O EPISCOPADO NA GALIZA: PARADOXOS ENTRE A RELIGIOSIDADE POPULAR E O CRISTIANISMO OFICIAL
Por: claudinhat • 26/11/2015 • Artigo • 6.103 Palavras (25 Páginas) • 255 Visualizações
O EPISCOPADO NA GALIZA: PARADOXOS ENTRE
A RELIGIOSIDADE POPULAR E O CRISTIANISMO OFICIAL
Cláudia Trindade de Oliveira[1]*
(triclaudia@gmail.com)
RESUMO:
O principal propósito deste artigo é discutir a importante questão relativa à interação entre cristianismo oficial e os paganismos no início da Idade Média. Faz-se necessário pensar a história desses movimentos a partir das relações entre o poder espiritual e o poder secular e como subproduto das mudanças culturais, sociais e econômicas do período. O tema será abordado com base em alguns cânones conciliares e em um sermão do final do século VI, e como principal referencial adotamos a metodologia analítica com ênfase na ideia de representações. Um ponto importante será constituído por algumas reflexões a respeito do ambiente espiritual e da religiosidade na Alta Idade Média presente no interior da Península Ibérica, mais especificamente na região da Galiza. A intenção é verificar de que maneira o episcopado pretendeu organizar a sociedade de acordo com as prerrogativas morais cristãs, as quais demonstram uma tentava de legitimação destas autoridades.
Palavras-chave: religiosidade; Martinho de Braga; Galiza; episcopado; concílios.
THE EPISCOPATE IN GALIZA: PARADOXES BETWEEN
POPULAR RELIGIOSITY AND OFFICIAL CHRISTIANITY
ABSTRACT:
The mainly purpose of this article is to discuss the important question referred to the interaction between christianism and the paganisms in the early period of de Middle Ages. It’s necessary to think about the history of these movements from the relations between the spiritual power and the secular power and as a reflection of cultural, social and economic period. The theme will be analyses on bases of the examination of the some conciliar canons and one sermon the late sixth century, and as de main reference we adopted the analytical methodology with emphasis on the idea representations. An important point will be constituted by some reflections about on the spiritual environment and religiosity in the High Middle Ages period inside the Iberian Peninsula, specifically in the region of Galicia. The objective is to see how the bishops intend to organize the society according to the christian moral prerogatives that demonstrates to legitimize these authorities.
Keywords: religion; Martin of Braga; Galicia; episcopate; councils.
Versar sobre a atmosfera religiosa na Alta Idade Média é, antes de qualquer coisa, levar em conta a diversidade dos elementos que compunham a ampla esfera cultural do período. Tamanha grandeza e diversidade se justificam pelo fato dessa cultura constituir-se não somente por extratos da Antiguidade Clássica, mas também de elementos de magia e de misticismos advindos de influências locais e principalmente de espaços orientais.
Ao agregar os mais distintos e variados elementos culturais, podemos perceber que “a Idade Média não se conteve a essa problemática e nem se limitou a uma distinção entre doutrina, isto é, a fé sob seu aspecto dogmático e normativo; e disciplina, sua prática no contexto de uma regra religiosa” (VAUCHEZ, 1985, p.09), ao contrário, demonstrou a presença de uma intensa fé capaz de transcender as contenções estabelecidas pelo universo cristão. Por trás de tudo isso morava uma ideia cara à Idade Média: a de que a verdade divina poderia ter sido revelada por Deus mesmo antes da encarnação e do advento do cristianismo. Era como se Deus tivesse “falado” também para e através de alguns leigos. Assim, propomo-nos a apresentar um pouco desse amplo e complexo cenário sagrado em que o cristianismo arriscou seus primeiros passos.
Caracterizada como uma fase de transição entre a Antiguidade e o Medievo, a Alta Idade Média se revelou um período de instabilidades e norteado por profundas mudanças onde
A insegurança era um sentimento constante a dominar a mentalidade e a sensibilidade de seus homens. Insegurança material e moral quanto à vida futura [...], mas segundo a qual a Igreja tinha um remédio: a solidariedade dos grupos e comunidades a que se pertencia (LE GOFF, 1985, p.87).
Com o intuito de pôr fim a essas incertezas, no IV século o cristianismo entrava em cena buscando não apenas um simples espaço, mas notadamente os meios de consagrar-se como protagonista. Ao tentar decifrar as palavras divinas e com isso estabelecer a interlocução entre os homens e Deus é que ele surgia como uma “nova imagem de mundo”, procurando demonstrar uma superioridade diante dos costumes e crenças religiosas até então presentes.
Na tentativa de se destacar quanto à transmissão da mensagem divina, a Igreja acreditava-se capaz de exercer o controle sobre a natureza e o cristianismo ganhava destaque como um órgão amplamente discriminador na história, à medida que passava a distinguir o cristão do pagão. Isso era um claro reflexo da
Constituição de um campo religioso que acompanhava a desapropriação objetiva daqueles que dele eram excluídos e que se transformavam por esta razão em leigos destituídos de capital religioso e reconhecendo a legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de que desconheciam enquanto tal (BOURDIEU, 1999, p.87).
Nesse sentido, entravam em vigor ao mais diversos antagonismos (entre os quais estão os de sagrado e profano, céu e inferno, corpo e alma), estabelecendo os parâmetros do que seria ou não a Igreja. Ao cristianismo caberia então o papel de condutor dos destinos humanos, enquanto a Ecclesia corresponderia a uma representação dos homens santos ou mesmo uma versão simplificada da doutrina cristã. “Composta pelos substratos da romanização no Ocidente, ela seria a própria herdeira natural do Império Romano” (FRANCO JÚNIOR, 1986, p. 57).
Gostaríamos de elucidar que nossa pretensão nesse trabalho é a de ressaltar que no tocante da esfera religiosa desse período existiam aspectos e manifestações que não condiziam com a eclesiástica, o que os torna incapazes de expressar os fundamentos do ordo clericorum, muito embora esta tentasse se legitimar a qualquer custo. Verifica-se que no coração do cristianismo embora houvesse muitas pessoas que se consideravam a si mesmas bons cristãos, elas tinham ainda em seu íntimo um modelo de mundo sobrenatural não identificável com as propostas da Igreja, pois a crença em um novo deus não se aplicava a todos os aspectos das suas vidas.
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