A ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS POEMAS “SAN GABRIEL” E “NASCI, NUM REINO D’OIRO E AMORES”
Por: Felipe Alencar Machado • 9/12/2022 • Pesquisas Acadêmicas • 4.767 Palavras (20 Páginas) • 178 Visualizações
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
FELIPE ALENCAR MACHADO
NUSP: 12680332
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS POEMAS “SAN GABRIEL” E “NASCI, NUM REINO D’OIRO E AMORES”
São Paulo
2021
San Gabriel, díptico de Camilo Pessanha, publicado em 1898, foi escrito por ocasião do quarto centenário da descoberta da Índia, já o segundo poema, teve sua publicação em 1892 na obra “Só” do poeta português Antônio Nobre.
A escolha dos poemas, foi justamente pensando nos autores, que compartilham tanto em comum, nascidos em 1867 viverem nas terras de Portugal, na época da desesperança, suas insatisfações os levaram a uma nova imagem da poesia, Nobre ainda levando os traços de outras escolas literárias e Pessanha representando precisamente o simbolismo, essas duas poesias que serão analisadas, fazem parte das únicas produções publicadas em vida pelos dois escritores.
Ambos evidenciam a questão da perda e esvaziamento, além de colocarem a metáfora das navegações e o intertexto camoniano de maneira central. Segue agora trechos do poema “NASCI, NUM REINO D’OIRO E AMORES” que irão ser comparados com a obra “San Gabriel”.
“Nasci, num reino d'Oiro e amores,
À beira-mar.
Sou neto de Navegadores,
Heróis, Lobos-d'água, Senhores
Da índia, d'Aquém e d'Além-mar!”
“Se eu vos pudesse dar a vista,
Ceguinhos que ides a tactear...
Quando essa sorte me contrista!
Mas ah! mais vale não ter vista
Que um mundo destes ter de olhar...”
“Camões! Ó Poeta do Mar-bravo!
Vem-me ajudar...
Tenho o nome do teu escravo:
Em nome dele e do Mar-bravo
Vem-me ajudar!”
“Moço Lusíada! criança!
Por que estás triste, a meditar?
Vês teu país sem esperança
Que todo alui, à semelhança
Dos castelos que ergueste no Ar?”
Logo no início dos dois poemas, podemos identificar a relação com Portugal, o de San Gabriel começa justamente por observar energias interrompidas e esforços frustrados, focando na história coletiva, e sem apresentar a sobreposição de indivíduos e nações de forma tão marcante.
A conexão entre as obras é notável nas imagens das naus, protagonizadas pelos portugueses, como a menção às velas, bandeiras e gaivotas em Pessanha e os navegadores e heróis nos versos de Nobre.
É possível enxergar com clareza suas visões sobre a terra portuguesa que estão retratando, observa-se primeiramente por Pessanha, a ideia da nação estagnada através das referências alegóricas de uma navegação quase interrompida “Pararam de remar! Emudeceram!”, que faz ecoar um tom de dúvida e incerteza adiante com a frase “A que foi que tão longe nos trouxeram?”, ao mesmo tempo, no segundo poema a frustração por essa terra é abordada, mediante a recusa em vê-la.
Ademais, os dois também compartilham de uma voz interna semelhante, que surge como prece, através da invocação do Arcanjo no poema de Camilo “Vem guiar-nos, Arcanjo, à nebulosa” anunciada até mesmo pelo título que faz referência a San Gabriel, nome também da embarcação presente, já em Antônio o fenômeno ocorre através do apelo direto a Camões. As entidades invocadas, são referências a uma terra portuguesa que não se encaixa na vivida pelas duas obras, e essa retomada, reforça a perspectiva de que buscam alcançar a mudança, por meio de uma extensão reformulada, do que conheciam de Portugal (a menção a Camões reforça nitidamente essa ideia).
Entretanto, esse cenário só é retomado para se tratar do tempo desses textos e o presente dos autores. Tanto Pessenha quanto Nobre, fazem parte da mesma escola literária, o simbolismo, por isso é possível encontrar traços de modernidade, linguagem não rebuscada e precisa nos poemas analisados. Os poetas, compartilhavam de uma inquietação com o mundo e seus indivíduos, viveram na mesma época e sociedade, mergulhados na insatisfação do português melancólico no final do século XIX, situação que refletia os impactos de acontecimentos históricos como o Ultimato Inglês sobre Portugal, que causou a crise monarca, foram moldando a estética da época, tornando esse movimento com aspectos que transcendem o tempo e espaço e alcançam a equivalência no campo espiritual e humano, como podemos ver na segunda parte de San Gabriel, onde os versos mostram a passagem da viagem terrena para o espaço aéreo e posteriormente o metafísico, “Vem conduzir as naus, as caravelas” seguindo a outra estrofe com “Irmos arando em um montão de estrelas.” até a última “Fulgem as velhas almas namoradas...” essa transposição acaba por acompanhar as estrofes, intensificando seu efeito.
A partir disso, observamos que o objetivo a ser conquistado, já não se encontra nos meios materiais, a retomada dos ideais portugueses camonianos para alcançar o fim desse trajeto inacabado, é levantada para guiar essa sociedade por um caminho ainda inacabado. Nota-se aqui, que há uma certa esperança nas entrelinhas, afinal o poeta enxerga uma saída para as frustrações de seu tempo.
Nos versos de Antônio Nobre, também podemos notar essa mesma característica que retoma algo atemporal, porém, busca exaltar um campo mais humano. Analisando sua última estrofe, percebemos que o poeta, converge a memória coletiva com a individual e retoma a mesma ideia da sociedade melancólica e desacreditada de San Gabriel, entretanto, é notável que a esperança de melhora não sobressai, tampouco a proposta de uma possível saída. É interessante notar que a criança em seus versos, faz alusão ao portugues pueril que está nessa angústia, marcada pelo desaparecimento do mundo em que vivem.
Portanto, seus poemas se conversam, através de vários pontos incomuns, porque refletem um pensamento alinhado dos dois sobre a época em que viveram, os poetas expressam seus interiores através de sentimentos resultantes de uma tentativa de reconciliação com o mundo, perceptível nos dois textos. Apesar das diversas semelhanças apresentadas, os escritores deixam sua marca individual, San Gabriel apresenta saída para a situação, e incentiva uma movimentação por parte da sociedade para isso ocorrer, além de referir-se a estética camoniana de forma sútil e nebulosa, diferente do poema de Nobre, onde a esperança é contida pela falta de uma possível solução, e a referência a Camões ocorre de forma direta, através da menção ao seu nome.
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