O USO DA CULTURA NO PROJETO NACIONALISTA DO ESTADO NOVO
Por: Felipe Ferreira Isabel • 9/8/2021 • Trabalho acadêmico • 2.361 Palavras (10 Páginas) • 157 Visualizações
O USO DA CULTURA NO PROJETO NACIONALISTA DO ESTADO NOVO
Tales Felipe Ferreira Isabel
O fim da Primeira Guerra e o início da década de 1920 são marcos para um processo de mudança na cultura brasileira, esta que anteriormente estava inebriada pelo eurocentrismo, passa a ter um caráter nacionalista. Entretanto é com o advento do Estado Novo que a criação de uma cultura nacionalista passa a ser política de Estado.
O Estado Novo é por muitas vezes resumido à sua política autoritária e repressiva, mas além destas características obscuras, é durante a Era Vargas que surge um movimento político/intelectual, apoiado pelo Estado, que buscava através de elementos culturais e tradicionais brasileiros, a criação de uma nova identidade nacional.
A fim de entendermos como se deu a união entre os intelectuais brasileiros e os ideais de Vargas, devemos voltar aos anos de 1920, ao movimento modernista, no qual a valorização da identidade nacional já se vazia presente, através da antropofagia cultural proposta pelos artistas e intelectuais, que defendiam que os elementos constituintes de nosso povo, como a música, a cultura popular, a culinária, dentre outras particularidades nacionais, deveriam ser enaltecidas para que fossem entendidos como elementos originários da nação.
Por se entenderem como como parte fundamental da sociedade e que a arte seria o caminho para o desenvolvimento do Brasil, os intelectuais passam a se debruçar sobre a cultura popular, a fim de reinterpretá-la, movimento que chama atenção do governo, que viu nele uma forma de disseminar seus ideais nacionalistas, civilizatórios e autoritários.
O Estado Novo entendia que intelectuais por serem a elite pensante e desta forma detentores do conhecimento poderiam fomentar no povo o ideal nacionalista. Neste ínterim, Monica Velloso afirma que os intelectuais eram “vistos como os intermediários que unem governo e povo, porque “eles é que pensam, eles é que criam”, enfim, porque estão encarregados de indicar os rumos estabelecidos pela nova política do Brasil” (VELLOSO, 1997, p.61) Assim os intelectuais passam a obter dois papeis: os de criadores de um sentimento nacionalista e de legitimadores do regime ditatorial implantado por Vargas.
O papel social do intelectual varia de acordo com o momento histórico no qual está inserido. No início do século XX, os intelectuais possuíam um papel marginal perante o Estado, principalmente aqueles que iam de encontro aos ideais do governo ou assumiam uma postura crítica em relação à sociedade, o que contribuía com afastamento da intelectualidade das questões sociais e políticas.
O isolamento e o não envolvimento nas questões sociopolíticas do país era defendido por alguns intelectuais, como Machado de Assis, que proferiu as seguintes palavras em discurso realizado na fundação da Academia Brasileiras de Letras: “[...] a Academia Brasileira de Letras tem que ser o que são as instituições análogas: uma torre de marfim” (MACHADO DE ASSIS, 1897 (apud VELLOSO, 1997: 59).
Este trecho do discurso de Machado de Assis demonstra uma linha de pensamento dentre os intelectuais que defendia que eles deveriam permanecer isolado em uma “Torre de Marfim”, aqui representada pela Academia Brasileira de Letras, e do alto deste refúgio os pensadores deveriam se ater a observar o mundo, produzir reflexões e conhecimento sobre ele, sem, contudo, se envolver diretamente nos dilemas e lutas enfrentadas pela sociedade.
A ideia de um intelectual isolado em uma “torre de marfim” cai por terra durante o Estado Novo, os intelectuais deixam o isolamento e passam a atuar no campo político e social. Em contraponto ao ocorrido no início do século XX, o Estado Novo traz consigo um sistema ideológico que valoriza o papel do intelectual na sociedade, firmando assim uma comunhão entre eles e o Estado. O ingresso de Getúlio Vargas para a Academia Brasileira de Letras, confirma a entrada dos intelectuais no cenário político nacional, bem como reforça um dos ideais doutrinários do regime que prega a união do homem do pensamento e o homem de ação, como pode ser visto em seu discurso de posse: “A primeira fase de vossa ilustre instituição (ABL) decorreu à margem das atividades gerais [...]. Só no terceiro declínio deste século operou-se a simbiose entre homens de pensamento e de ação”. (GETÚLIO VARGAS, 1943 (apud VELLOSO, 1997: 59), palavras estas que sacralizam a união da política e a literatura.
Desta forma ocorre o abandono da “Torre de Marfim” e a entrada dos intelectuais na “Arena Política”, onde passam a fazer parte da política como representantes da consciência nacional, tendo como missão a construção de um projeto nacional que identificaria a razão do “atraso” brasileiro e consequentemente criaria uma forma de vencê-lo, bem como levariam o povo a construir um o sentimento de pertencimento a uma nação.
A fim de fornecer mecanismos para a efetivação do projeto nacionalista o Estado Novo cria dois órgãos estatais que consagrariam a comunhão dos intelectuais com o regime. O primeiro órgão, criado em 1937, nomeado como Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), subordinado ao Ministério de Educação e Saúde, que tinha como ministro Gustavo Capanema, este que estava associado a grandes nomes do cenário intelectual brasileiro, tendo tal órgão como escopo principal a formação de uma cultura erudita. O segundo órgão denominado como Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) criado em dezembro de 1939, tutelado por Lourival Fontes, tinha como função oficial o controle das comunicações, entretanto, sua real incumbência era o controle da cultura popular, o que às vistas do Estado Novo levaria sua doutrina nacionalista e autoritária à todas as camadas da sociedade.
Segundo Monica Velloso (1997), o DIP tinha como pressuposto centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou externa e abarcava dentro de si setores responsáveis pela divulgação, rádio difusão, cinema, teatro, turismo e imprensa e dentro destes segmentos exercia as seguintes funções: realizar a censura no teatro e cinema, organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos, eventos esportivos e recreativos e dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo.
O rádio foi o veículo mais efetivo na difusão da propaganda governamental e do projeto cultural do Estado Novo. A criação da Rádio Nacional e a obrigatoriedade da transmissão do programa “Voz do Brasil” possibilitou um canal de comunicação direto entre Vargas e o povo.
O Estado Novo procurou “diferenciar o que considera o mau rádio, voltado para a diversão, esporte e humor, do rádio enquanto veículo de cultura” (VELLOSO, 1997, p.64) e a Rádio Nacional foi o instrumento utilizado para realizar este intento, tendo nascido com a missão de monopolizar a audiência popular, trazendo conteúdo diferente das demais rádios, entretanto, tal diferenciação não agradou ao público, resultando na impopularidade da propaganda governamental.
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