freqüência, contentam-se em suas compras, em escrever á parte os títulos perigosos para que a matéria proibida seja tratada com cuidados especiais durante a embalagem. Em Caen, Manoury menciona separadamente as encomendas ilegais; em La Rochelle, Desbordes as colocas no fim da lista; em Nantes, Malassis as alinha numa coluna diferente; em Lyon, Baritel as marcas com uma cruz; em Tours, em Besançon e em Châlons-sur-Marne, Billaut, Chamet e Sombert encomendam de início livros legais e quase legais e depois traçam uma linha e organizam uma lista de livros proibidos. Em toda a parte, constata-se a mesma preocupação de avisar ao fornecedor tudo que pode ser perigoso.
Por outro lado, o fornecedor segue as mesmas precauções ao embalar a mercadoria. Para poupar os custos de transporte, expede seus livros filosóficos junto com os livros anódinos; recorre, porém, a astuciosos estratagemas. O “casamento”, por exemplo: em 1775, Bergeret de Bordaux, envia um longo pedido de sessenta títulos, inclusive onze filosóficos, os quais marcam com um x, explicando: “Por favor, casar os artigos com x com outros”. “Casar” os livros, ou seja, entremear uma obra com folhas de outra. Como são enviada quase sempre soltas, podem-se esconder os livros “maus” no interior dos “bons” sem chamar a atenção dos inspetores nas câmaras sindicais.
Estas, de fato, só costumam olhar as folhas exteriores de cada lote. Além disso, um suborno dado pelo livreiro ajuda a adormecer a vigilância ou a temperar o zelo das alfândegas e das câmaras sindicais.
A fim de frustrar as inspeção nas câmaras sindicais, os livreiros se entendem com os empacotadores. Em Lyon, Regnault Junior exige que toda obra cujo título esteja marcado com um x em seu pedido seja posta no fundo do pacote, pois o inspetor se contenta com uma busca superficial. Em Dijon, pelo contrário, Nubla pede que os livros proibidos sejam colocados no alto, para que possa extraí-los sub-repticiamente antes da inspeção: ele conhece o segredo de torcer os lacres de chumbo da alfândega e, em seu depósito, substitui as obras filosóficas por livros piedosos. Em Paris Barrois utiliza o mesmo procedimento, mas prefere que o material filosófico seja escondido na maculatura da embalagem. As técnicas variam muitíssimo, mas em toda a parte vê-se a mesma preocupação de reservar tratamento especial aos livros verdadeiramente perigosos.
Se o livreiro faz absoluta questão de evitar todo risco, recorre ao “seguro” (“assurance”). Este, na gíria do ofício, é o contrabando profissional. Verdadeiros “seguradores” se encarregam de transportar os livros filosóficos além das fronteiras, mediante certa soma de 16% do valor da mercadoria, no caso da estrada principal entre Genebra e Lyon, em 1773. Eles contratam equipes de carregadores, camponeses dos vales do Jura, que por desvios levam os livros nas costas através das fronteiras, colocando-os em depósitos secretos na França, de onde são reembalados e expedidos a seu destino, como se, se tratasse de mercadoria nacional. O livreiro paga à vista todas as despesas de transporte e “seguro”. Se os agentes da Receita se apoderam dos livros, o segurados saldam a fatura, ao passo que os carregadores são passiveis de condenação às galés.
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