IMPRENSA E SOCIABILIDADE: O MUNICÍPIO DE PARINTINS A PARTIR DAS PUBLICAÇÕES DO JORNAL “O MERDÃO” ENTRE OS ANOS DE 1989-1990.
Por: Eduardo Setúbal • 28/2/2022 • Artigo • 9.662 Palavras (39 Páginas) • 120 Visualizações
IMPRENSA E SOCIABILIDADE: O MUNICÍPIO DE PARINTINS A PARTIR DAS PUBLICAÇÕES DO JORNAL “O MERDÃO” ENTRE OS ANOS DE 89 E 90.
Eduardo Setúbal de Sousa[1]
Mônica Xavier de Medeiros[2]
RESUMO
Esta pesquisa investigou quais as lutas, compromissos e interesses que levaram à publicação do jornal O Merdão, fazendo uma análise crítica política, econômica e cultural das informações encontradas em suas publicações. Além disso, procurou saber quais foram os grupos políticos que atuavam naquele momento na cidade de Parintins e entender quais eram as críticas tecidas aos diversos problemas sociais que a cidade enfrentava. O Estudo do Jornal partirá de uma perspectiva do Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg. O eixo e as problemáticas de investigação serão conduzidos a partir do conceito de cultura e hegemonia proposto por Raymond Williams (1979). O Resultado esperado na pesquisa é entender a cidade de Parintins através do Jornal.
PALAVRAS-CHAVE: Merdão; Parintins; Imprensa;
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Essa pesquisa é fruto do estudo realizado a partir das publicações do jornal O Merdão, que foi um periódico que circulou de forma clandestina entre os anos 89 e 90 na cidade de Parintins[3]. O Merdão usava do humor para tecer críticas aos mais variados setores, como o político, econômico e cultural da cidade.
Noto que Parintins é uma cidade bastante fechada e fiquei muito interessado ao saber, através de amigos, da existência de um jornal tão crítico. A partir disso entrei em contato com um professor chamado Fernando Silva e ele me disse que tinha todas as edições guardadas e que elas estavam encadernadas, após essa conversa fui até a casa do professor e tive meu primeiro contato direto com o Jornal, pedi emprestado a ele para poder digitalizar essas edições. Com todas as edições digitalizadas pude começar a leitura do jornal. Vindo de fora, pois sou de Brasília e vim estudar aqui na cidade, pude perceber que em Parintins não há movimentos políticos muito organizados e saber da existência de um jornal com um conteúdo tão crítico me impressionou imediatamente. Com a leitura das edições pude de fato entender o porquê da escolha de se manterem no anonimato. O jornal não poupava criticas aos seguimentos religiosos, políticos e culturais.
Para o estudo e análise do jornal irei utilizar o conceito de cultura proposto por Raymond Williams, na qual, me leva a pensá-la como “um processo social fundamental que modela ‘modos de vida’ específicos e distintos[4]”, ou seja, para este autor a cultura é vista como força produtiva, inerente a produção de nós mesmos e nossas sociedades.
Além disso, também farei uso do paradigma indiciário proposto por Carlo Ginzburg. Para este autor, ao analisarmos certos documentos históricos devemos estar atento às inúmeras informações que não estão em evidencia, ou seja, buscar nas entrelinhas representações importantes que muitas vezes passam despercebidas por aqueles que fazem apenas uma leitura superficial. O uso deste método se torna importante uma vez que há uma dificuldade de se trabalhar com um jornal que é anônimo, pois as pessoas que eram simpáticas a ele na época tem receio de admitir que o liam e também quem fala do jornal hoje em dia, geralmente fala mal. Um claro sinal de que a história não é somente retrospectiva, mas prospectiva, pois influencia as lutas, tenções e disputas do presente.
É importante lembrar alguns livros e textos que me ajudaram a pensar o meu objeto de pesquisa. Um deles foi a Tese de Doutorado “Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas (1880 – 1920)” da Professora Dra. Maria Luiza Ugarte Pinheiro, que me ajudou no sentido de que a partir do trabalho com um jornal clandestino pude perceber que, ao contrário de jornais tradicionalmente ligados aos grupos dominantes, este tipo de periódico acabou dando espaço para os segmentos mais populares de Parintins, pois esta seria uma maneira alternativa de buscar um meio de esclarecer para todos questões ou problemas pertinentes da cidade que, muitas vezes, não eram o alvo principal dos outros jornais. Um livro que também ajudou bastante em minha pesquisa foi “História e Imprensa” de Maria Helena Capelato, pois a partir da leitura pude entender como um jornal pode se tornar um material valioso de pesquisa no sentido de que a imprensa é uma das maneiras que “[...] possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tempos”[5]. E por último, um livro que foi peça chave na minha análise sobre o jornal foi “O Queijo e os Vermes” de Carlo Ginzburg, que faz uma análise minuciosa do processo inquisitorial de um moleiro conhecido por Menocchio. O Estudo deste jornal partirá de uma perspectiva do Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg, pois partindo de uma metodologia proposta para este tipo de abordagem eu poderei fazer uma análise minuciosa do jornal, numa tentativa de buscar entender a cidade de Parintins através do que está escrito nas entrelinhas do periódico. Para Ginzburg, em seu texto “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, uma maneira de narrar a história é através do Paradigma Indiciário, ele então coloca a raiz desse método no século XIX citando o caso de Freud, com toda a sua metodologia de analisar cada fragmento do pensamento e do comportamento humano com sua psicanálise. Outro caso é o de Morelli, um crítico de artes Italiano, que conseguia estabelecer a autenticidade de uma obra a partir da análise das características singulares que cada pintor teria ao retratar sua obra. Segundo coloca Ginzburg, para Morelli ao analisar uma obra de arte e dizer se ela é autentica ou apenas uma cópia é:
[...] é preciso não se basear, como normalmente se faz, em características mais vistosas, portanto mais facilmente imitáveis, dos quadros[...]Pelo contrário, é necessário examinar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés[6].
Para Ginzburg,
Mesmo que o historiador não possa deixar de se referir, explicita ou implicitamente, a séries de fenômenos comparáveis, a sua estratégia cognoscitiva assim como os seus códigos expressivos permanecem intrinsecamente individualizantes (mesmo que o indivíduo seja um grupo social ou uma sociedade inteira). Nesse sentido, o historiador é comparável ao médico, que utiliza os quadros nos gráficos para analisar o mal específico de cada doente. E, como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural[7].
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