A Medicina dos Cavaleiros da Cruz Vermelha
Por: fernando.gcs • 10/6/2019 • Artigo • 5.572 Palavras (23 Páginas) • 248 Visualizações
A Medicina dos Cavaleiros da Cruz Vermelha nos sécs. XII a XIV
Uires Rosa de Oliveira Júnior1 Dulce Oliveira Amarante dos Santos2
Resumo:
O presente artigo é a apresentação do resultado de pesquisa de iniciação científica desenvolvida no período de Agosto de 2017 a Julho de 2018. Neste processo investigativo, demonstrado pelo plano de trabalho submetido no ano de 2017, buscou-se trabalhar com a medicina no contexto da Ordem do Templo. O objetivo era identificar as características que se aproximassem e/ou se distinguissem da medicina medieval em seu aspecto amplo. Para além desta intenção, ainda visou-se a explanar as relações sociais envolvidas nas práticas médicas, por meio das implicações religiosas e de imaginário contidas na Regra Primitiva da Ordem do Templo.
Palavras-chave:
Cruzadas; Medicina; Ordens Militares; Templários.
Introdução:
A primeira Cruzada (1095) iniciou-se na Europa devido à situação precária em que os cristãos se encontravam no Oriente Médio. Os relatos de peregrinos que rumavam à Terra Santa de Jerusalém inflamaram o sentimento de reação por parte dos europeus, para além do pedido de ajuda de Aleixo Comneno (1048 – 1118), imperador bizantino. O fato é que, a partir do século IX, com as constantes disputas entre os muçulmanos, controladores de grande parte do território que pertencia antes ao Império Romano do Oriente, o tratamento aos cristãos variou entre a tolerância e a aniquilação. Esse fato só se intensificou com a tomada do poder islâmico por parte dos turcos seljúcidas entre 1072 e 1092, que representaram o ápice da intolerância em relação aos cristãos, tanto no eixo de Constantinopla, quanto àqueles que habitavam Jerusalém. A partir dessa intolerância, a resposta do Ocidente foi a proclamação
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1 Graduando em História pela Universidade Federal de Goiás, Faculdade de História. Endereço eletrônico: uiresrosajr@hotmail.com.
2 Professora Titular na Universidade Federal de Goiás, Vice-Diretora da Faculdade de História. Endereço eletrônico: dulce_santos@hotmail.com. Relatório revisado pela orientadora.
feita pelo então papa Urbano II (1042 – 1099) no concílio de Clermont-Ferrand, na França, chamando a nobreza europeia à guerra contra essa, assim chamada, injustiça.
A peregrinação armada formada pela nobreza foi liderada por homens como Raimundo de Toulouse (1041 – 1105), Roberto da Normandia (1087 – 1106), Boemundo de Taranto (1054 – 1111), e Godofredo de Bulhão (1060 – 1100), guiados espiritualmente por Ademar (séc. XI – 1098), bispo de Le Puy. Inicialmente as tropas ocidentais se aliaram às bizantinas, no objetivo comum de retomada dos antigos territórios do Império, mas com o avanço cruzado e a conquista de terras, os interesses ocidentais e orientais da cristandade se dividiram, e os bizantinos se afastaram dos líderes católicos, que finalmente, em 1099 conquistaram Jerusalém.
A conquista trouxe, no entanto, problemas relacionados a pouca contingência cristã no Oriente Médio, em meios cercados por muçulmanos. Apesar da retomada do controle da cidade de Jerusalém, o real domínio dependia da presença de homens de armas para a efetiva proteção do recém-formado reino cristão. Muitos cruzados retornaram à Europa ao fim da tomada da cidade, além daqueles que pereceram nesse processo, deixando assim um número reduzido de ocupantes no reino.
A formação da Ordem dos Pobres Soldados de Cristo e do Templo de Salomão ocorreu nesse contexto. Hugo de Payens (1070 – 1136), nobre que participou da conquista da Terra Santa, e seus companheiros queriam se refugiar em uma vida de contemplação em mosteiros, mas o rei Balduíno II de Jerusalém (1060 – 1131), visando à solução dos problemas de pouca população guerreira no reino, convenceu a companhia a fundar uma nova ordem combativa, cumprindo seu dever divino na ação protetora dos locais santos e dos peregrinos que até então estavam à suas próprias sortes. Em 1119, os cavaleiros tomaram seus votos na Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, recebendo, desde então, apoio financeiro. Após a apresentação dos membros fundadores a assembleias de leigos e religiosos importantes do Outremer (ultramar), ou seja, a Europa, os cavaleiros ganharam ainda mais prestígio junto às personalidades da nobreza europeia. Fulk V (1092 – 1143), conde de Anjou apoiou-os com rendas anuais, exemplo logo seguido por diversos outros nobres europeus.
Em 1127, o rei de Jerusalém enviou Hugo de Payens, que se tornou então primeiro Grão-Mestre da ordem, para a Europa, a fim de angariar mais apoio às suas atividades, com uma carta endereçada a Bernardo de Claraval (1090 – 1153), já um influente religioso à
época. A intenção era que o abade cisterciense ajudasse na formulação oficial da Ordem do Templo, e o rei já conhecia as intenções belicosas do religioso, no tocante à Terra Santa. Bernardo seguia o conceito de guerra justa de Santo Agostinho (354 – 450), que autorizava o uso da força contra a opressão, como no caso dos ataques contra os peregrinos. A Regra criada sob supervisão de São Bernardo transformava a companhia dos templários em reais monges, com necessidades de práticas religiosas próprias a estes, como participação nos serviços religiosos, refeições comunitárias, vestes humildes, aparência simples e a castidade. Bernardo exigia, acima de tudo, o voto de obediência ao Grão-Mestre, e a prontidão dos cavaleiros de morrem pela luta, caso chegasse a esse ponto (HAAG, 2008, p.72-80).
A partir do esforço de Bernardo de Claraval, ao longo do tempo, a Ordem do Templo se tornou alvo de bulas papais. Bulas como a Milicia Dei, e a Dilecti filli nostri instituíram que os monges guerreiros deviam obediência somente ao pontífice, além de eximirem qualquer reprovação alheia, permitindo que esses administrassem suas próprias riquezas. A importância dos templários só crescia com o tempo, ainda mais pela sua atuação na Reconquista ibérica. A fonte trabalhada nesta pesquisa, a Regra Primitiva da Ordem do Templo, escrita sob revisão de São Bernardo de Claraval, é justamente o documento que institui a companhia como ordem, estipulando seus deveres monásticos. Oficializa, portanto, a função protetora que estes monges desenvolveram em relação aos peregrinos cristãos, e às próprias instituições e patrimônios cristãos no Oriente Médio e na Península Ibérica (DEMURGER, 2002, p.70; HAAG, 2008, p.85).
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